•  

    O sucesso que a Embrapa e organizações estaduais de pesquisa agropecuária alcançaram em criar a agricultura tropical brasileira e mantê-la competitiva nos dias de hoje não é obra do acaso. Resulta de diagnósticos precisos e, sobretudo, da definição de agendas institucionais estratégicas que definiram rumos e foco da pesquisa agrícola no passado, permanecem orientando-os no presente e tendem a fazê-lo no futuro visível.

    Os diagnósticos e as agendas institucionais estratégicas foram ambos definidos e são constantemente ajustados pela pressão que o mercado naturalmente exerce, via relação entre lideranças científicas e os segmentos da cadeia produtiva, sobre a definição da programação de pesquisa.

  •  

    Eficiência Produtiva

    A primeira dessas agendas é a busca permanente pela eficiência produtiva da agricultura. É o que, no passado recente, construiu a possibilidade de três safras num mesmo ano agrícola e, hoje, garante o constante crescimento da produtividade das lavouras e criações e os sucessivos recordes de safra. Foi definida, em 1970, como a principal justificativa para a reforma da estrutura de pesquisa agrícola federal e transformação do antigo Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação Agrícola (DNPEA), do Ministério da Agricultura, em uma empresa, a Embrapa.

    O documento “Metas e Bases para a Ação de Governo”, daquele ano, estabeleceu, entre suas quatro grandes prioridades, promover uma “revolução na agricultura e no abastecimento”. Significava criar, nas áreas agrícolas tradicionais do Sul e Sudeste e nas áreas novas do Centro-Oeste, Norte e Nordeste, uma agricultura pujante na produção e competitiva em termos de custos que lograsse, ao mesmo tempo, acabar com as crises no abastecimento interno e conquistar mercados nos países importadores de alimentos, energia e fibras.

  •  

    Excelência científica

    A segunda agenda estratégica é a busca constante pela excelência científica no desenvolvimento de conhecimentos e tecnologias, ou seja, a capacidade de trafegar nas áreas de fronteira do conhecimento para garantir a oferta de tecnologias mais sofisticadas e precisas, cruciais para manter a competitividade das fazendas brasileiras ante as concorrentes dos países desenvolvidos.

    Essa agenda estratégica também foi definida antes mesmo da criação da Embrapa, no histórico "Livro Preto", como foi apelidado o documento que propôs a reforma do sistema de pesquisa agrícola e criação da empresa. O diagnóstico da época mostrou que eram escassos os recursos humanos com formação suficiente para enfrentar os desafios científicos da empreitada e recomendou a montagem de um amplo programa de treinamento em pós-graduação nos principais centros de excelência científica do mundo e o também necessário esforço contínuo de modernização de laboratórios  e campos experimentais.

  •  

    Produção sustentável

    A terceira agenda estratégica é a preocupação constante com o uso racional dos recursos naturais e com a conservação ambiental, que pode ser descrita numa expressão mais atual, como busca pela “produção sustentável”. Ao contrário das anteriores, não foi uma encomenda do planejamento estatal: já era uma prática estabelecida na programação de pesquisa do DNPEA e dos institutos de pesquisa agrícola, porque é condição essencial à eficiência produtiva, dado que disfunções tais como erosão dos solos ou gastos elevados com defensivos químicos comprometem a eficiência da produção agrícola.

    Em verdade, a preocupação dos cientistas com os impactos da produção sobre os recursos naturais influenciou o planejamento estatal que, em 1970, criou o Projeto Radam para inventariar, além dos recursos minerais, a vegetação e a aptidão e o uso dos solos na Amazônia e, em 1973, instituiu a Secretaria Especial de Meio Ambiente, “orientada para a conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos naturais”. A questão ambiental, como demanda da sociedade urbana, só começaria a emergir nos anos 1980 com o advento das organizações não governamentais dedicadas ao tema.

  •  

    Inclusão produtiva

    A quarta agenda estratégica é a preocupação em reduzir as desigualdades sociais e econômicas que estruturam o quadro de pobreza no espaço rural do Brasil. Tradicionalmente associadas às questões de acesso à terra, de migrações rural-urbanas do Norte e Nordeste para o Sudeste, por conta de desastres climáticos, como as secas, ou simples ausência de emprego e renda, eram demandas endereçadas às instâncias encarregadas de políticas públicas como reforma agrária e assistência social.

    Soluções tecnológicas para o problema da pobreza rural só se tornaram uma clara demanda da sociedade para a pesquisa agrícola a partir dos anos 1990, quando, com a consolidação da Agricultura Tropical, tornou-se evidente que o acesso à tecnologia (e não mais a posse da terra ou o trabalho), passou a ser o fator determinante para a geração e apropriação de riquezas no campo, com duas resultantes antagônicas: a concentração de riquezas nas mãos de uns e a decorrente exclusão produtiva e social de outros produtores.

  •  

    É perceptível que todas essas agendas estratégicas guardam estreita relação entre si e que existe uma hierarquia entre elas. A busca pela eficiência produtiva continua a ser a agenda estratégica mais determinante por duas razões: de um lado, como se viu acima, para se viabilizar ela requer que se invista na busca da excelência científica e do uso racional dos recursos naturais e conservação ambiental; de outro, sua operacionalização gera os recursos adicionais necessários para viabilizar esses investimentos e efetivar essas estratégias, seja no plano do desenvolvimento tecnológico, seja no plano da produção agrícola.

    Conforme a história recente mostrou, superar as desigualdades sociais e econômicas e pobreza rural não é condição essencial para ampliar a eficiência produtiva na agricultura brasileira: essa pode existir sem aquela. Mas, a superação dos problemas de produção e de abastecimento e riqueza gerada pela eficiência produtiva instalada autorizou a sociedade a desejar que a pesquisa agrícola alocasse parte de seu esforço tecnológico na tentativa de superação desse desequilíbrio, estabelecendo assim essa agenda estratégica.

    Da mesma maneira, o encaminhamento das agendas estratégicas já estabelecidas permite que novas demandas passem a requerer a atenção e o investimento da pesquisa estatal, estruturando novas agendas estratégicas para as organizações de C&T. Nos últimos anos, estabelecidas as soluções satisfatórias para a eficiência produtiva, excelência científica, produção sustentável e uso racional de recursos naturais, o “protagonismo do consumidor” vem se estruturando como nova agenda estratégica, buscando intervir na definição dos programas de pesquisas em busca da customização dos produtos e segmentação gastronômica, qualidade e variabilidade nutricional, produtos nutracêuticos e assim por diante.