23/10/23 |   Mudanças climáticas  Automação e Agricultura de Precisão  Convivência com a Seca

Encontro sobre sistema irrigado e sustentabilidade da cana-de-açúcar reúne em SP cientistas de órgãos federais e usinas de todo Brasil

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Foto: Marcos Vicente.

Marcos Vicente. - Encontro reuniu quase 300 pessoas da área

Encontro reuniu quase 300 pessoas da área

A adoção da irrigação em parte da área das usinas foi apontada como estratégia de adaptação às mudanças climáticas e incremento da sustentabilidade

O Grupo de Irrigação e Fertirrigação de Cana-de-Açúcar (GIFC), em parceria com a Embrapa Meio Ambiente, realizou em 19 de outubro de 2023 o Encontro Sistema Irrigado e a Sustentabilidade na Produção da Cana-de-Açúcar, com mais de 290 participantes.

Na abertura, a chefe-geral da Embrapa Meio Ambiente, Paula Packer, destacou a importância do evento, que pautou a agricultura sustentável e do futuro, uso racional da água em cenário de mudanças climáticas e economia verde, temas da vanguarda do conhecimento. Também compuseram a mesa de abertura Raffaela Rosseto, presidente do GIFC, José Paulo Stupielo, presidente da Stab-Sul, Luciano Rodrigues, diretor de Economia e Inteligência Estratégica da Única e Jadir Silva de Oliveira, gerente de Meio Ambiente da Siamig.

Luciano Rodrigues abriu o Painel 1. De acordo com ele, 95% da nossa capacidade produtiva tem pegada de carbono auditada e há um espaço enorme para produzir com menos emissão e ganhos de eficiência ambiental. Para Rodrigues, tem havido avanço significativo da eficiência ambiental das unidades produtoras de etanol. Ele ressaltou ainda que a política pública não pode eleger tecnologias, precisa definir princípios – e a diretriz é o Baixo Carbono em todo o ciclo de vida.

Santiago Cuadro, pesquisador da Embrapa e coordenador no Mapa do Zoneamento de Risco Climático da Cana, falou sobre o impacto do clima na flutuação de moagem. Ele ressaltou a importância do mapeamento e classificação do potencial produtivo e seus riscos, sobretudo diante da expectativa de agravamento do déficit hídrico nas regiões produtoras de cana do Centro-Sul, ocasionadas pelas mudanças climáticas. Esse cenário aumenta a importância de medidas de adaptação a essas mudanças.

A pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Marilia Folegatti apresentou a calculadora RenovaCalc, método desenvolvido pela Embrapa para cálculo da intensidade de carbono de biocombustíveis e que, através da política pública do Renovabio, permitiu o lastro dos CBIos equivalentes a uma redução de emissão de 101.211.466 t CO2eq “evitadas”. Além de atender a outras políticas públicas, a RenovaCalc tem servido de base para programas governamentais e iniciativas setoriais, gerado massa crítica para discussões da política energética nacional, e contribuído para protocolos internacionais para o setor de biocombustíveis.

A pesquisadora ressaltou ainda a importância do uso da RenovaCalc como ferramenta orientadora para melhoria do desempenho ambiental dos produtos agrícolas e agroenergéticos, por explicitar as principais fontes de geração de GEE, além de destacar fontes importantes de emissão, como a quantidade utilizada de calcário, nitrogênio e diesel para produzir cada tonelada de cana e, ainda, a importância de maiores produtividades para reduzir a intensidade de carbono e eficiência ambiental.

Folegatti também destacou a HidroCalc, uma ferramenta que indica a pegada de escassez hídrica na produção sucroenergética, ferramenta útil para subsidiar o uso eficiente da água na agricultura.

Logo depois, Livia Ignácio, Head América do Sul da Bonsucro, principal plataforma certificadora e padrão global de sustentabilidade para cana-de-açúcar, abordou o impacto das mudanças climáticas, secas e eficiência de uso da água na sustentabilidade. Para ela, diante das incertezas do clima, é preciso fomento à eficiência e resiliência, com investimento em projetos de impacto. A adoção de padrões Bonsucro nos indicadores de clima e água incluem avaliação de riscos socioambientais e plano de ação, plano de mitigação e resiliência climática, mapeamento e plano de gestão para biodiversidade, solo, recursos hídricos e manejo integrado de pragas.

A produção irrigada e a sustentabilidade no contexto nacional foram abordadas pelo professor da UFV Everardo Mantovani. De acordo com o professor, em geral, ainda não é claro para vários setores da sociedade a importância da agricultura irrigada. “Temos que trabalhar estratégias de informação e comunicação para fomentar o entendimento do tema e sobre o uso real da água”.  Segundo estudos de sua equipe, confirmados pela Agência Nacional de Águas (ANA), no Brasil a irrigação utiliza menos de 50% da fração da vazão bombeada dos rios, e não 50% de toda água dos rios brasileiros. Ao contrário do que se veicula, a irrigação usa apenas 2,36% da vazão média dos rios brasileiros, e 99,9% dessa água retorna para a atmosfera purificada pela transpiração das plantas.

Mantovani apontou ainda estimavas da FAO do crescimento da população mundial para 9 a 10 bilhões de habitantes até 2050. Consequentemente, a FAO estima a necessidade de aumento de 60 a 70% da produção global de alimentos. Segundo a FAO, apenas 10% desse aumento da produção devem vir do aumento de área plantada, enquanto 90% deverão vir do aumento de produtividade, sobretudo pelo e emprego de tecnologias como o uso racional da agricultura irrigada.

Ele ressaltou ainda o grande potencial do Brasil para contribuir com essa demanda global por alimentos e bioenergia, mas que a adoção da agricultura irrigada no país ainda está muito aquém de seu potencial. Evidenciou também o avanço da compreensão da sociedade das políticas públicas que fomentam a irrigação como estratégia de adaptação às mudanças climáticas e como promotora de aumento expressivo da produção de alimentos, da redução da pressão por desmatamento, do aumento da renda e evasão rural, além do sequestro de carbono e da sustentabilidade.

Finalizando o primeiro painel, Og Vieira Rubert, gerente executivo da superintendência de regulação de usos de recursos hídricos da ANA, falou sobre regulamentação e disponibilidade hídrica para irrigação. Atualmente, entre uso animal (8,4%), irrigação (49,8%), mineração (1,7%), indústria (9,7%), termelétrica (4,5%), humano rural (1,5%) e humano urbano (24,3%). Rubert também apresentou muitas evoluções no processo de regulação e outorga pela ANA, sobretudo na automatização de outorgas, aprimoramento dos parâmetros técnicos e forte atuação conjunta com usuários e comitês de bacia para aprimoramento da distribuição e uso racional da água. Nesse sentido, mostrou o Projeto Outorga 4.0, instrumento de modernização dos pedidos na ANA.

No que diz respeito à esperada expansão da produção irrigada de 4,05 milhões de hectares até 2040, que representa mais de 76% de crescimento da demanda, Rubert indicou que um dos grandes desafios é a “des-integração” da regulação entre cada unidade da federação. Somente 7% das outorgas do país ocorrem sob responsabilidade da ANA, enquanto outros 93% estão sob responsabilidade de cada unidade da federação, sob as mais distintas regras, parâmetros e processos. Nesse sentido, um grande esforço tem sido empregado pela Agência para integração dos sistemas de regulação, que inclusive facilitaria a integração de outras políticas regionais. Para esse fim, recentemente, a ANA criou a COINT (Coordenação de Fomento à Integração Nacional de Regulação de Usos).

O segundo Painel começou com o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Vinicius Bufon, que abordou a produção irrigada, mudanças climáticas e a eficiência ambiental da produção sucroenergética. Bufon realizou um exercício da visão do padrão de sustentabilidade que se deseja das usinas, por meio da adoção de irrigação como estratégia de adaptação às mudanças climáticas.

Ele enfatizou que a adoção da estratégia não requer irrigar a maior parte das áreas, e nem a adoção de irrigação plena – que atende 100% da demanda hídrica da cana. Como alternativa, indicou dois caminhos. O primeiro é a irrigação de salvamento, uma estratégia que entrega apenas 3-4% de toda demanda hídrica da cultura, mas que garante a brotação do canavial nas condições de déficit hídrico severo, garantindo a longevidade adequada, mesmo após anos de seca severa.

A outra estratégia apresentada foi a irrigação deficitária, por gotejamento ou pivô. Chama-se deficitária porque entrega apenas 20 a 25% da demanda total da cana, mas com grandes efeitos na produtividade, longevidade, eficiência de uso da terra, redução de custo da tonelada de cana, além da redução da demanda de corretivos, fertilizantes e diesel para produzir cada tonelada de cana.

Considerando dados reais de uma usina na região de Ribeirão Preto, com moagem de aproximadamente 5 milhões de toneladas, Bufon apresentou dois cenários de adaptação às mudanças climáticas. No primeiro, 32% da área da usina receberiam irrigação, sendo 5% com irrigação deficitária de gotejamento, e 27% com irrigação de salvamento. No segundo cenário, considerou-se adoção da irrigação em 45% da área, sendo 8% com irrigação deficitária e 37% com irrigação de salvamento.

No primeiro cenário, a pesquisa evidenciou aumento de aproximadamente 10% na eficiência de uso da terra, com economia de custo de formação de canaviais e viveiros da ordem de R$ 26 milhões, enquanto no segundo cenário, a eficiência do uso da terra aumentaria aproximadamente 20%, com economia de R$ 42 milhõs em custo de formação de canavial. No primeiro cenário, a pequena fração irrigada conseguiria aumentar 3,9% a produtividade média de toda usina, e 15% a longevidade, enquanto o segundo cenário aumentaria 4,2% a produtividade e 21% a longevidade do canavial.

Os 32% de área irrigada no primeiro cenário lastreariam o risco climático de 49% da moagem própria, e 36% da moagem total, incluindo a de fornecedores, ao passo que 45% de área irrigada lastreariam 66% da moagem própria e 50% da moagem total da usina contra riscos climáticos.

No primeiro cenário, uma redução de 12% do raio médio traria economia de R$ 12 milhões no custo de transporte e, no segundo cenário, 17% de redução de raio médio traria economia de R$ 17 milhões, além de toda redução das emissões de CO2 do diesel utilizado no transporte. Bufon ainda evidenciou, no cenário 1, economia de 14, 13, 6, 4 e 7% no consumo de calcário, gesso, fósforo, nitrogênio, potássio, por tonelada de cana produzida, respectivamente, além de 6% de diesel e 7,8% de etanol e gasolina.

No cenário 2, as economias saltam para 19, 18, 8, 6 e 10% no consumo de calcário, gesso, fósforo, nitrogênio, potássio, por tonelada de cana produzida, respectivamente, além de 7,7% de diesel e 10,2% de etanol e gasolina.

Finalizando, Bufon mostrou que, se ao invés do investimento na irrigação de salvamento e deficitária na menor fração da área da usina, a usina fizesse opção pela expansão horizontal, no cenário 1, seria necessária a adição de 6.900 ha de expansão, a um custo de formação de canavial de aproximadamente R$ 110 milhões de reais, para se entregar a mesma moagem adicional, e ainda perdendo-se todas as eficiências de uso da terra, redução de custo de formação de lavoura, de viveiros, etc. E essa opção ainda só seria possível se houvesse terra disponível na região da usina. Se a disponibilidade de terra para expansão ainda fosse em terras piores e mais distantes, quantidade muito maior aos 6.900 ha seria necessária. No cenário 2, a demanda de expansão seria de 9.900 há, com custo de formação de canavial de aproximadamente R$ 158 milhões.

Em complemento, a pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente NIlza Patrícia Ramos, mostrou que esses impactos do cenário 1 e 2 gerariam grandes efeitos na emissão de carbono, nota de eficiência ambiental e número de Cbios lastreado pelas usinas. Em comparação com uma emissão de 448 mil CBios no cenário de produção atual, todo em sequeiro, a adoção do cenário 1, com irrigação em 32% da área acrescentaria mais 44 mil Cbios e uma receita adicional de quase R$ 6 milhões, ao passo que no cenário 2, com algum tipo de irrigação em 45% da área da usina, seriam adicionados 59 mil Cbios e uma receita de quase R$ 8 milhões. A pesquisadora mostrou que a irrigação de salvamento reduz a intensidade de carbono em até 2,19 Kg de CO2 equivalente por tonelada de cana, enquanto a irrigação deficitária com gotejamento pode reduzir a intensidade de carbono em até 8,44 Kg de CO2 equivalente por tonelada de cana.

O engenheiro agrícola Osvaldo de Brito, consultor da HidroEng, tratou de fertirrigação do nitrogênio, como forma de aumentar eficiência ambiental e CBios, apresentando caso de uma usina no Pará. 

O engenheiro Júlio Naves da usina Alta Mogiana, apresentou resultados do projeto Remonte Zero. Segundo ele, é uma prática fundamental para usinas fazerem uso mais eficiente da vinhaça e, sobretudo, da água residuária ao redor da usina. Naves mostrou que a reaplicação da água residuária na mesma área gera grandes perdas de produtividade e na qualidade da cana, além do desperdício do recurso hídrico. No projeto Remonte Zero, a usina Alta Mogiana zerou a reaplicação de lâminas na mesma área, ampliando a área irrigada e trazendo ganhos expressivos de produtividade, qualidade e longevidade do canavial na bacia de aspersão.

Representantes do Grupo Pedra Agroindustrial, Raizen, BungeBP, Ipiranga Agroindustrial, Jalles Machado e Santa Adélia compartilharam ainda suas experiências e convicção de que, diferente do que se acreditava anos atrás, não é mais possível se pensar no futuro do setor sucroenergético brasileiro sem considerar a irrigação como estratégia para adaptação às mudanças climáticas e aumento das eficiências agronômicas, financeiras e ambientais. Compartilhando seus planos de investimento e lutas do aprendizado, concluíram que, respeitando a curva de aprendizado e com bom planejamento, é plenamente possível dominar a tecnologia da produção irrigada sustentável em uma fração das áreas das usinas. 

Para finalizar, o GIFC anunciou o lançamento do Grupo de Estudos de Fertirrigação, uma ação para produzir conteúdo técnico de qualidade para o uso eficiente da vinhaça nas usinas.

Cristina Tordin (MTb 28.499/SP)
Embrapa Meio Ambiente

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