Visão de Futuro do Agro Brasileiro / Contexto Global

Forças motrizes e dinâmicas emergentes no contexto global

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O objetivo desta seção é posicionar o agro brasileiro quanto à sua rica história, notadamente a mais recente, analisar a produção, eficiência produtiva e sua contribuição para o abastecimento interno e as exportações. Esta análise servirá de base para a identificação e concepção de megatendências que afetarão o agro nos próximos anos, identificação de instrumentos para superação de potenciais problemas e concretização de potencialidades do setor.

Populações em crescimento e movimento pressionam os sistemas agroalimentares.

Demografia e fluxos populacionais

Crescimento populacional heterogêneo e mudanças na estrutura demográfica

Nas décadas de 2020 e 2030, a população mundial total continuará crescendo, mas a taxas decrescentes e de forma heterogênea nas regiões do globo (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018; National Intelligence Council, 2021a; Macrotendências..., 2022). Países desenvolvidos e algumas economias emergentes da Ásia, como a China, devem observar uma estagnação no crescimento, com rápido envelhecimento populacional e redução da população economicamente ativa. O maior aumento populacional se dará nos países da África subsaariana de menor renda e populações mais jovens.

Entretanto, países em desenvolvimento da América Latina, Oriente Médio, norte da África e sul da Ásia ainda podem se beneficiar de um aumento da oferta efetiva de trabalho e produtividade nesse período, caso consigam melhorar suas infraestruturas e competências. Como exemplo, o crescimento populacional da América Latina deve implicar em uma demanda adicional de alimento na região estimada em 22,5% em 2050 (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).

 

Crescente urbanização

A porção urbanizada da população global deve aumentar de 56% em 2020 para cerca de 66% em 2040, com quase todo o aumento ocorrendo em cidades de tamanho mediano em países em desenvolvimento (National Intelligence Council, 2021a; Pricewaterhouse Coopers, 2021). A América Latina/Caribe é a região com maiores taxas de urbanização (78,7% em 2016) do mundo em desenvolvimento, com quase a metade vivendo em cidades com mais de 1 milhão de habitantes (Morris et al., 2020). A crescente urbanização gera alta demanda para os sistemas agroalimentares, com fortes implicações para as áreas rurais, periurbanas e urbanas. O desafio será assegurar fornecimento de alimentos seguros, nutritivos e produzidos de forma sustentável para todos os consumidores urbanos, incluindo os de menor renda e mais vulneráveis.

Historicamente, a urbanização tem sido um fator crítico de desenvolvimento econômico e social, na medida em que trabalhadores migram para empregos que permitem maior renda e famílias se beneficiam de melhores condições de educação e saúde. No entanto, com a urbanização em geral rápida e desordenada em países de menor renda, esses benefícios podem não se materializar e trazer pressão e desafios para governos e sociedade civil. 

Considerando um cenário menos linear de extrapolação das dinâmicas correntes, há alguns fatores que podem forçar populações a deixarem grandes centros urbanos, como crises hídricas, insegurança alimentar ou poluição do ar (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). A revolução digital, especialmente seus efeitos no mercado de trabalho, tende a diminuir as necessidades que acarretaram grandes aglomerações urbanas; necessidades como concentração de informação, processamento, infraestrutura e pessoas (trabalhadores). A mudança do clima e eventos extremos decorrentes exercerão pressão sobre a infraestrutura e aumentarão os custos de transporte individual e de massa, o que pode levar ao desenvolvimento de polos econômicos mais dispersos e cidades melhor adaptadas às mudanças ambientais. Durante os próximos 20 anos, o sucesso ou fracasso das cidades vai determinar as oportunidades e qualidade de vida da maioria da população global. A revolução digital permitirá o surgimento de cidades inteligentes e sustentáveis, com serviços urbanos mais eficientes e maior qualidade de vida dos cidadãos.

 

Migrações em larga escala

As migrações populacionais têm ganhado importância demográfica e gerado repercussões políticas em algumas regiões do mundo, principalmente quando ocorrem de forma repentina e em grande escala. De acordo com a ONU, entre 2005 e 2050 cerca de 98 milhões de pessoas terão migrado para as regiões mais desenvolvidas do planeta, e de regiões mais pobres para as menos pobres ou medianas. As migrações em massa em algumas regiões podem se acelerar em razão de pressões ambientais, sociais e políticas (secas, aumento do nível do mar, escassez de alimentos, falta de emprego e deterioração das condições econômicas, violência generalizada, conflitos armados, falência de governos e perseguições étnicas) (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). 

Grandes deslocamentos de populações podem ter impactos importantes na estabilidade dos sistemas alimentares regionais, com pressões sobre preços e distribuição de alimentos e riscos de agravamento de condições de insegurança alimentar e nutricional, e reconstituição de hábitos alimentares. 

A hiperconectividade gera oportunidades, riscos e novas dinâmicas para negócios, comércio, educação e trabalho.

Estado e sociedade

Conexão e informação: novos espaços, formas de trabalho e relacionamento social


A contínua ampliação da oferta de tecnologias digitais e redes de comunicação social já conecta as economias e sociedades em todo o mundo, gerando oportunidades, riscos e novas dinâmicas para negócios, comércio, educação e trabalho (Barrett et al., 2020; Porto et al., 2021). Alguns vetores de mudança já presentes são: ampliação e diversificação da educação a distância (EaD); crescente utilização de dados públicos, big data e analytics; crescimento significativo dos negócios digitais; disseminação do trabalho remoto; crescimento significativo do comércio eletrônico; intensificação das conexões virtuais e das redes sociais como fonte de informação; estímulos à valorização do senso de coletividade e da solidariedade social; redução da privacidade dos dados pessoais; reconfiguração dos espaços públicos e novas formas e ambientes de participação social.
Os limites que caracterizam as atividades diárias das pessoas estão mudando de forma significativa e muito diferente do que aconteceu em gerações anteriores. Fronteiras difusas entre trabalho, lazer e aprendizado estão permitindo novas e profundamente diferentes abordagens dessas atividades, o que foi bastante acelerado no contexto da pandemia. Essas mudanças podem permitir também novas dinâmicas e modelos de negócios em todos os setores (EY, 2020).

Na América Latina, as tendências dos últimos 20 anos de uma classe média mais mobilizada e um crescimento de 40% nas vagas de ensino superior apontam para uma nova geração de pessoas em pleno desenvolvimento profissional, com potencial de melhorar as taxas de produtividade da região. A tendência de taxas de juros decrescentes e alta adoção de telefonia móvel e tecnologias associadas podem também facilitar os investimentos domésticos e favorecer a região a acelerar seu desenvolvimento tecnológico (National Intelligence Council, 2021b). No caso do Brasil, alguns indicadores nesse contexto são: 10º maior mercado consumidor do mundo; 40% total de habitantes concentrados em 100 maiores cidades; uma única língua e moeda; alta conectividade para pagamentos on-line; 4ª maior malha rodoviária do mundo (1,7 milhão km de extensão); rede de cidades integrada e acessível (Porto et al., 2021). 

 

Polarização, desconfiança e instabilidades políticas


A hiperconectividade das sociedades também está gerando novas dinâmicas sociais e políticas. As populações estão mais informadas e têm maior capacidade de expressar suas demandas, mas em muitos países as pessoas estão cada vez mais pessimistas sobre o futuro e desconfiadas da capacidade de lideranças e instituições em lidar com tendências econômicas, tecnológicas e demográficas disruptivas (National Intelligence Council, 2021a). As dificuldades em lidar com os problemas complexos do mundo contemporâneo estão levando pessoas a gravitarem para grupos de mentalidades convergentes a procura de identidade e segurança, incluindo grupos étnicos, religiosos, de identidade cultural ou ao redor de interesses e causas específicas, o que pode pôr em xeque a coesão social (World Economic Forum, 2021). A ampliação da comunicação integrada com sistemas de inteligência artificial e os desafios relacionados ao combate à desinformação tendem a acirrar as percepções da realidade conflitantes entre si (Burrows, 2019). 

Visões, objetivos e crenças mais fragmentadas e conflituosas tendem a gerar maiores demandas sobre governos e até mesmo a estressar a legitimidade dos governantes e da estrutura de organização política das sociedades. Uma lacuna crescente entre as demandas públicas e o que os governos podem oferecer aumentará as tensões, a volatilidade política e as ameaças às democracias. 


Desigualdades, insegurança alimentar e má-nutrição


Apesar das conquistas inegáveis na redução da fome global na segunda metade do século 20, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar no mundo vem aumentando de forma lenta desde 2014, com aceleração devido à pandemia de covid-19. Considerando o total de afetados por insegurança alimentar moderada ou severa, estima-se que cerca de 2,37 bilhões de pessoas não tiveram acesso regular a alimentos seguros, nutritivos e suficientes em 2020, um aumento de cerca de 320 milhões de pessoas em relação a 2019 (FAO, 2021). As principais razões para essa situação são conflitos regionais, efeitos da mudança do clima e crises econômicas, além dos diversos efeitos da atual pandemia.

De 2016 a 2019, a população brasileira afetada por insegurança alimentar moderada e aguda aumentou de 37,5 milhões para 43,1 milhões. Em 2020, a pandemia agravou esse quadro: 55,2% dos domicílios brasileiros se encontravam em insegurança alimentar, e 9% conviviam com a fome (12% na área rural) (Rede PenSSAN, 2021).  

A segurança alimentar e nutricional também vem sendo comprometida pela perda de diversidade de alimentos e pelo empobrecimento das dietas alimentares. Especialistas advertem que o fato de menos espécies de cultivos estarem alimentando o mundo suscita preocupações com a nutrição humana, bem como com a resiliência do sistema alimentar global, pois a diversidade de cultivos é essencial para a adaptação climática. Atualmente, 75% dos alimentos consumidos globalmente provêm de apenas 12 espécies de plantas e 5 de espécies animais. Dietas pouco diversificadass geram impactos na saúde das pessoas ao redor do globo, além de propiciarem o aumento da incidência de doenças crônicas (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, 2021). No Brasil, especificamente, o aumento da obesidade já atinge 20% da população; a obesidade em crianças de até 5 anos teve avanço, passando de 7,4%, em 2012, para 10%, em 2019. 

Os efeitos da pandemia sobre as cadeias de produção e distribuição de alimentos em nível global tendem ainda a se estender para os próximos anos, e podem ser ilustrativos para a prevenção de outras crises semelhantes, que afetam principalmente populações mais pobres e vulneráveis. Fatores como interrupções na produção, transporte e processamento de alimentos e insumos críticos; políticas de protecionismo, como tarifas e proibições de exportação; e a instabilidade nos mercados globais podem resultar em um grave declínio no financiamento internacional relativo à insegurança alimentar, afetar a disponibilidade de alimentos básicos e elevar os preços dos alimentos de forma persistente (Swinnen; McDermott, 2020). 

 

Mudanças em padrões de consumo e dietas


O crescimento populacional, o aumento de renda de alguns segmentos e as altas taxas de urbanização vão continuar afetando os sistemas agroalimentares diretamente e vão também levar a mudanças significativas nas escolhas alimentares, considerando a influência multifacetada desses fatores nas preferências dos consumidores e nos estilos de vida (Morris et al., 2020). A natureza e a direção dos impactos são difíceis de projetar e serão influenciadas, entre outros fatores, por políticas públicas dos diferentes países em resposta a pressões da sociedade, aumentando a desigualdade pré-existente ou favorecendo a diminuição dessas desigualdades. Em países de baixa ou média renda, as mudanças para padrões de dietas menos saudáveis (bebidas e alimentos ultraprocessados baratos) e baixa atividade física no trabalho, transporte e lazer estão correlacionadas com o aumento na prevalência de sobrepeso, obesidade e doenças não comunicáveis, simultâneo com aumento na subnutrição, principalmente em crianças (Barrett et al., 2020). 

Há alguma evidência sugestiva de melhorias modestas na prevalência de obesidade entre adultos em sistemas alimentares industrializados e consolidados (Barrett et al., 2020; Morris et al., 2020). Consumidores com maior nível educacional, maiores rendas e melhor acesso a cuidados de saúde têm maior nível de preocupação com alimentação saudável e exibem maior nível de atividade física proposital. Aumentos de renda estão associados também a uma classe média mais consciente, cujas preferências alimentares podem ser direcionadas por valores de saudabilidade, sociais ou éticos, como preocupações com bem-estar animal, questões ambientais e redução de desperdício de alimentos. Mudanças nas preferências dos consumidores tendem a deixar mais clara a necessidade de os sistemas agroalimentares gerarem produtos saudáveis, seguros, de alta qualidade nutricional e que satisfaçam padrões ambientais de uso de energia, impacto na biodiversidade e abordagens de comércio justo (Morris et al., 2020).

 

Nova atenção para a saúde


Nas duas próximas décadas, é provável que muitos desafios de saúde persistam ou se expandam, considerando o crescimento populacional e o aumento da resistência de patógenos a produtos antimicrobianos (National Intelligence Council, 2021a). O conceito de Saúde Única (World Health Organization, 2017, 2020), que é uma abordagem sistêmica sobre a saúde humana, animal e dos ecossistemas, já está recebendo mais atenção após a pandemia de covid-19 e deve ser reforçado nos próximos anos. Os esforços serão dirigidos ao aumento da capacidade de antecipar, prevenir e lidar com pandemias, aceleração de inovações em saúde e maior consciência do valor da saúde pública e da ação preventiva (Porto et al., 2021).

Doenças infecciosas endêmicas, emergentes ou re-emergentes continuarão a oferecer riscos à saúde dos indivíduos e comunidades. A incidência de novas pandemias é bastante possível, já que os fatores de risco para novas zoonoses, como grande mobilidade e adensamento humanos, continuarão sendo realidade. 

As doenças não comunicáveis, decorrentes da genética, do ambiente ou do estilo de vida de uma pessoa (como diabetes, doenças cardiovasculares, câncer e condições respiratórias crônicas), causam hoje a maioria das mortes no mundo. Especialistas em saúde estimam que, em 2040, essas doenças causarão cerca de 80% das mortes em países de baixa renda, considerando o aumento da expectativa de vida, mas também fatores como má-nutrição, poluição e uso de tabaco. 

Problemas de saúde mental e transtornos por causa do abuso de substâncias aumentaram cerca de 13% no mundo na década passada, principalmente entre adolescentes. Pesquisas preliminares indicam a tendência de que as consequências da pandemia de covid-19 provoquem aumento das taxas de transtornos mentais devido a perdas econômicas e efeitos do isolamento. A deterioração da saúde mental é considerada um dos grandes riscos globais para os próximos anos (World Economic Forum, 2021).

Com o reconhecimento de que as tendências em saúde têm interdependência com tendências na agricultura, demografia, uso da terra, disponibilidade e qualidade de água, o desenvolvimento tecnológico será crucial para o desenho sistêmico de medidas e políticas públicas, assim como para o investimento efetivo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico direcionado a avanços na saúde das populações (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).

 

Entre os riscos globais de maior impacto nos próximos anos estão aqueles relacionados ao meio ambiente e efeitos das mudanças do clima. A biodiversidade no planeta está sendo reduzida de forma mais acelerada em relação a qualquer ponto na história humana, o que traz riscos para a segurança alimentar e para a saúde.

Meio ambiente e clima

Entre os riscos globais mais prováveis e/ou de maior impacto nos próximos 10 anos estão aqueles relacionados ao meio ambiente: eventos climáticos extremos, fracasso em lidar com a emergência climática e degradação ambiental relacionada à ação humana; e novas doenças infecciosas (World Economic Forum, 2021). As interações entre processos relacionados ao clima, à perda de biodiversidade, à poluição de solos e água podem levar a situações críticas, pontos de difícil retorno, principalmente quando aliados a condições sociais instáveis (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).

 

Agravamento dos impactos da mudança do clima


A mudança do clima influenciada pela atividade humana já afeta todas as regiões do globo, com eventos extremos observáveis e mais frequentes, o que vai exacerbar cada vez mais os riscos para a segurança humana nos diferentes países (IPCC, 2021), forçando-os, governo e sociedade, a fazer escolhas e compensações difíceis. Os fardos serão distribuídos de forma desigual, aumentando a competição, as injustiças e contribuindo para a instabilidade social e política. Ainda, os impactos da mudança do clima em uma região podem afetar outras regiões por meio de aspectos de comércio internacional, infraestrutura e finanças (European Environment Agency, 2021).

A mudança do clima deve continuar afetando o setor agrícola, alterando as condições regionais de cultivos, os eventos extremos e a incidência de pragas e doenças. A frequência de temperaturas excessivas para a atividade agrícola e de secas vai aumentar na América do Sul, segundo o recente relatório do IPCC. Embora não haja projeção de que a produção agrícola global vá declinar até 2050, as áreas mais adequadas ao cultivo de determinadas espécies devem ser alteradas, as produtividades anuais serão mais variáveis e a volatilidade dos preços das commodities deve aumentar, o que vai afetar os padrões de cultivo, o comércio internacional e os mercados regionais (European Environment Agency, 2021).

Em todo o mundo, os sistemas alimentares contribuem com até 29% de todas as emissões de gases do efeito estufa (GEE), incluindo 44% do metano, e têm um impacto negativo sobre a biodiversidade. Para alimentar mais de 9 bilhões de pessoas em 2050, permitindo que possam viver bem sem esgotar os recursos do planeta, os sistemas alimentares precisarão passar por profundas transformações, do campo à mesa (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, 2021). Recentemente, a Cúpula dos Sistemas Alimentares (ONU, 2021) estimulou o estabelecimento de coalizões por grupo de países para abordarem, de forma colaborativa, prática e voluntária, questões específicas de alta prioridade na transformação dos seus sistemas alimentares, como pecuária sustentável; perdas e desperdícios de alimentos; dietas saudáveis e agricultura sustentável; agroecologia e inovação para a produção sustentável em resposta à mudança do clima. Essas coalizões e suas prioridades antecipam mudanças no quadro de políticas dos países que as integram e indicam áreas que poderão influenciar na construção da agenda de políticas dos países em geral.

 

Degradação ambiental e perda de biodiversidade


A biodiversidade no planeta está sendo reduzida de forma mais acelerada em relação a qualquer ponto na história humana, o que traz riscos para a segurança alimentar e para a saúde, além de reduzir a resiliência global. O aquecimento global vai agravar ainda mais a extinção de plantas e animais, inviabilizando seus habitats tradicionais. Migrações abruptas de espécies animais para outros habitats podem levar à extinção de organismos nativos e riscos acentuados de novas zoonoses (Swinnen; McDermott, 2020; National Intelligence Council, 2021a).

A governança insuficiente dos recursos hídricos nos países e entre países continuará sendo a principal força motora para as situações de estresses hídricos nas próximas duas décadas. O crescimento populacional e econômico e os sistemas pouco eficientes no uso da água na agricultura e em outros setores devem continuar a pressionar a demanda pelo uso da água, em um cenário agravado de precipitações mais erráticas (National Intelligence Council, 2021a). 

Embora a poluição do ar e da água tenha decrescido em alguns países de maior renda depois de um pico no século 20, em nível global a poluição continua a ser uma grande preocupação. De forma similar a outros fatores ambientais, a poluição do ar influencia e é influenciada pela mudança do clima por meio de complexas interações na atmosfera, o que deve continuar piorando a qualidade do ar em muitas regiões urbanas e aumentando a frequência de incêndios florestais.

 

 

Cenários econômicos e geopolíticos de maior complexidade exigirão maior capacidade de resposta de governos e sociedade às instabilidades.

Economia e geopolítica

Nos próximos anos, os eventos que causam instabilidade aos sistemas econômicos tendem a ser mais frequentes e as sociedades tendem a estar mais divididas. Haverá necessidade de grande aprimoramento nas capacidades, na cultura e nos processos associados à gestão de riscos de uma forma mais integrada globalmente. O mundo lidará com crescentes discrepâncias nas capacidades dos países em incorporar as tecnologias digitais. Enquanto isso, uma geração de jovens pode ter que lidar com as desilusões de oportunidades perdidas e estagnação. Os riscos climáticos tendem a se tornar mais reais ao mesmo tempo que a cooperação entre países enfraquece; e uma paisagem industrial polarizada emerge na economia pós-pandemia (World Economic Forum, 2021). Esse cenário de maior complexidade vai exigir aumento na capacidade de resposta de governos e sociedade às instabilidades. 

 

Desigualdades econômicas


A crescente discrepância entre o nível de prosperidade entre países e dentro dos países representa um dos sinais de alerta para a necessidade de ajustes sociais globais. A desigualdade entre países teve redução em nível global na última década, principalmente em razão das contribuições do desenvolvimento econômico de China e Índia. Como esses e outros mercados emergentes continuam a crescer, a hegemonia dos Estados Unidos e seus aliados tende a ser gradualmente substituída por uma economia mundial multipolar, na qual países emergentes se tornarão importantes polos econômicos para serviços de finanças, manufatura e inovação. Essa tendência não significa, porém, que o crescimento econômico será bem distribuído ou que a exposição a crises econômicas será menor. A vulnerabilidade econômica de países em desenvolvimento tende a ser maior por causa dos riscos desproporcionais em relação aos impactos da mudança do clima, do crescimento populacional rápido, de governos mais frágeis e de situações de conflito. Sem investimentos adequados, essas populações continuarão crescendo a taxas insustentáveis, com avanços insuficientes na educação de seus jovens e precariedade nos serviços de saúde (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).

A educação é um dos principais fatores que favorecem a prosperidade dos indivíduos e suas comunidades. O nível educacional de um país é crítico para o seu progresso social e redução das desigualdades econômicas. A crescente dependência das indústrias e serviços em tecnologias de informação e comunicação requer níveis altos e adequados de educação para o uso de tecnologias mais modernas e tarefas mais complexas. 

 

Sistema internacional mais competitivo, complexo e fragmentado


Várias tendências econômicas globais, incluindo o aumento das dívidas nacionais, o ambiente comercial mais complexo e fragmentado, a expansão global do comércio de serviços, novas interrupções no emprego e a expansão contínua de grandes conglomerados empresariais, estão moldando as condições dentro e entre os estados, e foram intensificadas com a pandemia de covid-19. As demandas por mais planejamento e regulamentação se intensificarão, principalmente em grandes plataformas de e-commerce.
O sistema internacional permanecerá mais competitivo - moldado em parte pelos desafios de uma China em ascensão econômica e com influência tecnológica – e com maior risco de conflito, a medida que atores estatais e não estatais exploram novas fontes de poder e corroem normas e instituições antigas que proporcionaram alguma estabilidade nas últimas décadas. (Burrows, 2019; National Intelligence Council, 2021a).

A tensão global decorrente da interdependência comercial entre as nações é um fator desestabilizante para as próximas décadas (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). Há riscos relevantes de um mundo com crescentes barreiras protecionistas, líderes populistas/nacionalistas, instabilidades políticas, conflitos e violência (Burrows, 2019). 

O poder no sistema internacional evoluirá para incluir um conjunto mais amplo de fontes, mas, provavelmente, nenhum estado isolado estará em posição de dominar todas as regiões ou domínios. Os Estados Unidos e a China terão a maior influência na dinâmica global, aumentando a tensão sobre outros atores e a disputa por normas, regras e instituições globais, elevando o risco de conflitos na arena internacional (National Intelligence Council, 2021a). 

Várias nações desenvolvidas têm exibido sinais em direção ao protecionismo econômico, com o pretexto de proteger empregos domésticos ou corrigir desequilíbrios no comércio bilateral. Em médio e longo prazo essas políticas restringem o desenvolvimento econômico por inibirem o comércio de insumos intermediários e a criação de novos nichos de mercado de maior valor. As incertezas geradas pelo protecionismo também atrapalham fluxos de investimento nos mercados de capital globais, o que é, ainda, agravado pelas tendências de migrações, mudanças do clima e questões geopolíticas.

O protecionismo também ameaça a sustentabilidade dos sistemas alimentares, alterando as cadeias de valor e dificultando o acesso a alimentos básicos. O comércio internacional tem um papel importante na estabilização do preço de alimentos e influencia a produção em áreas com menores riscos ambientais (International Food Policy Research Institute, 2018). O protecionismo de países desenvolvidos será sentido mais agudamente nos países pouco desenvolvidos que dependam de demanda externa para a exportação de commodities ou que dependam de ajuda financeira externa para infraestrutura básica (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). 

 

Novas métricas de desenvolvimento e bem-estar


A ênfase dada, nas últimas décadas, à produtividade e ao crescimento econômico teve como consequências redução na dimensionalidade das métricas (e na consciência) de bem-estar humano e consumo excessivo de recursos naturais em muitas regiões. Diferentes culturas e populações são comparadas principalmente pela dimensão ‘riqueza’, o que em geral não traduz bem o conceito mais amplo de prosperidade (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). Ganham força discussões globais sobre métricas alternativas ao Produto Interno Bruto (PIB) como o principal indicador socioeconômico, à medida que mudanças importantes no sistema capitalista estão ocorrendo e políticas públicas falham em resolver as questões de desigualdades e reduções nos padrões de vida. As deficiências do PIB são bem conhecidas: falhas em internalizar custos ambientais ou sociais; omissão em relação à distribuição de renda e riqueza; invisibilidade de atividades não monetizadas (como cuidados domésticos com crianças e idosos, produção agrícola para autoconsumo); e, todavia, o PIB aumenta com atividades como sobrepesca, desmatamento e queima de combustíveis fósseis (United Nations, 2021a). Além disso, o PIB não contempla serviços digitais não monetizados (como aqueles baseados em buscas na internet, mapas, mídias sociais) nem produtos intangíveis (como conhecimento e dados) (EY, 2020). 

Novas formas sistêmicas de medir o nível de bem-estar de uma sociedade estão sendo desenvolvidas, como o Better Life Index (OECD, 2018). Alguns países já começaram a utilizar essas medidas, o que deve incentivar ambientes diferenciados para inovações e modelos econômicos que considerem os limites do planeta e o bem-estar das comunidades como valores centrais (Barrett et al., 2020).

 

Novas formas de investimento e financiamento


Investidores privados, fundos de pensão e outras formas de investimento que trabalham com retornos de longo prazo estão cada vez mais investindo em agricultura regenerativa, floresta e pesca sustentável, e produtos de investimento verde (green bonds, climate bonds) (Barrett et al., 2020). Finanças de conservação são novos mecanismos que atraem fluxos de capital para a conservação da biodiversidade (Deutz et al., 2020). 

Em todo o mundo, o impulso está crescendo em torno de investimentos ESG (environment, social, governance), que oferecem uma série de critérios reconhecidos que os investidores podem usar para implantar capital para ganhos financeiros sustentáveis e de longo prazo que alinhem seus princípios aos dos seus stakeholders (Boffo; Patalano, 2020). Enquanto as metodologias e padrões ESG continuam a ser refinados, o mercado mais amplo de investimentos de impacto (feitos com a intenção de gerar impacto mensurável positivo, social e/ou ambiental com retorno financeiro atraente) – do qual ESG é apenas uma parte – aumentou significativamente na última década, agora abrangendo pelo menos 715 bilhões de dólares em ativos sob gestão (Global Impact Investing Network, 2020). É esperado que o mercado de investimentos de impacto cresça amplamente à medida que as evidências indiquem com clareza a relação positiva entre investimentos ESG e desempenho financeiro corporativo (Friede et al., 2015). 
A pandemia reforçou ainda mais o apetite pelos investimentos verdes e portfólios institucionais que consideram os riscos relacionados à mudança do clima (climate-proofing) (OECD, 2020a, 2020b, 2021). Governos e outros atores públicos devem ser capazes de atrair e canalizar esses investimentos privados para a construção de infraestrutura crítica. 

 

Descarbonização e mudanças no setor energético


A descarbonização da economia global pode resultar em novos modelos de negócio e um ganho econômico estimado de 26 trilhões de dólares até 2030, em relação ao modelo atual, criando mais de 65 milhões de empregos relacionados a uma economia de baixo carbono. A poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis, compostos químicos e outros poluentes é responsável pela morte de 7 milhões de pessoas por ano em todo o mundo, custando cerca de 5 trilhões de dólares por ano (United Nations, 2021a). 

O consumo de energia não tende a parar de crescer em futuro próximo e o formato corrente de funcionamento da vida econômica e social do mundo contemporâneo exige um conjunto de estratégias para ganhos de eficiência energética, sobretudo em função da mudança do clima. Os sistemas agrícolas tropicais são considerados os mais vulneráveis aos impactos da mudança do clima. É fundamental planos para neutralizar as emissões de CO2 e a forte redução em outros gases de efeito estufa (IPCC, 2021), além do estímulo à economia circular (em que a geração de valor a partir de coprodutos tem grande importância), e estratégias que fomentem resiliência e capacidade adaptativa aos sistemas de produção.  

As novas opções de energia limpa, renovável e descentralizada estão ganhando mercado, com custos decrescentes. Em particular, a queda de custo da energia fotovoltaica abaixo dos preços de combustíveis fósseis sinaliza para um aumento da velocidade na transformação dos sistemas energéticos e ampliação de acesso, principalmente se houver avanços nas tecnologias de armazenamento de energia (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). Outra importante tendência é que as fronteiras tradicionais dentro do sistema energético e deste com outros setores diminua continuamente, como no caso da integração do setor elétrico com os setores de aquecimento e transporte, e a integração do setor energético com os setores de mobilidade e de tecnologias digitais, com ganhos esperados de flexibilidade. 

No contexto pós-pandemia, são esperados estímulos para investimentos em medidas que acelerem a descarbonização ao mesmo tempo que aumentem a resiliência dos sistemas elétricos, tais como investimentos em maior eficiência energética, energia distribuída e flexibilidade dos sistemas. Em países em desenvolvimento, medidas que aumentem o acesso à energia (especialmente a limpa e renovável) como microgeração off-grid (sistemas isolados), podem gerar empregos e maior resiliência a futuras crises (OECD, 2020a, 2020b). 

 

O ritmo e o alcance dos desenvolvimentos tecnológicos aumentarão, transformando as experiências e capacidades humanas e, ao mesmo tempo, criando tensões e rupturas para todos os atores.

Tecnologia

Ritmo e alcance do desenvolvimento tecnológico


O ritmo e o alcance dos desenvolvimentos tecnológicos aumentarão, transformando as experiências e capacidades humanas e, ao mesmo tempo, criando tensões e rupturas para todos os atores. A competição global pelos elementos essenciais da supremacia da tecnologia aumentará, com EUA e China como principais expoentes (Burrows, 2019). Tecnologias e aplicativos derivados permitirão uma adoção rápida de novos conhecimentos.

A ubiquidade das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) tem acelerado várias tendências da sociedade que já vinham se desenhando há tempos – tais como a desintegração das regras que moldam as interações entre as nações, a erosão das estruturas dos sistemas democráticos representativos e a perda da convergência social em torno de normas e valores básicos para o avanço civilizatório –, afetando a base das estruturas sociais e instituições (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).

As tecnologias digitais podem apoiar a transição para sustentabilidade por serem transversais em relação às demais transformações econômicas e sociais. Um aumento da digitalização e automação pode apoiar o alcance do desenvolvimento sustentável. Entretanto, os efeitos negativos do desenvolvimento tecnológico tendem a ficar mais visíveis e mais urgentes de tratamento. A disrupção dos mercados de trabalho é provável à medida que automação e inteligência artificial tornem-se mais presentes, o que vai ampliar os desafios para que estruturas de governança e políticas mitiguem os potenciais efeitos negativos transitórios da revolução digital (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018).  


Tecnologias emergentes – digitais e não digitais 


A transformação digital em curso tem permitido aos atores mais preparados uma reinvenção das capacidades e competências e continuará a provocar rupturas, maturação e aceleração nos negócios, economias e sociedades. É uma revolução sem limites ou fronteiras, que vem alterando comportamentos e expectativas assim como ferramentas e espaços para novos serviços e experiências (Pricewaterhouse Coopers, 2021). As fronteiras conhecidas da colaboração entre humanos e máquinas no ambiente de trabalho terão que ser reinterpretadas com os avanços em robótica e aprendizado de máquina.  

As mudanças tecnológicas não virão somente das tecnologias digitais, mas serão direcionadas por uma combinação de avanços disruptivos em biologia, energia e ciência de materiais, tais como o estudo de microbiomas e a biologia sintética (Ey, 2020) (Herrero et al., 2020), que vão abrir novas fronteiras para inovação e estratégia de negócios, assim como podem apresentar riscos importantes para a sociedade e ecossistemas (Institute for the Future, 2020).

Em relação aos sistemas agroalimentares, há um conjunto de tecnologias já vislumbradas nas áreas de agricultura digital, genômica, processamento e segurança do alimento, produção primária, insumos e alimentos substitutos, que indicam uma prontidão tecnológica para futuras demandas. Ainda, as inovações mais promissoras não são somente, ou primariamente, rupturas científicas ou avanços em engenharia. Muitos “aceleradores-chaves” (Herrero et al., 2020) serão inovações socioculturais, políticas ou institucionais, dado que a transformação é também um processo político, que envolve escolhas, consensos, bem como compromissos sobre novas direções e caminhos (Barrett et al., 2020).

 

Mundo hiperconectado – transformações e vulnerabilidades


A delegação de parte significativa do processamento de informação e da comunicação para sistemas eletrônicos é a tendência de maior impacto na transformação das sociedades e vai exigir a transição para outras formas de organização. 

A aceleração no processamento e fluxo da informação, determinada pelo aumento da interatividade digital e pela comunicação entre um maior número de pessoas com ferramentas mais complexas para pensar e agir, afeta as dinâmicas das decisões dos atores e o controle de suas ações, com consequências difíceis de serem previstas (International Institute for Applied Systems Analysis, 2018). Para além dos efeitos já conhecidos das mídias sociais e dos smartphones no comportamento e cognição humanos, é provável que os efeitos da inteligência artificial, robótica e veículos autônomos sejam ainda mais amplos e criem desafios não só para os indivíduos, mas principalmente para empresas e governos, em termos das interações com clientes, empregados e cidadãos (Ey, 2020).