Visão de Futuro do Agro Brasileiro / Contexto Global

Governança e regulação internacional e nacional

Download pdf

 

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) têm grande relevância para o Brasil e apresentam oportunidades para evidenciar o papel da agricultura sustentável e da segurança alimentar e nutricional no alcance desses objetivos.

Agenda 2030 e os objetivos de desenvolvimento sustentável

Os 193 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) adotaram, em 2015, a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) como um instrumento norteador para seus próprios projetos nacionais de desenvolvimento. A Agenda 2030 é uma agenda aspiracional, baseada em valores civilizatórios, mas com uma abordagem sistêmica bastante concreta de problemas globais e metas de enfrentamento, focada em ação. Busca o desenvolvimento humano e social, bem-estar e prosperidade, em equilíbrio com os limites do planeta. Os problemas tratados nos ODS têm grande relevância para o Brasil e trazem amplas oportunidades para evidenciar o papel da agricultura sustentável e da segurança alimentar e nutricional para o alcance dos objetivos, principalmente considerando-se um contexto de bioeconomia sustentável. 

Outras agendas globais (clima, biodiversidade, desertificação, desenvolvimento urbano, sistemas alimentares) convergiram com a Agenda 2030 nos últimos 6 anos, o que gera perspectivas de parcerias e de confluência de recursos financeiros (públicos e privados). Observa-se ainda que as discussões realizadas no âmbito das convenções ambientais da ONU têm informado, com frequência cada vez maior, acordos econômicos e comerciais. Em novembro de 2020, a ONU divulgou seu United Nations Research Roadmap for the COVID-19 Recovery, que contém 25 prioridades de pesquisa para orientar estratégias nacionais e internacionais de recuperação da crise socioeconômica decorrente da pandemia da covid-19. O eixo de sustentabilidade do relatório – que conta, ainda, com outros dois eixos principais: equidade e resiliência –, aponta a integração do tema ambiental à esfera econômica como uma prioridade de pesquisa com grande poder de transformação. Especificamente, o documento indica a necessidade de explorar como abordagens que previnem a degradação ambiental e preservam os recursos naturais podem ser mais bem integradas às colaborações multilaterais nas áreas econômicas (United Nations, 2020).

O progresso no alcance dos ODS influenciará a formatação de legislações e abordagens regulatórias, assim como investimentos internacionais e filantropia. O setor privado, empresas e investidores, já tem respondido aos desafios da Agenda 2030, reconhecendo a necessidade de responder a requisitos sociais e ambientais como forma de fortalecimento de seus posicionamentos, marcas e reputação.

A ONU postula que uma aceleração no progresso da implementação da Agenda 2030, nesta chamada ‘Década da Ação’, é a melhor chance para uma recuperação global dos efeitos negativos, diretos e indiretos, da pandemia de covid-19, visando a uma reconstrução adequada com sustentabilidade (build back better), a prevenção de futuras pandemias e um futuro melhor para toda a população (United Nations, 2021a, 2021b).

 

O Green Deal pode ser considerado a estratégia “guarda-chuva”, que dá abrigo aos demais marcos da esfera ambiental, os quais buscam trazer compromissos e metas qualitativos e quantitativos para orientar as ações dos estados membro da UE até 2050.

Green Deal Europeu


Desde 2019, a União Europeia (UE) elabora e divulga marcos orientadores sobre sustentabilidade que possuem impacto direto na agricultura, a saber: o Pacto Verde Europeu (2019), a Estratégia Farm-to-Fork (Do Campo à Mesa) (2020), a Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030 (2020) e a Lei Climática Europeia (2020). 

O Pacto Verde Europeu (Green Deal) pode ser considerado a estratégia “guarda-chuva”, que dá abrigo aos demais marcos, os quais buscam trazer compromissos e metas qualitativos e quantitativos para orientar as ações dos estados membro da UE até 2050. O documento, de cunho estratégico, tem por principal objetivo atingir a neutralidade climática na UE até 2050 e divide-se em quatro seções: 1) transformação de desafios em oportunidades; 2) transformação da economia da UE: políticas transformativas e integração da sustentabilidade; 3) União Europeia como líder global: diplomacia climática; e 4) pacto climático europeu: neutralidade climática até 2050. O pacto baseia-se em duas premissas: os vetores das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade são globais e a atuação isolada da UE não é suficiente para atingir a ambição ambiental proposta (European Commission, 2019).

Quanto à ambição climática, o documento demonstra forte preocupação da UE quanto à fuga de carbono por meio da importação de produtos que tenham intenso uso de carbono em sua manufatura. Portanto, países que exportam para o bloco europeu devem estar atentos às novas diretrizes europeias e se preparar para manter investimentos no monitoramento e na quantificação da pegada de carbono de seus produtos, além de assegurar que outros aspectos e indicadores que possam conferir qualidade e valor agregado aos produtos sejam visíveis e perceptíveis ao consumidor. 

O adensamento da governança global (Orsini et al., 2013) tem provocado a crescente inclusão de temas de sustentabilidade e meio ambiente em acordos econômicos e comerciais – o Acordo União Europeia-Mercosul é um exemplo recente, por possuir um capítulo voltado para comércio e desenvolvimento sustentável, que abrange meio ambiente e questões trabalhistas. 

A Cúpula dos Sistemas Alimentares (Food Systems Summit, 2021) organizou questões específicas e de promoção de ações centrado na transformação dos sistemas alimentares em nível global, como principal forma de progredir mais significativamente em todos os 17 ODS.

Cúpula dos Sistemas Alimentares (Food Systems Summit, ONU)

Fóruns globais promovidos por organismos internacionais, em geral, estabelecem marcos, vinculantes ou não, que influenciam a formulação de políticas dos países. A Cúpula de Sistemas Alimentares realizada pelas Nações Unidas em Nova York, nos dias 23 e 24 de setembro de 2021, não é uma exceção. Preocupada com a importância de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030, a ONU conduziu, ao longo de 18 meses, um processo de reflexão e de promoção de ações centrado na transformação dos sistemas alimentares como principal forma de mudar o curso e progredir mais significativamente em todos os 17 ODS. O esforço consistiu de várias etapas até culminarem na elaboração de documentos nacionais de caminhos para aperfeiçoar seus sistemas alimentares (United Nations, 2021a). Essa etapa foi seguida pela formação voluntária de coalizões entre países para realizar atividades estratégicas em áreas específicas de interesse. A primeira etapa compreendeu discussões a respeito de cinco linhas de ação propostas pelos organizadores da cúpula: acesso à alimentação nutritiva para todos; padrões de consumo saudáveis e sustentáveis; produção ecologicamente correta de alimentos em escala; promoção de meios de subsistência equitativos; e construção de resiliência contra vulnerabilidades, choques e tensões. Essas linhas de ação sugerem áreas que merecem atenção dos países na formulação de suas políticas. Os documentos produzidos pelo grupo científico que colaborou com a organização da cúpula apresentam o detalhamento de cada uma das linhas de ação, portanto, são referências valiosas para o desenho de políticas.

Também derivado das etapas estruturantes da cúpula, um segundo conjunto de elementos que deverá impactar o desenho de políticas públicas são as linhas nacionais de ação a serem seguidas voluntariamente pelos países para fortalecer a sustentabilidade dos seus sistemas alimentares. No caso do Brasil (Brasil, 2021a), o mapa estratégico definido no documento Caminho nacional para sistemas alimentares sustentáveis compreende, entre outras, as seguintes orientações para o período 2021-2030: fomentar pesquisas científicas e inovações contínuas e inclusivas para aprimorar sistemas alimentares; adotar abordagens de múltiplos sistemas alimentares adaptados às circunstâncias locais que contribuem para a redução de gases de efeito estufa; ampliar a geração e o uso de energia renovável nos sistemas alimentares; apoiar os pequenos produtores e a agricultura familiar na promoção de meios de vida sustentáveis e na diversificação de alimentos; promover dietas saudáveis e nutritivas; potencializar maior integração sustentável da agrobiodiversidade nos sistemas alimentares; reduzir perdas e desperdício de alimentos no sistema alimentar; e trabalhar com outros países e organismos internacionais pelo livre comércio agrícola como condição essencial para a segurança alimentar e nutricional.

Além dos elementos anteriores, as coalizões estabelecidas por grupo de países para abordar, de forma colaborativa, prática e voluntária, questões específicas de alta prioridade na transformação dos seus sistemas alimentares antecipam mudanças no quadro de políticas dos países que as integram e, ao mesmo tempo, indicam áreas que poderão influenciar na construção da agenda de políticas dos países em geral. Até o momento foram estabelecidas 24 coalizões organizadas sob quatro grandes áreas de ação: Nutrir a Todos; Produção Sustentável; Meios de Vida Equitativos, Trabalho Decente e Empoderamento de Comunidades; e Construção de Resiliência para Vulnerabilidades, Choques e Tensões.
O Brasil demonstrou interesse preliminar em participar de algumas dessas coalizões: pecuária sustentável; perdas e desperdícios de alimentos; dietas saudáveis e agricultura sustentável; agroecologia e inovação para a produção sustentável (AIM4C) em resposta à mudança do clima. As coalizões terão o apoio operacional das agências da FAO e do Comitê de Segurança Alimentar além do escritório local da ONU em cada país, e haverá um mecanismo de revisão bianual a ser organizado pela ONU. 

Em decorrência da aplicação dessa abordagem na Cúpula, assistiu-se ao início de um processo em que múltiplos setores de governo, como os ministérios da Agricultura, do Meio Ambiente, da Saúde, da Cidadania e das Relações Exteriores brasileira atuaram coordenadamente com associações de produtores, grupos empresariais, ONGs, indígenas, sociedade civil e a academia, examinando o desempenho do sistema alimentar brasileiro, identificando limitações e apresentando propostas transformadoras que contribuem para o seu aperfeiçoamento e consequentemente, para o alcance dos ODS.

 

 

O aprendizado já desenvolvido no Brasil em políticas relacionadas à mudança do clima pode conferir ao país uma vantagem competitiva frente a outros países em desenvolvimento.

Política relacionada à mudança do clima

O Brasil tem um relevante legado de aprendizagens com processos de desenvolvimento da política internacional, como a aplicação de metodologias e aprendizados no que diz respeito à gestão dos ativos trazidos durante a fase de construção do Protocolo de Quioto e de seu mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL). Esse aprendizado pode representar importante vantagem para o cumprimento do Acordo de Paris – instrumento jurídico cujo principal objetivo é combater o aumento da temperatura terrestre provocado pela emissão de GEE – estimulando a modernização da gestão com desenvolvimento de tecnologias e boas práticas, que podem vir a ser modelos internacionais e, assim, maximizar a performance do setor produtivo nacional.

Outra importante experiência adquirida em âmbito doméstico foi o estabelecimento de uma sólida estrutura para desenvolvimento do inventário nacional de GEE, sob supervisão da Coordenação de Mudanças Globais de Clima do MCTI. Agora, com a implementação do ETF (mecanismo de transparência aprimorada) no âmbito do Acordo de Paris, o nível de exigência será muito maior para países em desenvolvimento, mas o aprendizado já desenvolvido no Brasil potencialmente conferirá ao país uma vantagem competitiva frente a outros países em desenvolvimento.

Políticas setoriais para redução de emissões de GEE já estão sendo desenvolvidas, com maior ou menor complexidade, nos setores da economia brasileira, há mais de uma década. O Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) é um exemplo exitoso de política setorial desenvolvida para fomentar adaptação aos impactos da mudança do clima, preservar a renda do setor e contribuir com o controle de emissões de GEE. No entanto, no longo prazo inovações dessa natureza serão insuficientes e precisam evoluir para incorporarem componentes intersetoriais sistêmicos no planejamento.

A implementação do Acordo de Paris pode fomentar o amadurecimento de discussões sobre o estabelecimento de um mercado doméstico e a convergência de investimentos entre os setores da economia e promover dinamismo e ganho sistêmico de eficiência. Para tanto, o processo de discussão e consolidação de mercado deverá ser suficientemente robusto para catalisar elementos relacionados à adaptação e mitigação e fomentar políticas de limitação de emissões que sejam baseadas tanto em incentivos positivos quanto em medidas de controle e, assim, contribuir com a valorização de soluções inteligentes, inovadoras e eficientes e desestimular setores da economia dependentes de fontes fósseis de emissões de GEE.

No âmbito nacional, a implementação do sistema de forma sólida e com atenção à integridade ambiental pode gerar uma percepção positiva da sociedade acerca do papel das empresas e do setor privado como agentes promotores de inovação, desenvolvimento e sustentabilidade.

 

 

O novo Marco Global da Biodiversidade Pós-2020 vai definir os compromissos dos países em diversos temas sensíveis para a agricultura pelas próximas três décadas.

Política relacionada à biodiversidade

As negociações do novo Marco Global da Biodiversidade Pós-2020 (Post-2020 Global Biodiversity Framework) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD/ONU) vão definir os compromissos dos países em diversos temas sensíveis para a agricultura pelas próximas 3 décadas.

Além dos objetivos principais da CBD, a conservação, o uso sustentável e o acesso e repartição de benefícios provenientes de recursos genéticos, o novo Marco Global envolve diretamente temas que impactam a agricultura brasileira, tais como: pesquisa científica, modos de produção e uso de defensivos agrícolas, conservação e melhoramento genético, regulação de dados genéticos, novas regras para utilização da biotecnologia, uso de técnicas de edição e modificação genômica, biossegurança, entre outros.


Ademais, o novo Marco Global aborda decisões que vão direcionar as negociações de novas agendas, como: a agenda da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), suas Comissões de Recursos Genéticos (CGRFA) e o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura (ITPGRFA). O impacto previsto em 10 anos é o aumento de barreiras para restringir tanto o intercâmbio de germoplasma bem como de informações associadas. Dentro da FAO, o principal destaque é a revisão e consolidação dos Planos de Ação Globais para recursos genéticos animais, vegetais, florestais, aquáticos e, mais recentemente, de toda biodiversidade associada à alimentação e agricultura.

 

 

A agricultura tem um papel fundamental na acessão do Brasil à OCDE, em um ambiente no qual a produção agrícola sustentável representa uma condição basilar nesse processo.

Acessão do Brasil à organização para a cooperação e o desenvolvimento econômico

Desde a década de 1990, o Brasil mantém uma relação de proximidade com a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas solicitou formalmente sua adesão apenas em 2017. Estabelecida em 1961 com a adesão inicial de 20 países, a OCDE possui atualmente 38 membros e tem sua sede em Paris, na França. A preparação para o processo brasileiro de acessão está sendo conduzida pelo Conselho Brasil – OCDE, instituído em outubro de 2019 e formado pela Casa Civil, Secretaria-Geral da Presidência da República, Secretaria de Governo da Presidência da República, e pelos ministérios das Relações Exteriores e da Economia. O Brasil representa um parceiro-chave, e até abril de 2021 já tinha aderido a 99 de um total de 245 instrumentos (Brasil, 2021b). 

Vários instrumentos de adesão referem-se a temas agrícolas, sendo que as orientações da OCDE ocorrem de acordo com princípios e abordagens do desenvolvimento sustentável, relacionando aspectos sociais, ambientais e econômicos em consonância com a Agenda 2030 da ONU (Thorstensen et al., 2019). Assim, a OCDE possui uma série de indicadores que visam medir como a atividade agrícola está sendo executada no que se refere à sustentabilidade, bem como uma estrutura de análise e de implementação quanto às mudanças alcançadas nas políticas adotadas pelos países (Thorstensen; Thomazella, 2020).  

A agricultura tem um papel fundamental na acessão do Brasil à OCDE, em um ambiente no qual a produção agrícola sustentável, sob seus vários aspectos, representa uma condição basilar nesse processo (OECD-FAO..., 2021). A posição relevante que o Brasil ocupa no cenário agrícola global deve ser também acompanhada de sua presença nos diversos foros em que as regras são feitas e as decisões tomadas. O País precisa participar da construção das regras internacionais e dos indicadores que impactarão a produção agrícola mundial, atento aos diversos drivers que se colocam, entre eles as exigências e os novos hábitos dos consumidores, que influenciam crescentemente a produção e retroalimentam o processo de tomada de decisões por parte dos legisladores e formuladores de políticas.