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A fixação biológica do nitrogênio (FBN) é um processo realizado por alguns grupos de microrganismos, que apresentam a enzima nitrogenase funcional o qual será posteriormente utilizado como fonte de nitrogênio (N) para a nutrição das plantas. A FBN se constitui na principal via de incorporação do nitrogênio à biosfera e depois da fotossíntese é o processo biológico mais importante para as plantas e fundamental para a vida na Terra.

Estima-se que a FBN tenha uma contribuição global para os diferentes ecossistemas da ordem de 258 milhões de toneladas de nitrogênio (N) por ano, sendo que a contribuição na agricultura é estimada em 60 milhões de toneladas. No Brasil, o caso mais exitoso de sua contribuição é representado pela cultura da soja, onde o uso de inoculante, a partir da década de 1960, garantiu a competitividade para a mesma quando comparada com a produção de outros países, refletindo diretamente na balança comercial do País. Caso o fornecimento de nitrogênio para a cultura da soja tivesse que ser efetuado via adubação nitrogenada seria necessário para uma produção média de 49 sacos/ha (produtividade média da soja na safra 2012/2013) um total de 588 kg uréia/ha (considerando uma eficiência de apenas 60%), a um custo médio (outubro de 2013) de R$ 906,00/ha. O custo por hectare da inoculação é de R$ 8,00. Ou seja, com o processo de inoculação são economizados R$ 898,00/ha. Se considerarmos os 27,7 milhões de hectares plantados com soja no Brasil, a economia proporcionada pela não utilização de adubos nitrogenados é da ordem de R$ 24,9 bilhões anuais, algo em torno de US$ 10,3 bilhões de dólares.

No Brasil, as culturas mais importantes, tanto pela extensão da área que ocupam como pelo alto consumo de fertilizantes, são culturas que podem em algum grau serem beneficiadas por processos biológicos, como a FBN, a saber; soja, cana-de-açúcar, milho, feijoeiro comum + feijão-caupi, arroz e trigo. Juntas, essas culturas ocupam 61,3 milhões hectares (Mha) e consomem 1.890 milhões de toneladas (Mt)  de fertilizantes nitrogenados.  A estimativa é de que em 2030 a área cultivada com estas culturas ultrapasse 70 Mha e o consumo de fertilizante nitrogenado será superior a 2,5 Mt.

Deve-se destacar que estudos de balanço de N na agricultura brasileira, considerando o total do que é exportado do campo com os produtos colhidos e ingressos de N via fertilizantes e FBN, ainda o solo segue sendo uma das fontes mais importantes de N para as culturas, cobrindo cerca de 40% do N exportado, do qual deduz-se o grande impacto ambiental provocando perda da matéria orgânica do solo e emitindo significativas quantidades de CO2 para a atmosfera. Este fenômeno é especialmente critico na Agricultura familiar, onde o ingresso de N é muito menor, pelo qual é justamente neste setor da economia onde as técnicas microbiológicas (FBN, etc) são mais necessárias.

Esses altos valores de consumo de N-fertilizante na agricultura são, hoje, uma grande preocupação, tanto por estar associado a significativas emissões de gases de efeito estufa (GEE), como pelo custo elevado, sempre atrelado ao custo de petróleo e com o agravante de que cerca de 70% do fertilizante nitrogenado usado no País é importado. As emissões de GEE associadas aos fertilizantes nitrogenados estão relacionadas desde a síntese química, passando pelo transporte e transformações do N no solo, emitindo o gás óxido nitroso, que é um potente GEE.

Tal como ocorre para os níveis atuais de produtividade média da soja no Brasil, onde a inoculação com bactérias diazotróficas consegue suprir a demanda de nitrogênio da cultura, outras espécies, como o feijoeiro comum, feijão-caupi, a cana-de-açúcar, o milho, o arroz e o trigo, também podem ser beneficiadas por essa tecnologia. Espera-se que a intensificação da pesquisa consiga, até 2020, disponibilizar inoculantes e práticas de manejo que favoreçam a FBN para reduzir, total ou parcialmente, os níveis de fertilizantes aplicados em cultivos de leguminosas, gramíneas e outras espécies de interesse. Isso resultará em maior participação do processo biológico na diminuição do consumo de N-fertilizante, e contribuirá para uma agricultura inserida no contexto da economia verde, com elevados níveis de produtividade, baixos custos e baixos impactos ambientais. A esse respeito deve-se destacar que atualmente, com exceção da cultura da soja, em apenas 10% da área das culturas vem se aplicando inoculantes.

Ainda em relação aos benefícios ambientais, a FBN é uma tecnologia que pode dar importante suporte nos esforços de recuperação de áreas degradadas, especialmente onde o uso pouco sustentável do solo resultou na perda de matéria orgânica do solo e na perda de produtividade. A implantação do novo marco legal ambiental brasileiro, a lei 12.651/2012, prevê a recuperação de uma significativa extensão de áreas de preservação permanente e de reserva legal, e as espécies arbóreas nativas com potencial de FBN têm um papel de destaque nos plantios com esse fim, por serem consideradas espécies estruturantes ("fremework species") por excelência.

COP 15

O compromisso do Brasil na 15ª Conferência das Partes (COP15) considerou ampliar o uso da FBN na agricultura em 5,5 Mha, o que levaria a uma redução de emissão equivalente a 10 milhões de toneladas anuais de CO2 equivalente em 2020. Entende-se que a meta está orientada unicamente à diminuição do consumo de N-fertilizante, diretamente com o cultivo de espécies fixadoras de N2. Contudo, podem também ser adicionadas novas contribuições dentro do Plano ABC (Agricultura de baixa emissão de carbono), como o uso da FBN na recuperação de pastagens degradadas, sistema de plantio direto (SPD) e integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF).

Outros benefícios

No cenário internacional, as perspectivas são preocupantes, não só pelo fato de que 70% dos fertilizantes nitrogenados são importados, mas também pelo surgimento de grandes competidores internacionais para esses insumos, como é o caso da China e da Índia. Além da contribuição direta da FBN, os microrganismos também podem proporcionar maior eficiência do uso do N-fertilizantes, por exemplo, pela promoção de crescimento de raízes.

A introdução de leguminosas como adubos verdes em rotações, sucessões ou consórcios de culturas, além de proporcionar aumento na produtividade das culturas, resulta em maiores quantidades de resíduos que retornam ao solo, permitindo que haja maior sequestro de Carbono (C), principalmente em sistemas conservacionistas, como SPD e iLPF, onde a diminuição do revolvimento do solo contribui para o incremento da matéria orgânica.

Do ponto de vista social, os cenários de crescimento populacional e segurança alimentar indicam que em 2030, a população mundial deve chegar a 8,3 bilhões de habitantes, causando um aumento de 40 % na demanda global por alimentos. Para fazer frente a este cenário, torna-se necessário otimizar a produção de alimentos, fibras têxteis, oleaginosas e carne a partir da adoção das boas práticas agrícolas, das quais a FBN se destaca por fornecer nitrogênio em formas assimiláveis para plantas.

Ganho social

O ganho social da tecnologia da FBN pode ser ainda mais evidente no contexto da agricultura familiar, que hoje representa 84,4% dos estabelecimentos rurais e 24,3% da área total cultivada, onde a adoção da tecnologia poderá melhorar a geração de renda e a qualidade de vida das famílias deste segmento agrícola.  Como exemplos, podem ser citadas as culturas do feijoeiro comum e feijão-caupi, onde o principal contingente de produtores está vinculado à agricultura familiar.

Cabe lembrar que a FBN sempre se destacou pela inovação biotecnológica, por exemplo, nos avanços relacionados à formulação de inoculantes com elevada eficiência, sendo previstas grandes demandas para os próximos anos, incluindo o desenvolvimento de inoculantes múltiplos, seleção de novas estirpes, pesquisas para o avanço no conhecimento básico e geração de tecnologias portadoras de futuro, como a nanobiotecnologia.

Finalmente, é relevante mencionar que a FBN está em plena sintonia com outros programas relevantes para o país, incluindo Brasil Sem Miséria, Arco Verde, Economia Verde e demandas geradas pelo novo código florestal e outras tecnologias limpas demandadas pela sociedade.

Desdobramentos relevantes para o mercado de inovação

  • Disponibilidade de novas cultivares/variedades (cana-de-açúcar, milho, feijão comum, soja, trigo, arroz e gramíneas forrageiras) responsivas à FBN;
  • Disponibilidade de novas estirpes, inoculantes e métodos de inoculação para aumentar a eficiência da FBN nas culturas de interesse agrícola;
  • Desenvolvimento de maquinários para a inoculação de bactérias diazotróficas em sementes (nanotecnologia), no sulco e foliar;
  • Desenvolvimento de protocolos para o uso conjunto de inoculantes e defensivos;
  • Avanço nos estudos de genômica funcional e estrutural associados à bioprospecção de genes que contribuam para o aumento da eficiência da interação planta-bactéria na agricultura;
  • Aplicação prática da FBN nos diferentes manejos, especialmente nos SPD,  iLP e iLPF;
  • Adoção de práticas envolvendo leguminosas arbóreas associadas à inoculação com bactérias diazotróficas e fungos micorrízicos nos programas de recuperação de áreas degradadas e atendimento ao código florestal;
  • Seleção de estirpes de bactérias associadas a genótipos altamente eficientes em fixar nitrogênio em condições adversas de solo e clima;
  • Tecnologias para a inoculação de microrganismos multifuncionais em plantas leguminosas e gramíneas visando à obtenção de alimentos biofortificados (enriquecidos em proteínas, P, Zn, Fe, etc.).
  • Estabelecimento de balanço energético para culturas visando reduzir os passivos ambientais;
  • Ampliação da adoção da FBN no Brasil, com ações em parcerias público-privadas, promovendo benefícios socioeconômicos e ambientais, melhorando o acesso dos agricultores familiares a essa tecnologia;
  • Desenvolver processos simplificados de produção de inoculantes para áreas agrícolas de limitado acesso, especialmente para a agricultura familiar.