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Produção de microrganismos para uso próprio na agricultura (on-farm)

A demanda por insumos biológicos, ou bioinsumos, tem crescido no Brasil seguindo uma tendência mundial. Nos últimos anos, observou-se constante ingresso de novos produtos nacionais e importados no mercado brasileiro, além do surgimento de novas empresas de pequeno e médio porte, de capital nacional, até grandes multinacionais. Essa expansão do mercado de biológicos no Brasil também vem sendo estimulada pela implementação do Programa Nacional de Bioinsumos e pela priorização do tema dentro de organizações como a Embrapa, universidades, outras instituições de pesquisa brasileiras e na iniciativa privada. De acordo com estimativas da CropLife Brasil, apenas o mercado de biodefensivos movimentou cerca de R$ 1,2 bilhão no país em 2020. Somente com a cultura da soja, estima-se uma economia anual que supera US$ 15 bilhões pelo uso da fixação biológica de nitrogênio (FBN).

Recentemente, observa-se aumento do interesse pela produção de insumos biológicos nas propriedades agrícolas para uso próprio, também conhecida como produção on-farm. Essa produção se dá a partir da replicação de produtos comerciais adquiridos no mercado ou por meio de pré-inóculos preparados e vendidos por empresas especializadas, que também podem comercializar a infraestrutura empregada nesse tipo de produção. Constatações de pesquisadores e técnicos que atuam em regiões agrícolas indicam que a prática é intensa em propriedades produtoras de grãos da região Centro-Oeste e em Minas Gerais. No Sul, essa prática é de maior frequência no Paraná, expandindo-se mais recentemente para Santa Catarina e Rio Grande do Sul. No Nordeste, destaca-se o avanço em pomares de frutas da região de Petrolina/Juazeiro, chegando fortemente à região chamada Matopiba, que envolve também o estado do Tocantins.

Em algumas propriedades que investem em infraestrutura e pessoal especializado, são relatados casos de sucesso. Porém, também há constatações de uso de sistemas de produção precários e ineficientes, resultando em produtos sem qualidade. Frequentemente, os microrganismos alvos de multiplicações não atingem concentrações adequadas. Além disso, ocorre proliferação de contaminantes que resulta em produtos com baixa ou nenhuma eficiência, inclusive com risco de patogenicidade a humanos, animais e plantas. Se por um lado os produtos comerciais precisam seguir processos rígidos para registro e comercialização, com garantia de pureza, concentração e identidade dos microrganismos presentes, na produção on-farm ainda não existe nenhuma obrigatoriedade quanto ao controle de qualidade. Assim como outros produtos usados na agricultura, a qualidade do produto biológico é essencial para que possa promover os efeitos desejados, tanto para a promoção de crescimento vegetal, quanto para o controle de insetos-praga e doenças.

Em um trabalho recente sobre a qualidade de inoculantes à base de Bradyrhizobium e Azospirillum, produzidos em fazendas de várias regiões do Brasil, a equipe da Embrapa Soja constatou que 100% das amostras analisadas estavam contaminadas com vários microrganismos, 44% apresentavam isolados pertencentes a gêneros que abrigam potenciais patógenos humanos (ex.: Enterobacter, Klebsiella, Staphylococcus, Acinetobacter), 1/3 dos quais apresentava resistência a agentes antimicrobianos. Resultados semelhantes foram encontrados em amostras de bioinseticidas oriundas da produção on-farm, à base de Bacillus thuringiensis, em trabalhos conduzidos pela Embrapa Milho e Sorgo em Goiás e Mato Grosso.

A Embrapa é protagonista no desenvolvimento de insumos biológicos e reconhece que a produção para uso próprio tem potencial para contribuir para a sustentabilidade e competitividade da agricultura brasileira. Porém, considera que existem riscos para o setor agrícola, seja pela falta de garantia de qualidade do produto resultante da multiplicação na propriedade, seja pela ausência de comprovação de segurança biológica a humanos, organismos não-alvo e ao ambiente. Por ser uma instituição de pesquisa envolvida no desenvolvimento e aplicação de insumos biológicos na agricultura brasileira, seus pesquisadores têm feito alertas para que essa atividade seja regulamentada, pois, existe o risco de que produtos de má qualidade possam denegrir a boa imagem dos bioinsumos, construída ao longo de anos, com perda da confiança do produtor, além de poderem causar danos à saúde e ao meio ambiente.

Por fim, com base na literatura, experiência em pesquisa e aplicações legais, são apresentados três princípios básicos que devem ser observados na produção de insumos biológicos por produtores (produção on-farm), a saber:

1) Permitir a multiplicação apenas de microrganismos que constam das listas oficiais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ou com especificação de referência, e que sejam adquiridos em bancos de germoplasma reconhecidos como oficiais pelo Ministério

Apenas coleções organizadas e auditadas podem garantir a autenticidade e eficiência de microrganismos utilizados para formulação de insumos biológicos. Aqueles oriundos de coleção biológica oficialmente reconhecida pelo Mapa possuem garantia da origem, segurança e rastreabilidade.

2) Necessidade de cadastro de estabelecimento produtor de bioinsumos junto ao Mapa

O Ministério e outros órgãos públicos devem conhecer a realidade da produção de insumos biológicos dentro das fazendas. Portanto, faz-se necessário um cadastro de operação dos estabelecimentos, de forma que seja possível a rastreabilidade de eventuais problemas sanitários, ambientais, entre outros. Isso trará confiabilidade ao setor, inclusive com a possibilidade de emissão de certificados de qualidade por parte de laboratórios credenciados.

3) Necessidade de um responsável técnico habilitado para a produção de bioinsumos nas fazendas

Entende-se que o profissional responsável deva ser capacitado para a função e que tenha registro em órgão de classe que o habilite para tal. Essa exigência já faz parte das normas do Mapa para um profissional atuar como responsável técnico da produção convencional de bioinsumos, mas esse princípio deve ser aplicado para todos os níveis de produção. Pequenos produtores familiares podem enfrentar dificuldades para ter acesso aos serviços de um responsável técnico. Para esses casos, sugere-se que, um profissional possa atender a várias propriedades, por meio de organização em cooperativas ou associações de produtores, ou, que profissionais da assistência técnica e extensão rural também possam ser qualificados para atuar nessa função.