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Tema: posicionamento sobre o substitutivo do Projeto de Lei nº 6.299, de 2002 - Política de Defensivos Fitossanitários e de Produtos de Controle Ambiental, seus Componentes e Afins.

A agricultura é um dos setores mais inovadores da economia brasileira. Ao longo das últimas décadas foi construído um arranjo efetivo de inovações e tecnologias para produzir alimentos, fibras e bioenergia em regiões tropicais. As inovações agrícolas e seus benefícios sociais e econômicos têm sido fundamentais para o Brasil.

A agricultura brasileira apresenta uma dinâmica intensa, muitas vezes não observada em outros países, que exige um constante desenvolvimento tecnológico, principalmente no que se refere aos aspectos fitossanitários. É fato notório que o processo de registro de agrotóxicos no Brasil é extremamente moroso e precisa de maior celeridade. Neste sentido, o aprimoramento e a harmonização de leis é tarefa necessária no que se refere aos agrotóxicos para tornar os regulamentos e procedimentos mais eficientes, modernos e equitativos.

Tão importante quanto evitar ou até proibir tecnologias que podem causar danos ou trazer riscos, é permitir o acesso rápido a tecnologias que, à luz do melhor conhecimento disponível, sejam consideradas úteis e seguras.

A existência de um marco regulatório previsível e funcional contribui para um ambiente juridicamente seguro, o que resulta em maiores investimentos em inovação e segurança. O sistema regulatório de agrotóxicos deve ser ágil, funcional e cientificamente embasado para que a agricultura desenvolva de modo sustentável e preserve sua competitividade internacional e seu papel social no país.

Neste sentido, a adequada disponibilização no mercado de produtos fitossanitários para atender à pujante agricultura praticada no Brasil é vista como essencial. Assim, iniciativas que venham a contribuir para a melhoria dos processos relacionados a este quadro são vistas de forma satisfatória, uma vez que, como já exposto, o processo de registro de agrotóxicos atualmente apresenta uma morosidade incompatível com as necessidades do setor.

A primeira constatação da proposta é a substituição do termo “agrotóxico” pelo termo “produto fitossanitário”, o que representa uma mudança positiva, uma vez que o uso do termo agrotóxico é bastante questionável do ponto de vista toxicológico. O uso deste termo é contraditório com o próprio processo regulatório, que tem como objetivo principal assegurar a proteção à saúde humana e ao meio ambiente, com a autorização apenas de produtos que apresentem segurança do ponto de vista toxicológico, quando utilizados em conformidade com as práticas agrícolas preconizadas no processo de registro.

Um dos principais fatores relacionados à morosidade dos processos de registro de pesticidas no Brasil é a excessiva burocracia observada. Assim, toda medida que busca reduzir os trâmites regulatórios sem colocar em risco a integridade técnica da avaliação merece ser destacada. A simplificação do registro de produtos equivalentes ou genéricos, como contemplado nesta proposta, será de grande utilidade para imprimir maior dinâmica às avaliações e representa um importante avanço para a desburocratização, o que deverá impactar de forma muito positiva para a redução dos prazos dos processos de registro. Também com o objetivo de reduzir a morosidade do processo de registro e que merece destaque é o cancelamento do registro para produtos não comercializados até dois anos após a autorização para tal atividade, com o objetivo de desestimular processos de registro que visam apenas a proteção de mercado da empresa registrante e que sobrecarregam a estrutura regulatória. Entretanto, a redução da burocracia no processo de registro é um desafio considerável e medidas adicionais que busquem maior eficiência de todo o sistema regulatório talvez sejam necessárias para atingir uma maior diligência nos pleitos de registro.

Outro ponto relevante do PL é a designação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) como o órgão registrante dos agrotóxicos e afins, que passa a coordenar todo o processo de registro, estabelecendo os critérios de prioridades de análise, de acordo com as demandas fitossanitárias, além de estabelecer procedimentos para o registro, incluindo as reavaliações de produtos. Trata-se de medida com grande potencial para reduzir a burocracia constatada em todo o processo atual, em que os três órgãos responsáveis pelo registro (MAPA, Ibama e Anvisa), atuam de forma independente, gerando sobreposições de esforços, inconsistências nos fluxos dos processos e insegurança jurídica. Entretanto, é importante salientar que a atuação dos órgãos de saúde e meio ambiente no processo regulatório é essencial para garantir a segurança do uso destes produtos para a saúde humana e o meio ambiente. Assim, é importante que se busque um equilíbrio institucional, visando ao mesmo tempo maior eficiência processual, que pode ser alcançada com a coordenação do MAPA, e também assegurando que todos os aspectos toxicológicos e ambientais sejam considerados ao integrar de forma adequada o Ibama e Anvisa a esta nova estrutura regulatória proposta no projeto de lei.

A proposta também apresenta avanços quando propõe a adoção da metodologia da análise de risco em substituição à análise de perigo, atualmente utilizada nas avaliações regulatórias. A análise de risco é utilizada pela maioria dos países desenvolvidos e caracteriza-se por considerar também a exposição ao pesticida e não somente suas características intrínsecas. Cabe aqui destacar, entretanto, que nesta proposta de PL elimina-se qualquer critério de exclusão baseado no perigo, como a carcinogenicidade e mutagenicidade. Este é um ponto fundamental da proposta e que merece ser debatida em profundidade, haja vista que não há um consenso mundial sobre o tema. A prática dos Estados Unidos da América se alinha com a presente proposta, onde se utiliza exclusivamente a avaliação de risco. Porém, na União Europeia em um espectro mais conservador, se utilizam de critérios de exclusão conjuntamente com a avaliação de risco. Assim, dada as características ainda presentes em nosso país, com a existência de grande contingente de produtores com baixo perfil tecnológico e problemas na fiscalização de venda e uso de produtos fitossanitários, é necessário maior cuidado na disponibilização de produtos com perfil de maior risco, sem a implementação de outras práticas que garantam o correto uso dos produtos conforme preconizado nas boas práticas agrícolas.

Da mesma forma, outros pontos da proposta são polêmicos e merecem um maior debate. É fato que os atuais prazos de registro, que se estendem por anos, são incompatíveis com as necessidades da agricultura. Porém, também é preocupante o estabelecimento de prazos que não garantam a adequada avaliação dos riscos à saúde humana e ao meio ambiente, assim como os aspectos agronômicos. O prazo de um ano para o registro de novos produtos, por exemplo, não parece ser suficiente para finalizar todas as avaliações necessárias e é inferior aos prazos de registro de países com estruturas regulatórias consistentes.

O Brasil dispõe de uma rede estruturada de empresas privadas de tecnologia voltadas a atender as demandas para geração de informações toxicológicas, ambientais e físico-químicas de pesticidas e suas formulações para fins regulatórios. Também possui universidades e instituições de pesquisa públicas e privadas com estrutura e capacitação suficientes para a prestação de serviços com tais propósitos. Assim, mais importante que incluir instituições de ensino e pesquisa como prestadores de serviço nesta temática é assegurar que todas as instituições, sejam elas empresas de tecnologia ou universidades, sejam acreditadas pela norma de Boas Práticas de Laboratório (BPL). Esta medida assegura qualidade e credibilidade às informações apresentadas pelas empresas registrantes e é um critério internacional exigido pelos principais órgãos reguladores do mundo, como a USEPA nos Estados Unidos e EFSA na União Europeia.

Por fim, observa-se que no PL não são estabelecidos prazos de reavaliação dos produtos fitossanitários registrados. Esta é uma medida que vem sendo utilizada pela maioria dos países desenvolvidos e que possuem um robusto sistema regulatório. Com esta medida, busca-se trazer maior segurança à saúde humana e ao meio ambiente, pois revisa periodicamente as informações toxicológicas e ambientais geradas após o registro do pesticida. Mesmo que este procedimento eventualmente leve a um aumento das demandas dos órgãos regulatórios, é essencial que estes prazos para reavaliação sejam considerados no PL.

Diante do exposto, a proposta apresenta avanços em relação à legislação atual. Destaca-se que os avanços devem se dar à luz do melhor conhecimento disponível, para que a proposta traga maior celeridade ao processo de registro de agrotóxicos, com garantia à disponibilidade de ferramentas adequadas para o manejo fitossanitário da produção agropecuária brasileira e, ao mesmo tempo, assegure a minimização de riscos à saúde da população, dos agricultores e do meio ambiente.

Diretoria-Executiva da Embrapa