30/08/22 |   Agroindústria  Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação  Produção vegetal

Boas práticas e inovação tecnológica beneficiam comunidade ribeirinha do Amapá

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Foto: Paulo Paiva

Paulo Paiva - O óleo de pracaxi, extraído das sementes (foto) da árvore pracaxizeiro, tem potencial para atrair indústrias de fármacos e cosméticos

O óleo de pracaxi, extraído das sementes (foto) da árvore pracaxizeiro, tem potencial para atrair indústrias de fármacos e cosméticos

  • A troca de conhecimentos científicos e tradicionais entre a Embrapa e a comunidade ribeirinha Limão do Curuá, no Amapá, resultou em melhorias na extração do óleo de pracaxi.
  • Com propriedades medicinais, entre outras, produto tem grande potencial como bioinsumo para as indústrias de fármacos e cosméticos.
  • Embrapa e parceiros capacitaram mulheres ribeirinhas no uso de boas práticas ao longo de todo o processo de extração do óleo.
  • Inovações tecnológicas, como a mecanização da prensa artesanal utilizada no processo, também contribuem para um produto de melhor qualidade. 
  • A produção de óleo de pracaxi dessa comunidade é a mais expressiva do Amapá, chegando a duas toneladas por ano.

 

O compartilhamento de saberes científicos e tradicionais entre a Embrapa Amapá e a comunidade ribeirinha Limão do Curuá, localizada no Arquipélago do Bailique (Amapá), resultou em melhorias no processo de extração do óleo de pracaxi, um produto amplamente utilizado na região como anti-inflamatório, cicatrizante e antiofídico.

Além de boas práticas que aumentam a produtividade, a inserção de inovações tecnológicas, como a mecanização da prensa artesanal usada no processo (veja mais detalhes em quadro nesta matéria), levou ao desenvolvimento de um produto com aspecto, odor e qualidade adequados ao mercado de insumos bioecológicos, com grande potencial para atrair indústrias de fármacos e cosméticos.

A adoção das boas práticas em todas as fases, desde a coleta das sementes até o envasamento do óleo, além de novos equipamentos, proporcionou aumento na escala de produção e comercialização. De acordo com a extratora Claudiane Barbosa, um dos maiores ganhos foi o aumento da produtividade, além da melhoria da qualidade do óleo. “Se antes a extração de um litro de óleo de pracaxi demorava de três a quatro dias, hoje leva apenas 30 minutos”, compara.

A extração de óleos vegetais na Amazônia é uma prática comum que envolve o conhecimento das populações locais sobre o ambiente onde vivem, passado de geração a geração. O óleo de pracaxi, extraído das sementes da árvore pracaxizeiro, é um dos exemplos nesse sentido.

A atuação da Embrapa Amapá junto à comunidade Limão do Curuá se dá, principalmente, a partir do aperfeiçoamento das técnicas, por meio de capacitações em boas práticas e parceria para customizar e adquirir equipamentos, envolvendo diretamente integrantes do Núcleo de Recursos Florestais, da Unidade, como as pesquisadoras Ana Cláudia Lira Guedes e Ana Euler, os pesquisadores Marcelino Carneiro Guedes e Paulo Paiva, e o assistente Adjalma dos Santos Souza.   

A pesquisadora Ana Cláudia Guedes ressalta que a produção de óleo de pracaxi dessa comunidade é a mais expressiva no Amapá, chegando a duas toneladas por ano.  “Isso ocorre porque, além da supressão das etapas de cozimento e repouso das sementes, foi introduzido um novo modelo de prensa que proporciona uma importante redução do tempo de extração, já que não há necessidade de trabalhar a massa todos os dias, três vezes ao dia, durante 30 dias, para o escorrimento do óleo.”      

Claudiane Barbosa é da atual geração e aderiu às tecnologias voltadas para a melhoria da qualidade do óleo e redução do esforço físico. “Nós trabalhávamos da forma mais antiga, criada pelas nossas avós. Fazíamos o cozimento das sementes ao fogo, o que durava o dia inteiro. Hoje, nosso grupo adotou a prática de levá-las ao sol. Além disso, ao invés de piladas, as sementes são trituradas no liquidificador industrial. Com isso, em poucos minutos temos a massa para ser levada à prensa mecânica”, explica.

As boas práticas em todo o processo são fundamentais para alcançar um produto final de qualidade e têm potencial para referenciar outras comunidades tradicionais que extraem ou pretendem extrair o óleo da semente do pracaxi. As recomendações estão publicadas em documento gratuito, disponível no portal da Embrapa, no qual também estão descritos os custos de produção desse óleo vegetal, para apoiar a comunidade na definição do preço mínimo ou do preço justo, sendo que este último inclui vários fatores de valoração. 

 

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Vale lembrar que o manejo dessa espécie, visando à extração e comercialização do óleo, promove o desenvolvimento de comunidades (ODS 1) que praticam essa atividade, além de contribuir para o protagonismo das mulheres (ODS 5), geração de emprego e renda (ODS 8), e conservação da  Floresta Amazônica, por meio do uso sustentável de seus recursos (ODS 15). 

Boas Práticas para garantir a qualidade sanitária do óleo de pracaxi

As adaptações feitas no processo de extração do óleo de pracaxi resultam da união entre o conhecimento tradicional das extratoras e o conhecimento técnico-científico. As mudanças no método já apresentam impactos positivos, principalmente nas características físico-químicas do óleo, como acidez e peróxido, que são os parâmetros levados em consideração por empresas que procuram o óleo de pracaxi para fabricação de cosméticos.

Sobre as boas práticas disseminadas junto à comunidade, a extratora Claudiane Barbosa destaca que a “Embrapa trouxe informações que não sabíamos, como por exemplo, a forma mais adequada de trabalhar para evitar a contaminação do óleo. Com o apoio do Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e da Embrapa, nossa comunidade foi conquistando recursos e projetos a partir do incentivo para melhorar a qualidade do óleo”.      

As boas práticas envolvem coleta, lavagem, descascamento, secagem e trituração das sementes. Depois, há o preparo da massa, prensagem, escorrimento e, por fim, o envasamento do óleo. 

Fonte: Lira-Guedes et al (2019) 

 

A árvore pracaxi

O óleo de pracaxi é extraído das sementes da árvore Pentaclethra macroloba (Willd.) Kuntze, conhecida popularmente como pracaxizeiro. É uma espécie típica da Amazônia que pode alcançar 14 metros de altura, o equivalente a um prédio de quatro andares, e seu tronco atinge um Diâmetro na Altura do Peito (DAP) de até 59 centímetros.

Leguminosa da família Fabaceae, é vista em grande quantidade nas margens dos rios do estuário amazônico (ponto de encontro do rio e o mar, na divisa do Amapá e Pará). As folhas do pracaxizeiro têm cor verde brilhante. Trata-se de uma espécie oleaginosa requisitada pela indústria de remédios fitoterápicos e de cosméticos.

Os frutos amadurecem e as sementes se dispersam entre os meses de janeiro a abril até 10 metros de distância das árvores e flutuam nos ambientes de várzea, onde são transportadas pelas marés ao longo dos rios e igarapés. No caso dessa comunidade do Bailique, as sementes dispersadas são coletadas no rio Limão. A semente é marrom escura e opaca, e o óleo se apresenta na cor amarelo claro.

Prensa mecânica: inovação na extração do óleo

Uma das inovações impactantes no processo de extração do óleo de pracaxi da comunidade Limão do Curuá é o uso da prensa mecânica. Anteriormente, o equipamento mais usado era a prensa artesanal feita pelos próprios agroextrativistas com a madeira da árvore pracuúba. Porém, por ser de madeira é vulnerável a rachaduras que viram habitat para micro-organismos nocivos como fungos e bactérias, que podem potencializar a acidez e redução da qualidade química do óleo.

Para resolver este problema, o engenheiro florestal João Felipe Vilhena Correa, quando ainda era acadêmico da Universidade do Estado do Amapá (UEAP) e estagiário de Ana Claudia Lira Guedes, na Embrapa, dedicou-se à pesquisa do seu Trabalho de Conclusão de  Curso (TCC) com o objetivo de adaptar a prensa artesanal usada pelas extratoras na época, para um modelo que acrescentava uma chapa de aço inox e um macaco hidráulico à peça de madeira, a fim de melhorar a qualidade do óleo, além de aumentar o ganho ergonômico com menor esforço físico para as extrativistas.

A nova prensa, recomendada pela Embrapa, foi construída com madeira e possui 120 centímetros de altura por 64 centímetros de largura. A parte lateral é constituída por duas peças de madeira, que servem como suporte para garantir maior firmeza durante a prensagem e uma parte fixa constituída por três peças, sendo uma revestida com aço inox. À parte inferior, que também é fixa, está acoplado o macaco hidráulico de 16 toneladas.

O fato de a prensa ser desmontável facilita o deslocamento entre as comunidades. O novo equipamento foi confeccionado por Adjalma Souza,  assistente da Embrapa, a partir das necessidades apontadas pelas extratoras e orientações técnicas dos pesquisadores Ana Cláudia Lira Guedes e Marcelino Guedes.

Foram realizados testes nas duas prensas: no modelo adaptado e no antigo, usado tradicionalmente pelas extratoras. Também foram coletadas amostras de óleo das duas prensas, submetidas à análise laboratorial na Embrapa. Os resultados mostraram que houve diferença significativa nos índices de acidez, de 20 mg KOH/g (hidróxido de potássio/grama) para 4,0 KOH/g, entre as amostras provenientes da antiga prensa e as amostras da nova prensa, respectivamente. O óleo extraído na nova prensa apresentou melhor qualidade e também proporcionou ergonomia superior para as mulheres extratoras desta comunidade.

A Embrapa contou com a parceria do IEB em ações de fortalecimento da organização das extratoras e no apoio à gestão do empreendimento, como também na compra de materiais como chapa de aço inox para compor as prensas, material fundamental para executar as boas práticas difundidas.

Ana Claudia destaca que o baixo custo da tecnologia e sua devida adaptação à realidade dos usuários são aspectos decisivos para a eficácia da tecnologia. “É importante também considerar as condições da comunidade. Por exemplo, a falta de energia elétrica, de saneamento e a de internet são fatores que limitam o trabalho da equipe de pesquisa, e isso deve ser considerado quando da geração da tecnologia. Além disso, o conhecimento tradicional dessas comunidades deve ser levado em conta e, principalmente, respeitado”, enfatiza.

 

Comunidade Limão do Curuá

Limão do Curuá é uma das 50 comunidades do Arquipélago do Bailique, distrito do município de Macapá caracterizado como um território de populações tradicionais adaptadas e dependentes dos ecossistemas naturais para sua reprodução cultural e socioeconômica. O meio de transporte para chegar a essas ilhas é a via fluvial, e os barcos de linha não têm dia e hora fixos de saída e chegada, pois dependem do regime de maré do rio Amazonas. Isso influencia o tempo de deslocamento, que pode variar de 12 a 18 horas de viagem de Macapá até a Vila Progresso (sede administrativa do Bailique), ou de 6 a 8 horas para a comunidade Limão do Curuá.

Há registros de que os primeiros habitantes chegaram nessa comunidade por volta de 1819, quando ainda nem existia a ilha denominada Curuá. A comunidade se formou às margens do rio Curuá e atualmente é composta por 70 famílias, que vivem basicamente do manejo do açaí, da pesca artesanal de peixe e camarão, e da extração do óleo de pracaxi, de acordo com levantamento do pesquisador João Freitas, do Instituto Estadual de Pesquisas Científicas e Tecnológicas (Iepa).

Protagonismo feminino na extração do óleo de pracaxi

A extração de óleo de pracaxi é uma prática associada às mulheres ribeirinhas de comunidades da Amazônia. Com o objetivo de demonstrar esta atividade como uma ferramenta de protagonismo feminino do Limão do Curuá, bem como auxiliar na organização comunitária das mulheres extratoras e na capacitação para o desenvolvimento da cadeia produtiva do óleo de pracaxi, a então estudante de Engenharia Florestal Isabelly Ribeiro Guabiraba desenvolveu seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em contato direto com essa comunidade. Ela constatou que o grupo de mulheres extratoras vem aperfeiçoando as práticas de extração de óleo de pracaxi de forma autônoma.

“Essas mulheres estão sempre em busca de conhecimento e novas tecnologias para o aumento da qualidade de seus produtos”, observou Isabelly, que fez imersão na rotina das extratoras da Associação de Mulheres Extrativistas do Limão do Curuá (Amelc). Ela acrescentou que é notório que essa atividade pode se consolidar como um dos principais exemplos de empreendedorismo feminino do Arquipélago do Bailique, potencializando a economia da biodiversidade da Amazônia.

A valoração desse produto extraído da comunidade ribeirinha do Bailique deve estar associada ao trabalho dessas mulheres, à pureza e qualidade do óleo, à origem das sementes e aos serviços ecossistêmicos intrínsecos a um sistema de produção que conserva florestas estuarinas e o saber tradicional.

 

Dulcivânia Freitas (MTb 1.063/96/PB)
Embrapa Amapá

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