Megatendências / Integração de Conhecimentos e de Tecnologias

Novas oportunidades na agricultura de base biológica

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O setor agrícola é impulsionado pelo rápido crescimento da população e a subsequente necessidade de fornecer alimentos suficientes globalmente. Estima-se que a população mundial se expandirá de 7,5 bilhões para cerca de 9 bilhões em 2050 e a produção agrícola precisará dobrar de modo a prover alimentos suficientes a todos.  Por sua vez, as mudanças climáticas e a intensificação de áreas de infertilidade e de degradação do solo criam dificuldades adicionais.

Atualmente, a agricultura é dependente do uso e aplicação de insumos químicos sintéticos e originários de fontes não renováveis, como os fertilizantes e pesticidas. O uso dessas fontes e dos respectivos produtos agrícolas pode vir acompanhado de sérios riscos econômicos, ambientais, sociais e de saúde para quem os produz, usa e consome. Assim, o desenvolvimento de novas soluções de base biológica para uma agricultura sustentável tem sido uma tendência global. Entende-se por “produtos de base biológica” bens comerciais ou industriais compostos no todo ou em parte significativa de produtos biológicos, materiais florestais ou materiais agrícolas domésticos renováveis, incluindo materiais vegetais, animais ou marinhos. São produtos desenvolvidos a partir de materiais biológicos com o intuito de substituir ou aprimorar produtos derivados de materiais não renováveis (OECD, 2022). Portanto, abrangem produtos químicos de base biológica, os plásticos de base biológica, enzimas, materiais diversos de base biológica ou de origem da natureza, biotêxteis, biofertilizantes e biocombustíveis. 

Indústrias de base biológica têm evoluído rapidamente, impulsionadas pela procura das empresas e dos consumidores por produtos sustentáveis e por estratégias que visam o aumento da eficiência de tecnologias inovadoras, sua expansão para níveis comerciais e menor dependência das fontes não renováveis, com o novo foco na política da economia circular e da descarbonização da agricultura ─ principais iniciativas   pactuadas recentemente pela maioria dos países na COP26.

No momento, muitas bioinovações estão em desenvolvimento, e já demonstram ser soluções promissoras com benefícios sociais, de saúde e ecológicos. Exemplos pioneiros estão no setor dos cuidados de saúde que compreendem terapias biológicas em imuno-oncologia, implantes e sensores biodegradáveis, bem como órgãos bioimpressos. Na indústria têxtil e da moda, bioinovações contribuem com a formulação de materiais e processos sustentáveis ─ por exemplo a seda de aranha, repelentes de água de base biológica ou processos de tingimento e lavagem de base biológica. No setor de TI, o DNA já foi testado com sucesso para armazenamento de dados supereficiente e células foram mescladas com chips para diagnosticar a poluição do ar. Bioinovadores na indústria de alimentos e rações desenvolveram produtos probióticos, novas opções de proteínas veganas, produtos de alto valor a partir do desperdício de alimentos e fluxos de base microbiana, e destinados a combater a obesidade e doenças não transmissíveis para melhor alimentação animal e saúde humana. Na indústria, a biologia sintética e as aplicações da engenharia de microbioma não apenas resultam em biomateriais avançados, substituindo plásticos e aço, mas também inspiram processos de fabricação mais sustentáveis (International Advisory Council on Global Bioeconomy, 2020).

Diante disso, surge a necessidade de desenvolver produtos ou insumos alternativos de base biológica, com origem microbiana e não microbiana (como biofertilizantes, bioestimulantes ou biocontrole), que influenciem positivamente as funções fisiológicas de plantas cultivadas e de animais de criação ─ como o crescimento e rendimento, melhorando a qualidade, a segurança e valor nutricional dos produtos, resistência a doenças e pragas, assim como a resiliência a estresses ambientais. Nesse sentido, será importante o avanço do conhecimento sobre os mecanismos fisiológicos, bioquímicos e moleculares, usando novas ferramentas de biotecnologia e conhecimentos para o desenvolvimento de biorrefinarias subjacentes ao desenvolvimento e melhoria dos produtos de base biológica.

A Agenda Estratégica de Inovação e Pesquisa do Consórcio Europeu de Indústrias de Base biológica até 2030 (SIRA, 2020) afirma que os produtos de base biológica, recicláveis ou degradáveis, permitirão mobilizar uma mudança de comportamento dos cidadãos e eliminar padrões lineares de consumo e a utilização dos produtos agropecuários. Com a circularidade como norteadora, a comercialização transparente de produtos agropecuários levará a cidadãos informados e participativos.  Padrões de compra e consumo circular do século 21 protegerão o meio ambiente, aumentarão a biodiversidade, sustentarão ecossistemas e sistemas alimentares saudáveis, contribuindo significativamente com o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Reconhecendo a amplitude atual e futura dos impactos econômicos, ambientais e sociais dos produtos de base biológica, a OCDE orienta sobre o desenvolvimento e implementação dos quadros nacionais de avaliação da sustentabilidade dos produtos de base biológica e que levem em consideração impactos ambientais, econômicos e sociais ao longo de todo o ciclo de vida dos produtos (OECD, 2022). Nesse documento, a OCDE salienta alguns indicadores internacionais de sustentabilidade para os produtos de base biológica que sejam baseados na ciência, amplamente validados, tais como: (i) balanço energético, incluindo o uso de energia não renovável e renovável; (ii) toda a redução de gases de efeito estufa ao longo dos ciclos de vida do produto; (iii) conteúdo de base biológica como indicador de renovabilidade; (iv) vida útil prevista do produto; (v) uso de água e solventes nas diferentes etapas de produção e impactos na biodiversidade durante a produção da matéria-prima e o processamento subsequente; (vi) uso direto e indireto da terra para produção de matéria-prima; (vii) todos os aspectos do fim da vida útil do produto; (viii) economia de produção convencional em oposição a alternativa de base biológica e (ix) impacto na saúde humana e ambiental. 

Outro desafio na inovação de produtos e insumos de base biológica se refere à educação e ciência. A educação convencional precisará incluir os preceitos da circularidade, sustentabilidade e mais ciência e tecnologia para atender às necessidades de uma biossociedade circular e uma indústria de base biológica altamente digitalizada. A força de trabalho nas indústrias de base biológica precisará ter a oportunidade de atualizar e manter as habilidades e competências adequadas. Haverá necessidade de incluir currículos multidisciplinares e de conhecimentos convergentes a fim de possibilitar um trabalho eficiente e estimular a inovação em equipes. Entre as competências-chave já identificadas nesse segmento de indústrias, citam-se: lidar com uma ampla gama de matérias-primas de base biológica (microrganismos, biomassa de origem vegetal e animal, moléculas da natureza); medir, analisar, integrar e interpretar dados; compreender as diferentes tecnologias de bioprocessamento; compreender a circularidade, sustentabilidade e biodiversidade; identificar oportunidades de negócios e habilidades de comunicação.

Inovações na agricultura e agroindústria de base biológica são esperadas nos próximos anos para atender às demandas populacionais por alimentos seguros enquanto o ambiente é conservado. A expansão e oferta de bioinsumos e bioprodutos deverão aumentar a demanda por matéria-prima para fabricar produtos de base biológica e promover desenvolvimento econômico nas áreas rurais, criando mercados para produtos agrícolas. Essas tecnologias exigirão uma integração e convergência de conhecimentos de diferentes áreas e competências, por meio de parcerias com universidades, faculdades, laboratórios e setor privado de modo a produzir produtos de alto valor. Além disso, será preciso criar novos modelos de cadeia de suprimentos envolvendo o fornecimento de matéria-prima nas fazendas e o uso de bioprodutos e bioinsumos e desenvolver modelagem técnica e econômica que caracterize e quantifique custos e benefícios e caminhos de mercado para os produtos. Por fim, será essencial identificar e comunicar casos de sucesso de pesquisa e inovação, destacando o desenvolvimento dos produtos de base biológica e seus benefícios econômicos, ambientais, sociais e de saúde, conectando-os com programas de rotulagem e identificação de origem e processamento (USDA, 2021). No próximo século, o resultado de colaborações inovadoras entre cientistas das áreas da agricultura e da biologia e engenheiros de processos no desenvolvimento de bioprodutos e bioinsumos provavelmente afetará o progresso agrícola e industrial tanto quanto  as descobertas anteriores nas áreas de ciências físicas e químicas.

 

Referências

  • GBS2020_IACGB-Communique[1].pdf SIRA. Bio based industries Consortium. The Strategic Innovation and Research Agenda (SIRA 2030) for a Circular Bio-based Europe:  Realising a future-fit circular bio-society in Europe. Disponível em: <https://biconsortium.eu/file/2089/download?token=bUDC-6x6> Acesso em 13 abr. 2022.
  • International Advidory Council on Global Bioeconomy. Global Bioeconomy Summit 2020. Nov. 2020. Expanding the Sustainable Bioeconomy – Vision and Way Forward. Communiqué of the Global Bioeconomy Summit 2020. Disponível em: <https://gbs2020.net/wp-content/uploads/2020/11/GBS2020_IACGB-Communique.pdf> Acesso em: 14 abr. 2020.
  • OECD. Recommendation of the Council on Assessing the Sustainability of Bio-Based Products, OECD/LEGAL/0395. 2022. Disponível em: <https://legalinstruments.oecd.org/public/doc/283/283.en.pdf>  Acesso em: 22 abr. 2022.
  • Lange L., Connor, K. O., Arason, S., Bundgård-Jørgensen, U., Canalis, A., Carrez, D., Gallagher, J., Gøtke, N., Huyghe, C., Jarry, B., Llorente, P., Marinova, M., Martins, L. O., Mengal, P, Paiano, P., Panoutsou, C., , Rodrigues, L., Stengel, D. B., van der Meer, Y. e Vieira, H. Developing a Sustainable and Circular Bio-Based Economy in EU: By Partnering Across Sectors, Upscaling and Using New Knowledge Faster, and For the Benefit of Climate, Environment & Biodiversity, and People & Business. Frontiers in Bioengineering and Biotechnology, Vol. 08, 2021. Disponível em: <www.https://www.frontiersin.org/article/10.3389/fbioe.2020.619066> Acesso em: 22 abr. 2022. DOI: 10.3389/fbioe.2020.619066.