Megatendências / Transformações Rápidas no Consumo e na Agregação de Valor

Desafios crescentes de segurança alimentar, obesidade e desnutrição

Download

O mundo vem enfrentando uma crise de segurança alimentar e nutricional, acentuada pela pandemia de Covid-19, e caracterizada pelo aumento da fome (FAO, 2021), a predominância de dietas de baixa qualidade, aumento do sobrepeso, da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis relacionadas à nutrição (Embrapa, 2018). As causas para essa situação são complexas e multifatoriais, e esse aspecto se constitui em um dos maiores desafios da sociedade. 

A demanda global projetada para as próximas décadas segue em consonância com o crescimento da população que atingirá 9,5 bilhões em 2050. Além dos aspectos demográficos, a expectativa de renda também impacta a demanda e o consumo de alimentos. Contudo, em razão da pandemia de Covid- 2019, as perspectivas de crescimento econômico estão envoltas em grande incerteza.

Estima-se que o aumento na demanda calórica crescerá em torno de 50% até 2050, principalmente para produtos de origem animal (laticínios, carne, peixe), bem como para óleos vegetais (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2020). Haverá também aumento no consumo de alimentos ultraprocessados e ricos em gordura e açúcar, o que está relacionado com o aumento de casos de obesidade e contrasta com efeitos de subnutrição por falta de vitaminas, minerais e outros nutrientes essenciais (Global Panel on Agriculture and Food Systems for Nutrition, 2020; Mendes et al., 2021). 

O crescimento da obesidade é reflexo, dentre outros fatores, de dietas energeticamente densas e com baixo consumo de frutas e hortaliças, comuns às populações de baixa renda (Darmon; & Drewnowski, 2008; French et al., 2019). Isso ocorre por causa do preço mais baixo de alimentos com alto teor energético em comparação com alimentos ricos em micronutrientes, como, por exemplo, frutas e hortaliças (Darmon; Drewnowski, 2015). 

Nesse sentido, a qualidade da dieta global desafiará as políticas públicas voltadas à transformação dos sistemas agroalimentares, tanto do ponto de vista nutricional quanto ambiental.

Especificamente no Brasil, a dieta teve aumento da participação de alimentos processados e substituição das refeições tradicionais – em geral mais saudáveis – por alimentos altamente energéticos, ricos em gorduras e açúcares adicionados. O consumo per capita de frutas e hortaliças baixo (69,1 gramas por dia para homens e 92,6 gramas por dia para mulheres) e a pouca variedade alimentar ilustram a qualidade da dieta brasileira e alertam para importantes questões de saúde (Carnauba et al., 2021), por isso demandam novas estratégias e políticas públicas para atender as classes mais pobres.

Durante a pandemia, foram observadas múltiplas mudanças com impacto na população brasileira, entre eles, a piora nos indicadores de saúde e nutrição e aumento da desigualdade alimentar, redução do acesso aos alimentos e baixa qualidade da dieta (Mendes et al., 2021). De acordo com Martinelli et al. (2020) e Mendes et al. (2021), a pandemia de Covid-19 reduziu o acesso dos indivíduos a alimentos saudáveis e contribuiu com o aumento das desigualdades sociais e alimentares, bem como com a disparidade dos comportamentos relacionados à saúde. Esse cenário tem influenciado consideravelmente o estado nutricional da população, assim como da fome e da insegurança alimentar no Brasil, o que segue uma tendência de comportamento mundial (Moura et al., 2021). 

A redução da pobreza, portanto, não é suficiente para assegurar dietas de alta qualidade e nutrição adequada. Investimentos devem ser feitos em agricultura (alimentos ricos em nutrientes, disponíveis e acessíveis), saúde (redução de ambientes insalubres, acesso à água potável), educação e informação, que permitam escolhas mais saudáveis e seguridade social para melhor nutrição da população. Esse padrão de má alimentação tem levado a uma transição de cenários de fome para obesidade, com as consequentes implicações à saúde, como o incremento de doenças crônicas, persistindo, nas duas situações, a desnutrição. Entre os diferentes caminhos pelos quais a agricultura pode contribuir para mitigar problemas da transição nutricional estão os programas de biofortificação, os quais possibilitam agregar valor nutricional aos alimentos comuns nas dietas das populações (umas das doenças que essa estratégia tem o poder de auxiliar é anemia ferropriva, principal deficiência de micronutrientes de alimentos) (Samary et al., 2021). 

Referências

  • CARNAUBA, R.; HASSIMOTTO, N.; LAJOLO, F. Estimated dietary polyphenol intake and major food sources of the Brazilian population. British Journal of Nutrition, v. 126, n. 3, p. 441-448, 2021. DOI 10.1017/S0007114520004237. 
  • DARMON, N.; DREWNOWSKI, A. Contribution of food prices and diet cost to socioeconomic disparities in diet quality and health: a systematic review and analysis. Nutrition Reviews, v. 73, n. 10, p. 643-660, Oct. 2015. DOI: 10.1093/nutrit/nuv027. 
  • DARMON, N.; DREWNOWSKI, A. Does social class predict diet quality. The American Journal of Clinical Nutrition, v. 87, n. 5, p. 1107-1117, May 2008. DOI: 10.1093/ajcn/87.5.1107. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/18469226/. Acesso em: 21 set. 2021.
  • DREWNOWSKI, A.; REHM, C. D. Socioeconomic gradient in consumption of whole fruit and 100 %fruit juice among US children and adults. Nutrition Journal, v. 14, n. 3, Jan. 2015. DOI: 10.1186/1475-2891-14-3. 
  • EMBRAPA. Visão 2030: o futuro da agricultura brasileira. Brasília, DF: Embrapa, 2018. Disponível em: https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira. Acesso em: 28 mar. 2022.
  • FAO. The State of Food Security and Nutrition in the World. 2021. Disponível em: https://data.unicef.org/resources/sofi-2021/ Acesso em: 2 fev. 2022
  • FRENCH, S. A.; TANGNEY, C. C.; CRANE, M. M. Nutrition quality of food purchases varies by household income: the SHoPPER study. BMC Public Health 19, Article number 231, 2019. Disponível em: https://bmcpublichealth.biomedcentral.com/articles/10.1186/s12889-019-6546-2. Acesso em: 21 set. 2021.
  • GLOBAL PANEL ON AGRICULTURE AND FOOD SYSTEMS FOR NUTRITION. Future Food Systems: for people, our planet, and prosperity. Sept. 2020. Disponível em: https://www.glopan.org/wp-content/uploads/2020/09/Foresight-2.0_Executive-summary_Future-Food-Systems_For-people-our-planet-and-prosperity.pdf. Acesso em: 19 Sept. 2021.
  • MARTINELLI, S. S.; CAVALLI, S. B.; FABRI, R. K.; VEIROS, M. B.; REIS, A. B. C; AMPARO-SANTOS, L. strategies for the promotion of healthy adequate and sustainable food in Brazil in times of Covid-19. Revista de Nutrição, v. 33,  2020. https://doi.org/10.1590/1678-9865202032e200181.
  • MENDES, L.; CANELLA, D.; ARAÚJO, M.; JARDIM, M.; CARDOSO, L.; PESSOA, M. Food environments and the COVID-19 pandemic in Brazil: Analysis of changes observed in 2020. Public Health Nutrition, p. 1-4. 2021. DOI 10.1017/S1368980021003542.
  • MOURA, L. A.; FERREIRA, A. M. S.; ALVES, I. M. M. Implications of the COVID-19 pandemic on the aggravation of food insecurity in Brazil.  Research, Society and Development, v. 10, n. 12, e30101220150, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v10i12.20150.
  • SAMARY, F. T.; PINTOS, M. S. V.; GOTTSCHALK, L. M. F.; TAKEITI, C. Y.; MATTA, V. M.; BIZZO, H. R.; MONTEIRO, R. P. Visões para o futuro do agro brasileiro. Brasília, DF: Embrapa, 2021. 8 p. Nota técnica. Documento de circulação interna.