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A produção e o consumo sustentáveis de alimento não são apenas uma moda passageira, mas duas áreas que demandam a aplicação do conhecimento científico para ampliar a oferta de alimentos com menor impacto ambiental. Em um mundo que enfrenta mudanças climáticas e escassez de recursos naturais, e ainda convive com o flagelo da insegurança alimentar, a redução das perdas e do desperdício de alimento deve ser uma prioridade global.

A produção de alimentos no mundo, em relação ao período de 2005 a 2007, precisa aumentar 60% até 2050 para suprir a crescente demanda, resultante do crescimento da população no hemisfério sul, aumento do consumo nos países em desenvolvimento e mudanças nos padrões de consumo. A necessidade de maior produção gera maior pressão sobre recursos naturais escassos, como solo, água, energia e nutrientes (fósforo, potássio etc.) e deixa ainda mais nítido um problema social com elevado impacto ambiental: as perdas pós-colheita e o desperdício no final da cadeia de suprimentos.

Grande parte do ganho necessário para fazer frente a este desafio de aumentar a produção global de alimentos pode vir da redução do desperdício. As perdas e desperdício de alimentos são um entrave para "acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável", segundo dos dezessete objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Dados recentes da FAO reforçam o tamanho do problema.

O mundo descarta, aproximadamente, um terço do alimento produzido globalmente, o equivalente a 1,3 bilhão de toneladas anuais. Em países como os Estados Unidos, Austrália e Inglaterra, que concentram a maior parte do desperdício no final da cadeia, o percentual descartado ultrapassa um terço da produção. Mesmo no contexto de países em desenvolvimento, o desperdício no âmbito do varejo e do consumidor é elevado. Nestes países, as perdas tendem a ser elevadas desde o manejo da lavoura e o pós-colheita.

A FAO estima que 28% dos alimentos que chegam ao final da cadeia em países latino-americanos são desperdiçados. Enquanto o Brasil, por exemplo, descarta mais do que o necessário para neutralizar a insegurança alimentar no País, apenas um quarto do desperdício agregado dos EUA e Europa é suficiente para alimentar as 795 milhões de pessoas que ainda passam fome no mundo.

Insegurança alimentar

O Brasil, graças a esforços de pesquisa agropecuária e a programas sociais como o Bolsa Família, saiu do mapa da fome da FAO, no qual constam países com índice de insegurança alimentar grave acima de 5%. A insegurança alimentar grave foi reduzida de 7%, em 2004, para 3% segundo pesquisa do IBGE realizada em 2013. Por outro lado, o País ainda possui 22,6% da população enfrentando algum estágio de insegurança alimentar, dado que ressalta o dilema moral do desperdício diante da escassez de muitos.

As perdas no início da cadeia de alimento são mais comuns em países subdesenvolvidos, que lidam com baixo aporte tecnológico no manejo das lavouras, carência de estrutura para estocagem da produção e infraestrutura inadequada para escoamento das safras. Já em países de média e alta renda, a maior contribuição para o desperdício parte do consumidor. Porém, mesmo no contexto da classe média baixa, o desperdício pode ocorrer por fatores culturais, como o gosto pela abundância à mesa, compras excessivas, armazenamento inadequado do alimento ou mesmo desinteresse pelo consumo das sobras.

Na primeira etapa, as perdas derivam de colheita inapropriada, entre outras causas, como ataque de pragas, doenças e desastres naturais. Após a colheita, o produto que estraga rapidamente é geralmente manuseado de forma rudimentar, o que vai acarretar danos físicos e deteriorações fisiológicas e patológicas.

Nas etapas após a colheita, as perdas são oriundas do uso de embalagens inadequadas, transporte impróprio, não uso de refrigeração, desconhecimento de técnicas de manuseio, disponibilização inadequada nas gôndolas e excesso de toque nos produtos pelos consumidores. As perdas pós-colheita podem ser classificadas como fisiológicas (ex.: amadurecimento), por injúria mecânica (ex.: armazenamento em caixas inadequadas) ou fitopatológicas (ex.: ataque por microrganismos).

Quando analisado o nível do consumidor, identifica-se planejamento de compra insuficiente e outras características comportamentais associadas à cultura de consumo como determinantes para o desperdício. A rotulagem e a embalagem também contribuem para perdas, como por exemplo, o desperdício motivado por compras de embalagens muito grandes ou difíceis de esvaziar.

A crescente exigência do consumidor por qualidade, e por consequência também do varejo, tem levado também ao descarte de alimentos, ainda na fazenda, por não suprir os padrões estéticos exigidos por algumas redes supermercadistas. As razões para o descarte de alimento apropriado para o consumo por motivos estéticos vão desde o peso e o tamanho até o formato e a coloração.

Contexto global

Desde 2013, quando o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lançaram a iniciativa Save Food, diversos países têm iniciado campanhas de promoção do consumo sustentável de alimentos ou estabelecido suas próprias metas de redução das perdas e desperdício de alimento. Mais recentemente, dentre os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pelas Nacões Unidas em 2015, destaca-se "Reduzir pela metade, até 2030, o desperdício de alimentos per capita mundial, nos níveis de varejo e do consumidor, e reduzir as perdas de alimentos nas outras etapas da cadeia agroalimentar".

Estados Unidos, Austrália, Inglaterra e Itália estão entre os países com maior índice de desperdício de alimentos na etapa de consumo domiciliar. O desperdício per capita na Europa e América de Norte é de 95 a 115 kg por ano. Países da América Latina ainda enfrentam elevadas perdas pós-colheita e o desperdício também tende a ser elevado. Segundo dados da FAO, 28% dos alimentos que chegam ao final da cadeia são desperdiçados, em média, nos países latino-americanos.

O Brasil, embora ainda enfrente perdas elevadas na fase pós-colheita, também apresenta elevado desperdício no final da cadeia. As evidências mostram o Brasil como um país que alia características de países em desenvolvimento, no que diz respeito às perdas dentro das propriedades rurais e no escoamento da produção, com hábitos de consumo de países ricos, caracterizados pelo elevado descarte de alimentos no final da cadeia.

A quantidade de alimento desperdiçada nos países industrializados é proporcional ao total da produção agrícola da África subsaariana. Para o setor agrícola já não basta o enfoque no incremento de produtividade, mas buscar otimização por meio de um cenário muito mais complexo de produção, desenvolvimento rural, meio ambiente e justiça social, no qual as consequências do consumo de alimentos são levadas em conta. Com as práticas atuais desperdiçando até 50% do alimento produzido, é preciso agir para promover formas sustentáveis de reduzir o desperdício da fazenda para o supermercado e para o consumidor.

Para saber mais (referências bibliográficas consultadas)

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