15/07/21 |   Gestão Estratégica  Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Elmar Wagner, o líder que vislumbrou o Cerrado como potência agrícola

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Foto: Arquivo pessoal

Arquivo pessoal - Wagner chefiou a Embrapa Cerrados entre 1976 e 1984

Wagner chefiou a Embrapa Cerrados entre 1976 e 1984

Falecido no dia 16 de junho aos 84 anos, o ex-chefe geral da Embrapa Cerrados (DF) Elmar Wagner deixa saudades e boas lembranças dos colegas, unânimes em elogiá-lo como ser humano e gestor visionário, com importantes contribuições para a transformação do Bioma Cerrado em potência agropecuária. 

Natural de Morro Redondo (RS), Wagner era engenheiro agrônomo, pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e mestre Magna Cum Laude (com grandes honras) em Hidrologia, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, além de técnico em contabilidade, pela Faculdade de Ciências Econômicas de Porto Alegre. 

Ao ser admitido na Embrapa em janeiro de 1975, Elmar Wagner trabalhou como pesquisador na área de irrigação inicialmente na Embrapa Arroz e Feijão (Santo Antônio de Goiás, GO), onde foi chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento. Em 30 abril de 1976, a pedido do então diretor Almiro Blumenschein, transferiu-se para a Embrapa Cerrados, assumindo a chefia geral da Unidade por oito anos, até 14 de agosto de 1984. Permaneceu no centro até março de 1986, quando passou a atuar a Embrapa Sede, onde chefiou o antigo Departamento Técnico Científico entre 1988 e 1989. Deixou a Empresa em fevereiro de 1990, quando se aposentou.

Na Embrapa Arroz e Feijão, atuou em programas nacionais de pesquisa em arroz, no programa de pesquisa de feijão para o Centro-Sul do País e no programa de pesquisa de feijão-caupi para o Nordeste. 

Já na Embrapa Cerrados, Wagner participou do Programa de Avaliação dos Recursos Naturais e Socioeconômicos dos Cerrados; do Programa de Aproveitamento dos Recursos Solo/Água/Planta e do Programa de Desenvolvimento de Sistemas de Produção (lavouras, pecuária e florestas). Também coordenou programas de pesquisa e desenvolvimento regional para o Bioma Cerrado, em articulação com empresas estaduais de pesquisa e com universidades brasileiras e estrangeiras. 

Entre 1978 e 1984, foi integrante da Junta Diretiva do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), em Cali (Colômbia), atuando em programas de pesquisa de arroz, mandioca, feijão e pastagens tropicais; e do Board of Trustees do Programa Internacional de Solos Tropicais (Tropsoils), na Universidade de Raleigh, na Carolina do Norte (Estados Unidos).

Antes da trajetória na Embrapa, Wagner trabalhou por seis anos na gestão contábil de uma concessionária de automóveis e foi professor de hidráulica por 14 anos na UFPel, onde coordenou a criação do primeiro curso de nível superior em Engenharia Agrícola do País, em 1972, no qual lecionou as disciplinas de Construções Rurais e de Hidráulica.

 

Perfil visionário

A passagem de Wagner pela Embrapa Cerrados guarda muitas histórias e recordações de colegas que conviveram com ele naquele período. Os relatos revelam as contribuições do ex-chefe na trajetória profissional de pesquisadores, analistas, técnicos e assistentes já aposentados ou ainda em atividade que contribuíram para a transformação agrícola do Cerrado.

Contemporâneo de Wagner no curso de agronomia da UFPel, Wenceslau Goedert, ex-chefe geral da Unidade, o conheceu em 1965. “Tínhamos uma amizade muito estreita. Éramos como irmãos desde aquela época”, conta. 

Goedert foi admitido na Embrapa Sede no ano da fundação da Empresa, em 1973, e, dois anos depois, transferiu-se para a então recém-criada Embrapa Cerrados. Em 1976, com a chegada de Wagner, assumiu a chefia técnica (atual chefia-adjunta de P&D), cargo que ocupou até 1982, quando foi cursar o pós-doutorado na Inglaterra. “Trabalhamos sempre muito unidos, um respeitando a atuação do outro. Formamos uma dupla de muita harmonia e de muito sucesso, a meu ver”.

O hoje pesquisador aposentado destaca o perfil visionário de Wagner. “Ele tinha uma previsão de futuro muito boa. Enxergava, naquela época, que o Cerrado se tornaria o que é atualmente: uma grande área produtora de alimentos. E aplicou essa visão, que Delmar Marchetti (chefe administrativo à época, já falecido) e eu também defendíamos, na gestão do centro”, afirma, lembrando que o ex-chefe agregou a experiência prévia do tempo em que atuou no setor privado. “Quando veio para a Embrapa, trouxe essa vivência. Tinha grande capacidade de gestão. Administrava o centro com total honestidade, toda a equipe o adorava”, lembra.

Diante do desafio de transformar o Cerrado em potência agrícola, uma das ações empreendidas pela gestão de Wagner foi a organização de viagens a alguns então polos de desenvolvimento à época, como Rondonópolis (MT), Rio Verde (GO) e Paracatu (MG). 

“Os pesquisadores eram todos jovens, recém-saídos do mestrado ou do doutorado, e não conheciam o Cerrado. Nós também não. Fazíamos reuniões com os produtores líderes e a Emater. Levávamos os resultados das pesquisas e os pesquisadores tinham contato com a fisiografia da região e os produtores”, explica Goedert. “Eram viagens interessantes e todos queriam ir. O difícil era dizer ‘não’ para alguém, não tinha como levar todo mundo”, completa.

 

Pioneirismo na Embrapa

Dante Scolari, pesquisador aposentado e ex-diretor da Embrapa, destaca que Wagner foi uma grande liderança na Empresa nas décadas de 1970 e 1980. “Tranquilo, agregador, gostava de trabalhar em equipe e escutava todo mundo. Era um homem de realizações que tinha uma visão muito proativa na época”, lembra Scolari, que coordenou o programa de sistemas de produção para o Cerrado, que consistia na implantação dos chamados experimentos centrais visando à validação, em escala, das tecnologias e recomendações técnicas bem-sucedidas em pequenas parcelas experimentais da Unidade. 

Scolari lembra que a primeira estrutura de governança corporativa da Embrapa foi criada por Wagner em 1978 – o Conselho Técnico Interno, inicialmente formado pelos três chefes (geral, técnico e administrativo) e posteriormente também pelos três coordenadores dos projetos. A estrutura inspirou a criação, na Empresa, dos atuais Comitês Técnicos Internos e Comitês Assessores Externos. “Era a caixa de ressonância de tudo o que acontecia nas áreas administrativa e técnica. Todos falavam de igual para igual, buscando soluções para os problemas de forma colegiada”, conta.

“Pelo menos uma vez ao mês, nos reuníamos para analisar as propostas de projetos. Às vezes, chamávamos especialistas de fora para darem um parecer. O conselho era a espinha dorsal da parte técnica da Unidade”, acrescenta Wenceslau Goedert, que presidia o grupo. Ele lembra, ainda, que os três grandes programas de pesquisa da Unidade também inspiraram a Embrapa na criação dos programas nacionais de pesquisa de diversos produtos e recursos.

Para Scolari, a forma com que Wagner liderou a Embrapa Cerrados contribuiu para a formação de novas lideranças. “Nunca o vi impor uma ideia. Sentávamos, discutíamos e ele só tomava uma decisão com o OK de todos. Elmar marcou história na Embrapa, e muitos dos colegas que trabalharam com ele acabaram se tornando chefes e diretores. Aprendi muito com o Elmar, grande brasileiro, gestor e figura humana. Sem dúvida, uma grande perda”, lamenta.

“Por mais que alguém chegasse à sala dele nervoso ou angustiado com alguma demanda, ele o acalmava. Sempre tinha as palavras certas”, conta o pesquisador aposentado Euzébio Medrado. Além da figura humana, Medrado destaca a visão, que Wagner tinha do Bioma Cerrado, à época considerado improdutivo devido à baixa fertilidade e acidez dos solos. “Ele vislumbrava o potencial do Cerrado e soube dirigir o centro com maestria. Identificou os problemas com a equipe técnica e os focos dos programas de pesquisa. Tinha um jeito muito especial de comandar, conquistava a todos, sempre nos tratando com educação”, comenta.

Ele recorda que, naqueles tempos, o grande desafio era conhecer o ambiente do Cerrado, a vegetação, o solo e avaliar os recursos hídricos. Wagner apoiou os três grandes programas de pesquisa da Unidade, que buscavam o conhecimento dos recursos naturais do bioma (“Avaliação dos Recursos Naturais e Socioeconômicos dos Cerrados”), como aproveitá-los ou preservá-los (“Aproveitamento dos Recursos Naturais e Socioeconômicos dos Cerrados”) e os sistemas de cultivo que poderiam ser adotados com o uso de tecnologia, como soja, arroz, feijão, mandioca e fruteiras (“Sistemas de Produção para os Cerrados”).

“Para mim, ele foi um dos maiores chefes. Tinha um jeito de trabalhar com as pessoas, um carinho, que conseguia aglutinar as ideias e criar um clima favorável. Os pesquisadores vibravam, com a certeza de que o trabalho daria os frutos que vemos hoje”, recorda.

Colega de Medrado na área de irrigação, Juscelino de Azevedo elogia a capacidade de Wagner. “O Elmar era impressionante: você dava três palavras sobre um tema e ele o desenvolvia. Ele não era só chefe. Era chefe e amigo. Nos estimulava e colaborava com os meios e as ferramentas necessários para levar a cabo as pesquisas”, elogia.

Azevedo ressalta o grande estímulo da chefia na área de pesquisas sobre agricultura irrigada. “A água já era um tema reconhecidamente importante para o Cerrado e a irrigação era a forma de aumentar a produtividade, produzir no período seco, otimizar o uso de equipamentos e mão de obra e garantir a segurança alimentar. Isso era tão importante que foi criado um grupo de água para o Centro-Oeste, com participação da Unidade, da Embrapa Arroz e Feijão e de pesquisadores do Mato Grosso”, lembra. “Em algumas reuniões, Elmar participava como especialista”, acrescenta.

Na época, a irrigação era incipiente no Cerrado, com a produção agrícola concentrada no período chuvoso do ano. “De repente, vimos que irrigar era uma tremenda vantagem. E foi um momento muito bacana”, afirma, citando os programas de irrigação no Bioma, em especial o de trigo irrigado, em que foi designado por Wagner para integrar o grupo multidisciplinar responsável por sua elaboração, em 1981. “Foi um programa tão bem sucedido que deu origem ao PROFIR (Programa de Financiamento de Equipamentos de Irrigação, do governo federal)”, conta.

 

A liderança de um chefe “guru”

“Como gestor do centro, Elmar era de primeira linha. Uma pessoa de mente aberta e de uma fidalguia, um tratamento muito especial com cada um de nós. O fato de ter sido chefe nunca foi uma barreira ao relacionamento com os colegas. A morte dele nos deixa muito tristes”, afirma Pedro Genú, pesquisador aposentado e ex-chefe-adjunto de pesquisa da Embrapa Cerrados.

“Você até podia não concordar com uma ideia dele, mas não deixava de admirá-lo. Era um chefe ‘guru’. Muito do que fiz mais tarde (como gestor) foi graças ao que aprendi com ele, um ser humano espetacular, à frente de seu tempo”, diz o também pesquisador aposentado Carlos Magno da Rocha, ex-presidente da Embrapa (1989-1990) e ex-chefe geral da Embrapa Cerrados.

Quando assumiu a presidência da Embrapa a pedido do então ministro da Agricultura Iris Rezende, Rocha convidou Wagner para assessorá-lo. “A Embrapa passava por um período conturbado. Eu estava com 37 anos, não tinha experiência. E ele me ajudou muito com a experiência dele”, conta. Pouco depois, indicou Wagner para trabalhar na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), onde atuou entre 1989 e 1992. “Éramos muito amigos. Foi uma perda muito grande”, lamenta.

Aposentada desde 2019, a ex-chefe adjunta de administração da Unidade e da Embrapa Agroenergia Maria do Carmo Matias atuou como analista em setores administrativos da Embrapa Cerrados durante a gestão de Elmar Wagner. “Ele tinha uma boa visão de todas as atividades do centro”, conta. O momento de Wagner que mais a marcou foi um discurso para os empregados. “Ele disse, na garagem da Unidade: ‘Vamos domar o solo do Cerrado’. Hoje, a gente vê o agronegócio ‘arrebentando’”, comenta. “Elmar transmitia vibração, garra. Vestia a camisa da Empresa”, completa.

O supervisor do Setor de Implementação da Programação de Transferência de Tecnologia (SIPT) da Unidade, Sérgio Abud, conheceu Wagner quando ainda era estagiário no centro, no final dos anos 1970. “Naquele tempo, éramos poucos e ajudávamos diversas equipes. O Elmar acompanhava tudo o que acontecia e acabava conhecendo os estagiários”, lembra.

Abud destaca que Wagner tinha uma forte presença em todos os processos e etapas. “A equipe era menor que a de hoje e havia um contato muito grande entre os diferentes setores da pesquisa. O interesse dele em entender a interação entre as equipes e de trabalhar o tático entre os pesquisadores fez que ele tivesse uma grande liderança”, analisa.

Para o supervisor do SIPT, saber ser chefe e líder foi um grande diferencial de Wagner, que soube liderar um grupo num tempo em que tudo era novo e, o Cerrado, um ambiente inóspito à agricultura. “Elmar era um visionário. Como líder, acreditava no que fazíamos. Como chefe, nos dava as condições”, resume.

 

Atuação fora da Embrapa

No final da década de 1970, Wagner foi diretor da Sociedade Brasileira de Engenharia Agrícola (SBEA). Foi cedido pela Embrapa ao Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) entre 1984 e 1986, e ao Programa Nacional de Irrigação (PRONI), do qual foi coordenador de agricultura e tecnologia entre 1986 e 1988. 

Trabalhou na sede da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma (Itália), entre 1989 e 1992, como Chefe de Serviço para Cultivos e Pastagens e para Sementes e Recursos Genéticos Vegetais. De volta ao Brasil, foi diretor técnico da Fundação de Apoio a Recursos Genéticos e Biotecnologia “Dalmo Catauli Giacometti” de 1993 a 1996. 

Desde 1993, atuou em 48 consultorias junto a instituições como Banco Mundial, Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), FAO, Ministério do Meio Ambiente e Fundação Getúlio Vargas, além e empresas de consultoria e propriedades rurais. 

Também exerceu cargos de presidente do Conselho Curador da Fundação Franco Brasileira de Pesquisa e Desenvolvimento (FUBRAS), vice-presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Econômico e Social (IBDES), vice-presidente da Associação Brasileira de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (ABRASCIP), vice-presidente da Caixa de Assistência as Profissões (CAP), presidente do Consórcio Brasil-África para o Desenvolvimento Econômico e Social (ABADES) e presidente da Associação de Aquicultores e Pescadores Artesanais da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e Entorno (HAJAPEIXE RIDE/DF).

Atuou, entre 2015 e 2017, como consultor na preparação do Plano Diretor para a Agricultura Irrigada no Distrito Federal e Entorno. Nos últimos anos, atuava como consultor independente, agricultor e piscicultor, tendo sido diretor de Aquicultura da Federação Candanga de Pesca Esportiva, Turística e Ambiental (FCPE). Wagner também mantinha um blog sobre Agricultura Irrigada

Elmar Wagner era viúvo e teve três filhos e quatro netos.

Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados

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