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Abordagem de saúde única na pesquisa

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O conceito de Saúde Única, ou One Health, é uma abordagem ainda recente na ciência e com tendência de consolidação integrando diferentes áreas e equipes para a busca de respostas aos problemas mais relevantes da sociedade e do ambiente, especialmente após a ocorrência da epidemia global do SARS-CoV-2. Trata-se de uma abordagem colaborativa, multissetorial e transdisciplinar ─ nos níveis local, regional, nacional e global ─ com o objetivo de alcançar resultados de saúde ideais, reconhecendo a interconexão entre pessoas, animais, plantas e seu ambiente compartilhado (FAO, 2021). A FAO promove a abordagem de Saúde Única em trabalhos sobre segurança alimentar, agricultura sustentável, resistência antimicrobiana, nutrição, saúde animal e vegetal, pesca e meios de subsistência. Garantir uma abordagem de Saúde Única é essencial ao progresso de antecipar, prevenir, detectar e controlar doenças que se propagam entre animais e humanos, combater a resistência de microrganismos, garantir a segurança alimentar, prevenir ameaças à saúde humana e animal relacionadas ao meio ambiente, bem como combater outros desafios.

O Departamento de Agricultura dos EUA (Usda) também inclui em sua agenda de inovação a abordagem de Saúde Única. Para o Usda, o conceito One Health reconhece que a saúde das pessoas, dos animais e do meio ambiente está ligada. Por décadas, o Animal and Plant Health Inspection Service (Aphis) adota uma abordagem de Saúde Única em seus esforços para erradicar e controlar doenças no gado e na vida selvagem. Por exemplo, ao trabalhar para erradicar a tuberculose no gado ou reduzir a raiva na vida selvagem, leva-se em conta a interação de humanos, animais e o mundo natural que compartilham. Assim, por exemplo, os veterinários, profissionais da vida selvagem, epidemiologistas e outros especialistas estão trabalhando para melhor entender, identificar e controlar doenças preocupantes, incluindo a Covid-19, em uma ampla variedade de animais e definições (United States, 2022). O Programa de Vigilância do Plano de Resgate Americano (ARP) do Aphis tem uma estratégia para realizar uma vigilância completa do SARS-CoV-2 em animais suscetíveis, construindo um sistema para alertar, precocemente, os parceiros de saúde pública a tomar medidas mais cedo a fim de prevenir ou limitar o próximo surto de doença zoonótica ou a próxima pandemia global.

A aplicação da Saúde Única em agricultura também será crítica no que se refere a alcançar a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados. Sistemas alimentares englobam elementos sociais (pessoas) e naturais (ambientais) e suas complexas interações. Assim, no futuro, a fim de garantir a segurança alimentar mundial de todos, desde produtores às cadeias de abastecimento e consumidores, os setores público e privado deverão adotar uma abordagem de Saúde Única para que os alimentos sejam seguros para consumo. Por exemplo, a manutenção dos alimentos de origem animal saudáveis também minimizará o risco de transmissão de patógenos, zoonoses e o surgimento de organismos resistentes a agentes antimicrobianos. Garantir a saúde das plantas e animais evitará o risco de propagação de doenças transfronteiriças que afetam negativamente a subsistência, o comércio e o crescimento econômico de nações do globo. Manter os alimentos seguros será cada vez mais complexo por questões como mudanças climáticas, crescimento populacional e poluição ambiental, que precisarão de soluções amplas e integradas desenvolvidas pela ciência nos sistemas alimentares. Ao mesmo tempo, boas práticas para a produção segura de alimentos precisarão ser integradas com aquelas ao longo da cadeia de abastecimento para melhorar a sustentabilidade, minimizando os danos ambientais e reduzindo a perda e o desperdício de alimentos. Além de aumentar as oportunidades econômicas, ao permitir o acesso ao mercado e a produtividade, a aplicação do conceito de Saúde Única nos sistemas alimentares poderá promover a inocuidade dos alimentos e, garantir benefícios sociais e ambientais. (Centers for Disease Control and Prevention, 2022).

Outro exemplo da importância da aplicação do conceito de Saúde Única na ciência está associado às perdas contínuas de biodiversidade que poderão ter consequências devastadoras para a humanidade e à capacidade de alimentar o mundo. Cerca de três em cada quatro doenças infecciosas emergentes em pessoas se originam de animais domésticos ou selvagens, e há evidências crescentes de que os principais fatores são mudanças na paisagem e perda de biodiversidade. O caso da Covid-19 é emblemático, pois trata-se de uma doença zoonótica que se espalhou de animais para humanos e coloca em risco a saúde humana, a economia global, os meios de subsistência, o bem-estar geral e a segurança em todo o mundo. Este tem sido um típico exemplo em que a ciência que aplica a abordagem de Saúde Única tem buscado nos ambientes naturais compostos bioativos e moléculas de ação antiviral para o tratamento dessa pandemia. Outras pandemias, zoonoses ou doenças que ameaçam a saúde humana, a segurança alimentar e o meio ambiente poderão atingir o globo novamente e a abordagem integrada e transdisciplinar da ciência certamente terá maiores chances de sucesso.

Outro tópico sensível é a crescente emergência climática associada com a diminuição da biodiversidade, em que a ciência precisará empregar uma ousada mudança de paradigma para abordagens transdisciplinares e convergentes. Os fatores climáticos e ambientais deverão ser parte integrante dos modelos e planos econômicos. Será necessário construir parcerias, alianças e coalizões para soluções verdes e de baixo carbono. Isso deverá andar de mãos dadas com oportunidades de emprego, inovação e socioeconômicas para todos. A abordagem de Saúde Única poderá ser aplicada em diferentes estudos, com o uso de algas marinhas e outros aditivos selecionados na dieta de bovinos como um método viável de longo prazo para reduzir a emissão de gás metano entérico pelos animais ruminantes (Roque et al, 2021). Estudos assim, nos quais integram-se as ciências que se ocupam com a questão de mudanças climáticas, com nutrição animal, biodiversidade, bem-estar humano e conservação ambiental, serão cada vez mais importantes para se solucionar desafios de grande complexidade no globo.

Finalmente, é importante considerar prioridades para a abordagem da Saúde Única na ciência de agricultura interconectada com outras ciências para a solução dos mais importantes problemas da sociedade e do meio ambiente no presente e futuro. Um indicativo é citado pela FAO (2021), que estipula as seguintes prioridades:

 

  • Fortalecer os sistemas de monitoramento, vigilância e notificação nos níveis regional, nacional e local para prevenir e detectar a emergência de doenças zoonóticas e animais e controlar a disseminação de doenças.
  • Compreender os fatores de risco, incluindo contextos socioeconômicos e culturais, para propagação de doenças da vida selvagem para animais domésticos e humanos, a fim de prevenir e controlar surtos de doenças.
  • Desenvolver capacidades em nível regional, nacional e local para uma melhor coordenação e compartilhamento de informações entre instituições e partes interessadas.
  • Reforçar a infraestrutura veterinária e fitossanitária e as práticas seguras de produção de alimentos e animais da fazenda à mesa.
  • Aumentar as capacidades dos setores de alimentação e agricultura para combater e minimizar os riscos de resistência a agentes antimicrobianos.
  • Promover a inocuidade dos alimentos em nível nacional e internacional.

Referências:

  • CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION. Saving lives by taking a one health approach: connecting human, animal, and environmental health. [Washington, DC]: National Center for Emerging and Zoonotic Infectious Disease, 2022. Disponível em: https://www.cdc.gov/onehealth/pdfs/OneHealth-FactSheet-FINAL.pdf. Acesso em: 06 abr. 2022.
  • FAO. One health. [Rome, 2021]. Disponível em: https://www.fao.org/one-health/en/. Acesso em: 07 abr. 2022.
  • ROQUE, B. M.; VENEGAS, M.; KINLEY, R. D.; NYS, R. de; DUARTE, T. L.; YANG, X.; KEBREAB, E. Red seaweed (Asparagopsis taxiformis) supplementation reduces enteric methane by over 80 percent in beef steers. PLoS ONE, v. 16, n. 3, p. e0247820, 2021. DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0247820.
  • UNITED STATES. Department of Agriculture. Animal and Plant Health Inspection Service. One health home. [Washington, DC], 2022. Disponível em: https://www.aphis.usda.gov/aphis/ourfocus/onehealth. Acesso em: 05 abr. 2022.