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O intercâmbio de material vegetal entre os países é uma atividade imprescindível ao enriquecimento do patrimônio genético, importante para a geração de novas variedades agrícolas. Estima-se que no Brasil, cerca de 80% dos alimentos consumidos têm origem exótica. Contudo, além dos aspectos positivos, a entrada de matérias vegetais, quando realizada sem registro ou controle, pode ocasionar problemas graves, como a dispersão de organismos nocivos à agricultura nacional. Esses organismos se enquadram no conceito de praga, que é aplicável a qualquer espécie, raça ou biótipo de planta, animal ou agente patogênico que danifica plantas ou produtos vegetais.

A crescente dispersão de pragas agrícolas pelo mundo pode ser atribuída ao aumento do comércio entre os países e, também, às mudanças climáticas. Estudos realizados pela Embrapa mostram que pelo menos 65% dos casos de introdução de pragas no Brasil tem ligação direta com a atividade humana, por meio do transporte de plantas, frutos ou sementes infestadas.

Diante desse cenário, torna-se um desafio desenvolver meios para evitar ou controlar a dispersão de novas pragas, principalmente as denominadas pragas quarentenárias.

Pragas quarentenárias

São aquelas que têm importância econômica potencial para áreas onde ainda não estejam presentes, ou, quando instaladas, não estão amplamente distribuídas e estão sob controle oficial. A simples presença de organismos vivos (animal, vegetal ou microrganismos) em determinado local pode comprometer a comercialização de produtos, por danificar ou destruir cultivos, plantações e colheitas, e ser um empecilho às  exportações.

A lista de pragas quarentenárias no Brasil é estabelecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Esta lista conta, hoje, com 12 espécies presentes em território nacional e mais de 500 espécies ou gêneros considerados como pragas ausentes. Dessas, dezenas já foram reportadas em outros países da América do Sul e na região do Caribe, com grande probabilidade de entrada no Brasil. Cada praga apresenta riscos diferenciados, conforme suas características (reprodução, sobrevivência, capacidade de dispersão etc.) e, por isso, são necessárias ações controle específicos.

Pragas quarentenárias no Brasil

Os relatos de introduções de pragas agrícolas no país têm aumentado nas últimas décadas. Até 1960, o número de pragas detectadas por ano era inferior a um, passando a ser superior a dois nos anos 90 e, na última década, este número está próximo a quatro. O cenário se deve muito ao aumento da área cultivada e ao trânsito internacional de pessoas e commodities.

O caso mais recente de registro de introdução de uma praga quarentenária de alto impacto econômico no Brasil foi o da Helicoverpa armigera, que causou perdas expressivas a soja, algodão e milho nas safras 2011/2012 e 2012/2013. Outro exemplo é o HLB ou greening dos citros (Candidatus Liberibacter spp.), que foi identificada em 2004. Introduções recentes de pragas do eucalipto, provenientes da Austrália, também têm gerado grande apreensão ao setor florestal, sendo elas o psilídeo-de-concha (Glycaspis brimblecombei), detectado em 2003, a vespa-da-galha (Leptocybe invasa) em 2007, e o percevejo-bronzeado (Thaumastocoris peregrinus) em 2008.

A ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) é outra praga introduzida que ainda impacta a agricultura nacional, sendo responsável por perdas em torno de US$ 2 bilhões por ano ao cultivo da soja. Em 2001, ano de sua introdução, esta doença gerou perdas de até 70% na produção.

Além da destruição de plantios e prejuízos na agricultura, as pragas quarentenárias também causam graves problemas sociais. A entrada no país do bicudo do algodoeiro (Anthonomus grandis) foi um exemplo disso. A praga exótica, originária do México, atravessou fronteiras e foi identificado no Brasil em 1983. Pouco tempo depois, havia se disseminado pelas principais áreas produtoras de algodão, causando perdas de até 75%. A praga inviabilizou a permanência de muitos pequenos agricultores na atividade devido ao aumento nos custos de controle, sendo responsável pela alteração de toda a geografia da produção da fibra no País.

Fato semelhante ocorreu com a entrada da vassoura-de-bruxa (Moniliophthora perniciosa) nas lavouras cacaueiras da Bahia em 1989, deflagrando uma grave crise social na região. Com a praga, o Brasil deixou de ser referência no plantio do cacau. O problema nunca foi superado e a doença continua a representar um desafio para pesquisadores da área.

Atualmente, a Região Norte do Brasil vem sendo considerada como a principal via de entrada de novas pragas quarentenárias. Nos últimos anos, sete pragas entraram pelas fronteiras do Norte: a mosca-da-carambola (Bactrocera carambolae), detectada no Amapá em 1996 e em Roraima em 2010; a Sigatoka-negra (Mycosphaerella fijiensis), detectada no Amazonas em 1998; a mosca-negra-dos-citros (Aleurocanthus woglumi), encontrada no Pará em 2001; o ácaro-hindustânico-dos-citros (Schizotetranychus hindustanicus), detectado em Roraima em 2008; o ácaro-vermelho-das-palmeiras (Raoiella indica), detectado em Roraima em 2009 e no Amazonas em 2011; a cochonilha-rosada (Maconellicoccus hirsutus), detectada em Roraima em 2011 e o besouro-da-acerola de (Anthonomus tomentosus), reportado em Roraima em 2014.

O risco de entrada pela Região Norte está relacionado à vastidão do território, que dificulta a fiscalização e maior controle com medidas preventivas. Embora a Região participe com cerca de 4% do valor da produção agrícola nacional (BCB, 2012), o estrago que a entrada de uma praga quarentenária pode ocasionar, caso se espalhe para outros estados brasileiros, pode ser devastador, provocando, além da redução de produtividades, a perca de mercados exportadores, uma vez que muitos países não aceitam determinadas culturas de regiões onde há presença de pragas quarentenárias.

Atuação da Embrapa

Desde sua criação, na década de 70, a Embrapa vem desenvolvendo pesquisas e ações para a quarentena de plantas, manejo de pragas recém-introduzidas no país, importações oficiais de agentes de controle biológico (insetos, ácaros, microrganismos) exóticos das pragas quarentenárias ingressas no país. O objetivo é subsidiar ações de controle biológico, inteligência territorial e melhoramento preventivo. Além disso, buscando prevenir a entrada e disseminação de pragas agrícolas, além de controlar pragas já estabelecidas. Porém, o risco da entrada de novas ameaças é cada vez mais preocupante, razão pela qual   as pragas quarentenárias fazem parte da agenda institucional da Embrapa.

Para as atividades de quarentena de plantas, a Empresa mantém protagonismo, iniciado com a concepção da Estação Quarentenária na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, em 1977. O trabalho dessa estação já resultou na interceptação de 80 pragas em germoplasmas importados para pesquisa científica, evitando assim a introdução desses organismos no país.

Também conta com o Laboratório de Quarentena “Costa Lima” (LQCL) da Embrapa Meio Ambiente, credenciado pelo Mapa em 1991, para subsidiar estratégias de controle biológico clássico. Com o crescimento do comércio internacional e do fluxo de turistas, as atividades de quarentena se intensificaram, levando a Empresa a criar, em 2014, uma nova Unidade exclusivamente voltada às atividades: a Embrapa Quarentena Vegetal.

O objetivo foi modernizar a análise das sementes e outros materiais de propagação que são introduzidos no país ou intercambiados com outras instituições de pesquisa. Em 2017, a Embrapa Quarentena Vegetal foi integrada novamente à Embrapa Recursos Genéticos, que conta hoje,com um grupo de pesquisa consolidado na área de Quarentena e Sanidade vegetal.

O Laboratório de Quarentena “Costa Lima” (LQCL), da Embrapa Meio Ambiente, tem atuado igualmente junto a diversos projetos de pesquisas, de várias unidades da Embrapa, universidades e em programas de cooperação técnica (tais como o celebrado junto ao Programa de Proteção Florestal (PROTEF) do Instituto de Pesquisa e Estudos Florestais (IPEF)), disponibilizando material importado, livre de contaminantes, para uso em controle biológico de pragas de várias fruteiras, eucalipto, entre outras.

Na área de inteligência territorial, a Embrapa Territorial, em parceria com demais Unidades da Empresa, tem trabalhado para identificar as prováveis vias de ingresso das pragas no Brasil e por onde é mais fácil ocorrer sua disseminação, como rodovias federais e estaduais, apoiando a prevenção da entrada e do estabelecimento de pragas quarentenárias no país. Em relação ao melhoramento genético preventivo, a Embrapa vem investindo nas pesquisas para o desenvolvimento antecipado de cultivares resistentes a organismos quarentenários de alto risco para a agricultura brasileira.

O manejo de pragas recém-introduzidas no Brasil é outro importante campo de atuação da Empresa. Diante de um novo organismo muito nocivo à agricultura nacional, o esforço concentrado para à coleta de informações sobre a biologia e ecologia da praga, o desenvolvimento de tecnologias que acarretem em benefícios para o seu controle e a organização de ações integradas para divulgação e treinamentos aos públicos de interesse tem sido o caminho trilhado pela Empresa.

Um exemplo foi o que aconteceu com a introdução da Helicoverpa armigera, em 2014, quando a Embrapa, diante da gravidade da situação, viabilizou em curto período a campanha ‘Caravana Embrapa’, que levou a produtores, técnicos rurais e extensionistas de todas as regiões brasileiras informações importantes sobre as melhores estratégias para controle da praga.

Em 2016, a Embrapa concentrou ainda mais os esforços no desenvolvimento de pesquisas e ações de transferência de tecnologias envolvendo a temática pragas quarentenárias por meio da criação do Arranjo de Projetos denominado Quarentena (Prevenção de Entrada e Manejo de Pragas Quarentenárias no Brasil). O objetivo foi viabilizar métodos e tecnologias que contribuam para reduzir os riscos de entrada e dispersão, os impactos econômicos, além de desenvolver programas de manejo e contingência de pragas quarentenárias no Brasil e apoiar as políticas públicas do Mapa.

Existe atualmente um portfólio de projetos que conta com mais de 10 pesquisas em andamento e trabalhos envolvendo 25 unidades da Embrapa, além de parceiros internacionais e consultores do setor privado.

O portfólio Quarentena

Trata-se de uma carteira de projetos organizados em quatro eixos:

Priorização: estabelecimento de método que permita priorizar, dentre as pragas quarentenárias vigentes, aquelas que serão alvo da elaboração das ações de detecção, contenção e/ou mitigação e também de projetos do Portfólio.

Detecção: metodologias e identificação de parâmetros de amostragem e identificação rápida no intuito de agilizar a detecção precoce de pragas.

Mitigação: métodos e ações a serem tomadas para se minimizar os impactos de pragas quarentenárias pós-entrada e/ou erradicação da praga-alvo, com foco principal em evitar sua dispersão para fora da área alvo de controle oficial.

Comunicação e Transferência de Tecnologia: Difusão de conhecimentos, metodologias e tecnologias sobre pragas quarentenárias ao setor público e privado interessado (stakeholders).

Priorização das pragas quarentenárias

O Mapa publicou, em 2007, a Instrução Normativa nº 52, que estabelece a lista de pragas quarentenárias ausentes e presentes. A publicação da lista é uma das obrigações do País como membro da Convenção Internacional para Proteção dos Vegetais (CIPV). Essa convenção prevê que os países devem publicar listas de pragas regulamentadas a fim de que os outros países e parceiros comerciais possam ter mais clareza quanto às ações que cada um toma para evitar a introdução de pragas, uma vez que as medidas fitossanitárias devem ser tomadas para pragas que sejam regulamentadas.

A Embrapa e o Mapa, como resultado dos trabalhos do Portfólio Quarentena, elaboraram, em 2017, uma lista com as 20 pragas quarentenárias ausentes prioritárias para ações de vigilância e pesquisa, que ameaçam, caso entrem no País, culturas como milho, soja, mandioca, batata, arroz e várias frutas. Três das pragas listadas já contam com planos de contingência.

Para a priorização, foi utilizada a metodologia AHP, com o ranqueamento das pragas de acordo com 20 critérios divididos em três grandes grupos: entrada; estabelecimento e dispersão; e impacto estimado.

As 20 pragas priorizadas foram:

African Cassava Mosaic Virus – vírus (mandioca)
Anastrepha suspensa – inseto (goiaba)
Bactrocera dorsalis – inseto (frutíferas)
Boeremia foveata – fungo (batata)
Brevipalpus chilensis – ácaro (kiwi, videira)
Amarelecimento letal do coqueiro – fitoplasma (coqueiro)
Cirsium arvense – planta daninha (trigo, milho, aveia, soja)
Cydia pomonella – inseto (maçã)
Ditylenchus destructor – nematoide (milho, batata)
Fusarium oxysporum f.sp. cubense Raça 4 Tropical – fungo (banana)
Globodera rostochiensis – nematoide (batata)
Lobesia botrana – inseto (videira)
Moniliophthora roreri – fungo (cacau)
Pantoea stewartii – bactéria (milho)
Plum Pox Virus – vírus (pessegueiro, ameixeira)
Striga spp. – planta daninha (milho, caupi)
Tomato ringspot virus – vírus (frutíferas e tomate)
Toxotrypana curvicauda – inseto (mamão)
Xanthomonas oryzae pv. oryzae – bactéria (arroz)
Xylella fastidiosa subsp. fastidiosa – bactéria (videira)

Os resultados da priorização de pragas são úteis tanto para as ações de defesa vegetal quanto para as de pesquisa. No âmbito da defesa, é possível determinar para quais pragas serão desenvolvidos planos de contingência, além de orientar decisões referentes à vigilância. No que concerne à pesquisa, podem-se aperfeiçoar os projetos visando, por exemplo, o desenvolvimento de métodos diagnósticos, o mapeamento de áreas de risco, o estabelecimento de projetos de melhoramento preventivo, além do desenvolvimento de métodos de exclusão e erradicação.