Megatendências / Sustentabilidade

Redução de perdas e desperdício de alimentos

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Necessidade já identificada como premente há muito tempo, reduzir perdas e desperdício de alimentos (PDA), ao longo de toda cadeia produtiva, tornou-se ainda mais fundamental durante a pandemia da Covid-19. A piora dos índices de insegurança alimentar globais, com 118 milhões de pessoas a mais enfrentando a fome em comparação com os dados de 2019 e 2020 (FAO, 2021); as dificuldades de acesso aos mercados por parte de pequenos produtores rurais por causa de rupturas nas cadeias de abastecimento (Narcizo, 2020); e as pressões sociais por uma produção de alimentos menos demandante de recursos naturais escassos e mais alinhada a princípios de economia circular (Kneafsey, 2019; Practitioners…, 2021) dão força à visão de que o mundo deve priorizar a expansão da oferta de alimentos por meio da redução das perdas e do desperdício do campo à mesa.

Tal tendência implica a transição do paradigma produtivista, no qual sobressai a narrativa de que o mundo deve focar no aumento da produção de alimentos para fazer frente ao crescimento populacional projetado para as próximas décadas, para um modelo mais alinhado ao desenvolvimento sustentável da produção de alimentos, trazendo para o centro do debate a visão sistêmica e as oportunidades de aproximar mais os sistemas produtivos de alimentos da economia circular. Nesse contexto, as Nações Unidas elencaram perdas e desperdício de alimentos como um dos temas prioritários a serem trabalhados em coalizões globais entre os estados-membros, cidades e empresas nos próximos 10 anos para acelerar o alcance das metas da Agenda 2030 (ONU, 2021).

O prognóstico para os próximos 10 anos é de que mais países e empresas estejam envolvidos com levantamentos quantitativos sobre perdas e desperdício de alimentos e com o delineamento de planos de ação para mitigação do problema ─ com especial atenção para o engajamento das cidades, onde ocorrem 79% do consumo global de alimentos e onde há oportunidades de unir atores diversos em torno de soluções de economia circular (Practitioners…, 2021).

O setor empresarial nacional tem buscado pressionar os governos para adequar os sistemas produtivos de alimentos aos anseios sociais por circuitos curtos de produção e consumo, maior oferta de produtos saudáveis e ações de combate à fome, alinhadas com a necessidade de redução de perdas e desperdício de alimentos (Guia..., 2021). Além da mitigação das PDA terem sido destacadas como ação prioritária para a transformação dos sistemas alimentares brasileiros por grandes empresas de diferentes setores do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) (CEBDS, 2021), a Associação Brasileira de Supermercados (2021) enfatiza que políticas públicas alimentares são necessárias para fortalecer a segurança alimentar e nutricional e podem estar vinculadas a programas de redistribuição dos alimentos excedentes no varejo. O setor produtivo também planeja, nos próximos 5 anos, discutir novas regulamentações sobre os prazos de validade de alimentos e o papel do varejo na educação dos consumidores para fortalecimento do consumo sustentável (Associação Brasileira de Supermercados, 2021b).

Outros sinais das mudanças no varejo de alimentos, alinhados à transformação do comportamento dos consumidores e ainda conectados com a necessidade de redução das PDA, são o fortalecimento de formatos varejistas mais compactos com foco na comercialização de frutas e hortaliças. 

Os novos mercados de vizinhança têm mais fluxo de mercadorias, gestão do estoque informatizada, além de registrarem crescimento de receita acima de 20% ao ano, como é o caso da rede Oba Hortifrúti, que alcançou 1,9 bilhão de reais de receita bruta em 2020, o maior patamar desde a fundação em 1979, e lucro líquido nos três primeiros trimestres de 2020, com crescimento de 66,8% com relação ao mesmo período de 2019 (Wiltjen, 2020). 

Políticas públicas de alimentação urbana, que favoreçam a conexão do varejo com redes de bancos de alimentos e restaurantes populares, e ainda incentivem circuitos curtos de produção e consumo com valorização dos pequenos agricultores em cinturões verdes próximos às áreas urbanas, devem ser priorizadas (Porpino, 2021). Atualmente, aproximadamente 47% dos supermercados brasileiros não participam de programas de doação de alimentos (Associação Brasileira de Supermercados, 2021), mesmo tendo sido aprovada uma lei em 2020 que retira a responsabilidade civil do doador (Brasil, 2020).

Sistemas agroalimentares regionais e localizados no entorno das grandes cidades foram fortalecidos não apenas pela pandemia, mas também pelo aumento do perfil de público que valoriza os alimentos seguros, rastreáveis e produzidos por meio de processos sustentáveis, bem como o acesso a alimentos frescos. Nesse sentido, a produção em áreas periurbanas, próximas a áreas de maior densidade populacional, podem viabilizar trabalho e renda aos agricultores.

Referências

  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS. 21ª avaliação de perdas no varejo brasileiro de supermercados. São Paulo SP: Departamento de Economia e Pesquisa da Associação Brasileira de Supermercados, 2021a. Disponível em: https://static.abras.com.br/pdf/perdas2021.pdf. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SUPERMERCADOS. 1º Fórum da Cadeia Nacional de Abastecimento. São Paulo: Associação Brasileira de Supermercados. 2021b. Disponível em: https://esg.abras.com.br/. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • BRASIL. Lei nº 14.016, de 23 de junho de 2020. Dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano. Diário Oficial da União, p. 2. Texto integral. 18 set. 2020.
  • GUIA do CEO para transformação dos sistemas alimentares no Brasil. Rio de Janeiro: CEBDS, 2021. Disponível em: https://cebds.org/publicacoes/guia-do-ceo-para-a-transformacao-dos-sistemas-alimentares-no-brasil. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • FAO. State of food security and nutrition in the world 2021. Roma, 2021. Disponível em: http://www.fao.org/publications/sofi/2021/en/. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • PRACTITIONERS Handbook: Circular Food Systems. Bonn: ICLEI, 2021. Disponível em: circulars.iclei.org. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • KNEAFSEY, M. Consumer Involvement in Food Production: Demand as a Driver of Sustainable and Competitive Food Systems. Reino Unido: Coventry University, 2019. Disponível em: http://ec.europa.eu/newsroom/horizon2020/document.cfm?action=display&doc_id=13684. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • NARCIZO, B. Produtor rural destrói toneladas de alimentos no cinturão verde de São Paulo. Folha de São Paulo, São Paulo, 18 abr. 2020. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2020/04/produtor-rural-destroi-toneladas-de-alimentos-no-cinturao-verde-de-sao-paulo.shtml. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • ONU. Pre-Summit Has Been Talking about Investing in Food Systems, not Charity. Roma: Pré-Cúpula dos Sistemas Alimentares das Nações Unidas, 2021. Disponível em: https://www.un.org/press/en/2021/dsgsm1616.doc.htm. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • PORPINO, G. Sistemas alimentares circulares. Santo Antônio de Goiás: Embrapa Arroz e Feijão, 2021. (Série Palestras Técnicas). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=pk4d8QEDYoE. Acesso em: 31 ago. 2021.
  • WILTJEN, J. Grupo Fartura, dono do Oba Hortifruti, protocola pedido de IPO. Seu Dinheiro, 20 out. 2020. Disponível em: https://www.seudinheiro.com/2020/empresas/grupo-fartura-dono-do-oba-hortifruti-protocola-pedido-de-ipo/. Acesso em: 31 ago. 2021.