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Mudanças demográficas da população rural brasileira têm sido influenciadas pelas variáveis fecundidade e migração. Ao mesmo tempo, há forte relação entre migração e urbanização. As tendências em relação a essas variáveis têm impactado a população rural e, por conseguinte, a disponibilidade de mão de obra e a população ocupada na agricultura, com consequências para a produção agropecuária e para o setor como um todo. 

A taxa de fecundidade total (TFT) no Brasil passou de 2,35 filhos por mulher, em 2001, para 1,83 filho por mulher, em 2015, valor abaixo da taxa de reposição populacional. No caso das comparações entre situação de domicílio rural e urbano, embora a taxa de fecundidade rural (2,45 filhos por mulher) ainda seja maior do que a urbana (1,75 filho por mulher), há queda mais acentuada nos domicílios rurais do que nos urbanos com redução de 27% e 20%, respectivamente, durante o período de 2001 a 2015 (Nações Unidas, 2018). 

Ainda em relação às características demográficas da população rural brasileira, desde a década de 1990, os demógrafos começam a destacar o processo de masculinização e, posteriormente, de envelhecimento da população rural, tendências verificadas em países como a França (Camarano; Abramovay, 1999). Comparando os dois últimos censos agropecuários, em 2006, a população masculina ocupada nos estabelecimentos agropecuários era 2,3 vezes maior do que a feminina, e, em 2017, esse número aumentou para 2,4 vezes (Maia, 2020). Quando se analisa a idade da população ocupada na agricultura, em 2017, 46,6% tinha idade acima de 55 anos. Dentre eles, 82% eram homens e 18% eram mulheres (Figura 3) (IBGE, 2017b).

 

 

 

As migrações têm contribuído para o esvaziamento do campo. Desde a década de 1980 há um declínio da população rural, enquanto a população urbana tem aumentado (Figura 4). Ainda há êxodo rural, sobretudo devido aos atrativos das áreas urbanas e às dificuldades que os pequenos produtores, que são intensivos em mão de obra, têm para competir dentro do setor agropecuário brasileiro (Maia, 2020).

Os processos migratórios tiveram como propulsores a maior necessidade de capital, educação e gestão e adoção de tecnologias no setor agropecuário. Relativamente poucos produtores participam de volumes enormes de produção, marginalizando grande contingente de agricultores do processo. E um dos resultados é a tendência mais disseminada de um processo de esvaziamento do campo. Migrar deixou de ser uma aventura de consequências imprevisíveis, ou um salto no escuro, mas um cálculo econômico, ainda que rudimentar, comparando as duas situações – ficar ou migrar. Fatores de expulsão, como secas prolongadas no Nordeste rural, por exemplo, foram mitigados fortemente em função da política de transferência de renda (Bolsa Família), ou os resultados da regulamentação da Constituição de 1988, que estendeu benefícios previdenciários para os trabalhadores rurais, em especial as aposentadorias rurais. O maior efeito do esvaziamento do campo, em consequência, não é mais o inchamento urbano, mas a redução da oferta de trabalho rural nas regiões produtivas (Navarro; Pedroso, 2019). 

Outra faceta a ser considerada é a extrema precariedade da vida no campo, quando comparada com a vida nas cidades. O acesso aos serviços de saúde é quase inexistente para a vasta maioria das famílias rurais de renda baixa, as estradas ainda são um sério problema, particularmente na estação chuvosa, e o exercício da profissão de agricultor, em um setor que se moderniza rapidamente, exige assistência técnica – insuficiente e esparsa –, não garantindo à vasta maioria dessas famílias a intensificação tecnológica que possa qualificá-los para inserções mercantis de maior sucesso. 

Esses aspectos, em síntese, sugerem existir uma transição no Brasil rural do passado para um novo rural. Este seria mais esvaziado, em termos populacionais, pois o fator trabalho tornou-se mais caro e muito mais especializado (forçando a mecanização mais intensa), e a proporção de famílias rurais pobres ou indigentes é bem menor – ou porque mudaram para as cidades ou porque são beneficiários de políticas de transferência de renda (Navarro, 2020). 

A análise dos dados do último censo agropecuário do IBGE (2017a) comprova a tendência descrita acima nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste. Entre 2006 e 2017, a população ocupada no Nordeste reduziu em 17%, e, na região Sul, essa redução foi de 20% (Figura 4). Todavia, a população ocupada aumentou 18%, no Centro-Oeste, e 21%, na região Norte, na nova fronteira de crescimento agrícola em que a agricultura é mais tecnificada (Maia, 2020). Esses últimos dados confirmam o deslocamento da produção agropecuária para a região Centro-Oeste e parte da região Norte.

 

Figura 4. População ocupada por região em 2006 e 2017.
Fonte: IBGE (2006a, 2006b, 2017c).

 

 Apesar das mudanças demográficas na área rural, a produção agrícola brasileira continua ascendente porque parte do setor adotou novas tecnologias. A expectativa futura é de continuação do aumento da produtividade da mão de obra, terra e capital se refletindo em incremento de produção (Brasil, 2021). Permanecem os desafios de adoção de tecnologia pelos pequenos produtores, o que possibilita sua permanência na atividade agropecuária no longo prazo e permite que alcancem a segurança alimentar e nutricional; e de que sejam fornecidas melhores condições de educação, saúde e infraestrutura no meio rural, elementos fundamentais para o desenvolvimento presente e futuro. 

 

Referências

  • BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Projeções do Agronegócio: Brasil 2020/21 a 2030/31: projeções de longo prazo. Brasília, DF, 2021. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/politica-agricola/todas-publicacoes-de-politica-agricola/projecoes-do-agronegocio. Acesso em: 27 set. 2021.

  • CAMARANO, A. A.; ABRAMOVAY, R. Êxodo rural, envelhecimento e masculinização no Brasil: panorama dos últimos 50 anos. Rio de Janeiro: Ipea, 1999. (IPEA. Texto para Discussão, 621).

  • IBGE. Censo agropecuário 2017: retratando a realidade do Brasil agrário. Rio de Janeiro, 2017a. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/d37d30efd337a9b66852d60148695df1.pdf. Acesso em: 27 set. 2021.

  • IBGE. Censo agropecuário: Tabela 6755: número de estabelecimentos agropecuários dirigidos pelo produtor, por tipologia, sexo do produtor, escolaridade do produtor, conclusão do curso que frequentou, cor ou raça do produtor e classe de idade do produtor. Rio de Janeiro, 2017b. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6755. Acesso em: 20 ago. 2021.

  • IBGE. Censo Agropecuário: Tabela 6887: Número de estabelecimentos agropecuários com pessoal ocupado e Pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários, por tipologia, tipo de pessoal ocupado e grupos e classes de atividade. 2017c. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/6887. Acesso em: 20 ago. 2021.

  • IBGE. Censo agropecuário: Tabela 806: pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários em 31/12, total e de 14 anos e mais, com laço de parentesco com o produtor por sexo, grupos e classe de atividade econômica e grupos de área total. Rio de Janeiro, 2006a. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/806. Acesso em: 20 ago 2021.

  • IBGE. Censo agropecuário: Tabela 811: pessoal ocupado em estabelecimentos agropecuários em 31/12, total e de 14 anos e mais, sem laço de parentesco com o produtor por principais aspectos em relação ao pessoal ocupado, condição do produtor em relação às terras, grupos de pessoal ocupado, grupos de atividade econômica e grupos de área total. Rio de Janeiro, 2006b. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/811. Acesso em: 20 ago 2021.

  • IBGE. Censo Demográfico: séries históricas. 2022a. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/25089-censo-1991-6.html?=&t=series-historicas. Acesso em: 3 mar. 2022.

  • IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. 2022b. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/index.html?utm_source=portal&utm_mediu=popclock&utm_campaign=novo_popclock. Acesso em: 3 mar. 2022.

  • MAIA, A. G. Mudanças demográficas no rural brasileiro de 2006-2017. In: VIEIRA FILHO, J. E. R.; GASQUES, J. G. (org.). Uma jornada pelos contrastes do Brasil: cem anos de Censo Agropecuário. Brasília, DF: Ipea, 2020. 410 p.

  • NAÇÕES UNIDAS. Fundo de População das Nações Unidas. Relatório fecundidade e dinâmica da população brasileira. Brasília, DF: UNFPA, 2018. 44 p. Disponível em: https://brazil.unfpa.org/sites/default/files/pub-pdf/swop_brasil_web.pdf. Acesso em: 20 ago.  2021.

  • NAVARRO, Z. Ensaio introdutório: o Brasil rural de ponta-cabeça. In: NAVARRO, Z. (org.). A economia agropecuária do Brasil: a grande transformação. São Paulo: Baraúna, 2020. p. 9-41.

  • NAVARRO, Z.; PEDROSO, M. T. M. Rural Brazil: the demise of its agrarian past, 1968-2018. In: BUAINAIN, A. M.; LANNA, R.; NAVARRO, Z. (org.). Agricultural Development in Brazil: The Rise of a Global Agro-Food Power”. Londres: Routdlege, 2019. p. 30-45.