Megatendências / Intensificação Tecnológica e Concentração da Produção

Mudanças da produção agrícola: uma análise dos biomas brasileiros

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Diferenças no desenvolvimento sugerem que o progresso da agricultura brasileira foi distinto nos biomas brasileiros. Enquanto os biomas Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Pampa fizeram parte do processo de desenvolvimento, os biomas Amazônia e Pantanal ficaram à margem. A agricultura brasileira carece de análises que levem em conta a interação histórica dos recortes político e geográfico, com os pressupostos do capitalismo natural1Diz respeito a um sistema político econômico em que se defende que os interesses dos negócios e do meio ambiente são coincidentes, e empresas podem melhorar resultados ao mesmo tempo que apoiam a solução de problemas ambientais (Hawken et al., 1999)., cuja melhor expressão são os biomas.

O bioma Amazônia é um exemplo atual do debate sobre desenvolvimento sustentável baseado no capitalismo natural que, apesar do grande potencial em recursos naturais, ainda não gerou suficiente bem-estar à população local. Não obstante, o bioma apresenta algumas ilhas de prosperidade que não deixam dúvidas sobre o potencial do espaço rural para geração de riqueza e bem-estar. Essas ilhas sugerem que não é suficiente simplesmente transferir e adaptar tecnologias geradas em outras regiões agrícolas, mas produzir conhecimento e desenvolver tecnologia local. É preciso acelerar a incorporação tecnológica visando a maiores ganhos de produtividade, adotando como estratégia um projeto integrado de desenvolvimento sustentável. 

Esse desenvolvimento sustentável deve prever a recuperação e preservação das características básicas dos biomas, uso mais eficiente e sustentável dos recursos naturais e serviços ambientais e ecossistêmicos, todos tendo a inovação como instituição principal no aperfeiçoamento ou elaboração das políticas públicas, que deve ser a tônica no desenvolvimento sustentável dos biomas brasileiros.

Em 2019, a ONU declarou a década de 2021 a 2030 como a Década da Restauração de Ecossistemas (Nações Unidas, 2019). Com liderança do Programa da ONU para o Meio Ambiente (PNUMA) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a iniciativa pretende inspirar e apoiar governos, organizações multilaterais, sociedade civil e empresas do setor privado para colaborar, desenvolver e catalisar iniciativas de restauração de ecossistemas em todo o mundo, considerando que a restauração de ecossistemas degradados é uma medida comprovada de mitigar os efeitos das mudanças climáticas, melhorar a segurança alimentar, manter o fornecimento de água e conservar a biodiversidade (Zandonai, 2021).

O bioma Mata Atlântica, por sua vez, apresenta uma agricultura madura, exportadora de tecnologias e com forte impacto econômico, social e ambiental, inclusive pela concentração do setor de serviços ligados à agricultura. A agricultura da Mata Atlântica não deve ser analisada simplesmente do ponto de vista rural, mas deve-se considerar a movimentação do meio rural, nas dimensões econômica, social e ambiental, para o meio urbano. As prioridades do capitalismo natural relacionadas ao setor agrícola na Mata Atlântica são: 1) recuperação e preservação das características básicas do bioma e suas relações com a vida urbana; 2) intensificação produtiva; e 3) transbordamentos socioeconômicos da produção agrícola.

Já a Caatinga vivenciou muitas transformações políticas, econômicas e ambientais, que promoveram algum desenvolvimento, dando origem a questões críticas como a migração que, agravada pela urbanização precária, levou ao aumento da violência e da disputa hídrica. O problema da Caatinga não se restringe à falta de chuva, mas também é fruto de múltiplas restrições, tais como a inadequação do solo e a estrutura agrária. Assim, a solução não passa apenas pela intensificação da produção nas áreas irrigadas. Será necessário amplificar a agricultura multifuncional (turismo, agroecologia, produção orgânica, etc.), que pode contribuir para o aumento da renda dos agricultores.

Não há dúvidas de que o setor agrícola foi o grande vetor de transformação do Cerrado nas últimas quatro décadas e, atualmente, esta é a região mais importante para o desempenho agrícola do País. A despeito da dinâmica agrícola exitosa, a agricultura no Cerrado apresenta importante passivo ambiental, em especial quanto à questão hídrica, com consequências para o Pantanal. Ademais, a intensificação produtiva tem implicações ambientais relevantes, a exemplo do uso acentuado de agroquímicos, que se traduzem, não apenas em custos crescentes de produção, como também no aumento em custos ambientais e sociais e, para muitos segmentos envolvidos, inaceitáveis.

No Pampa, em razão da fragilidade do bioma e das limitações para a agricultura, desde o período colonial, a pecuária extensiva mantém-se como a principal atividade. Apesar disso, recentemente ocorreram importantes mudanças no uso das terras. A pecuária e o rápido avanço das monoculturas têm causado danos à biodiversidade e comprometido o desenvolvimento sustentável do bioma. Os sistemas integrados poderão ser uma alternativa, mas necessitam de maior aporte de conhecimento, em especial na gestão dos sistemas decorrentes da diversificação produtiva que ocorre no bioma.

No Pantanal, a questão crítica é a degradação ambiental, que afeta negativamente a dimensão econômica e, consequentemente, a social. Dentre os problemas ambientais, estão o desequilíbrio ecológico provocado pela pecuária bovina descontrolada, o desmatamento, a pesca e a caça predatórias, o garimpo irregular e o turismo descontrolado e, mais recentemente, a produção agrícola (grãos e cana-de-açúcar) intensiva na fronteira do bioma com o Cerrado. Não obstante a degradação ambiental interna, o Pantanal ainda sofre com a degradação ambiental do Cerrado, grande responsável pelos ciclos das águas. A solução para o bioma passa pela multifuncionalidade do espaço rural, o que deve incluir o desenvolvimento de sistemas madeireiros e de atividades como a apicultura, a aquicultura, a criação de animais e o turismo.

Cada bioma apresenta questões críticas que, apesar de peculiares, evidenciam interdependência entre as dimensões social, ambiental e econômica. O impacto causado em uma das dimensões repercute de alguma maneira em outra, indicando que ações fragmentadas não serão eficazes na formulação da estratégia e na implementação de programas, políticas e iniciativas, visando ao desenvolvimento sustentável da agricultura brasileira. Recuperação e preservação das características básicas dos biomas, uso mais eficiente e sustentável dos recursos naturais e serviços ambientais e ecossistêmicos, todos tendo a inovação como instituição principal no aperfeiçoamento das políticas públicas, devem ser a tônica no desenvolvimento sustentável dos biomas brasileiros.

Nota: O texto tem por base Buaianain et al. (2020) e Hargroves e Smith (2006).

Referências

  • BUAINAIN, A. M.; FAVARETO, A.; CONTINI, E.; CHAVES, F. T.; HENZ, G. P.; GARCIA, J. R.; DAMIANI, O.; VIEIRA JUNIOR, P. A.; GRUNDLING, R. D. P.; NOGUEIRA, V. G. de C. Desafios para a agricultura nos biomas brasileiros. Brasília, DF: Embrapa, 2020. 69 p.

  • HARGROVES, K.; SMITH, M. H. The natural advantage of nations: Business opportunities, innovations and governance in the 21st century. London: Routledge, 2006. 576 p.

  • HAWKEN, P.; LOVINS, A. B.; LOVINS, L. L. H. Capitalismo natural: criando a próxima revolução industrial. São Paulo: Cultriz, 1999. 

  • NAÇÕES UNIDAS. United Nations Decade on Ecosystem Restoration (2021–2030): Resolution 73/284. [New York], 6 Mar. 2019. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/record/3794317. Acesso em: 20 out. 2021.

  • ZANDONAI, R. Começa a década da ONU da restauração de ecossistemas. Nações Unidas Brasil, 7 jun. 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/130341-comeca-decada-da-onu-da-restauracao-de-ecossistemas. Acesso em: 20 out. 2021.