Biodiversidade

Conteúdo migrado na íntegra em: 08/12/2021

Autor

Evie dos Santos de Souza - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia

 

BIODIVERSIDADE DO BIOMA CERRADO

 

INTRODUÇÃO

O termo biodiversidade ou biodiversidade biológica refere-se à variedade de vida existente na Terra. Abrange a variedade de espécies de flora, fauna e microorganismos, de funções ecológicas desempenhadas pelos indivíduos e a variedade de comunidades, habitats e ecossistemas formados pelos organismos. Portanto, a biodiversidade refere-se tanto ao número de diferentes categorias biológicas quanto à abundância relativa dessas categorias.

Comunidade é um conjunto de todas as populações de organismos existentes numa determinada área. Por exemplo: a comunidade vegetal do Cerrado.

O termo hábitat refere-se ao lugar ocupado por um organismo ou no qual a espécie é nativa. Esse termo estabelece o local e as condições ambientais para o estabelecimento de um organismo. Por exemplo, o hábitat do lobo guará é o Cerrado.

O termo ecossistema é usado para um conjunto de relações entre as comunidades, que são diferentes populações de indivíduos, e seu meio ambiente.

Bioma é uma comunidade biótica que se caracteriza pela uniformidade fisionômica da flora e da fauna que a formam e se influenciam mutuamente.

O Brasil é considerado como um dos países de maior diversidade biológica por abrigar cerca de 1,5 milhão de espécies, entre vertebrados, invertebrados, plantas e microrganismos que representam aproximadamente 10 % das espécies existentes no planeta. Toda essa riqueza biológica está distribuída nos diferentes ecossistemas florestais, não florestais, aquáticos, montícolas, costeiros e marinhos existentes no País.

O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro. Ocupa uma área de aproximadamente 1,8 milhão de km2, ou seja, cerca de 21 % do território nacional e corta diagonalmente o País no sentido nordeste-sudoeste (Figura 1).

A área central do Cerrado limita-se com quase todos os biomas, à exceção dos Campos Sulinos e os ecossistemas costeiro e marinho. Existem também porções de Cerrado na Amazônia, na Caatinga e na Mata Atlântica (por exemplo, na região de Barbacena, MG). Tais áreas são remanescentes de um processo histórico e dinâmico de contração e expansão das áreas de Cerrado e de florestas, provocado por alterações climáticas ocorridas no passado.

Nesses processos de contração e expansão do bioma, houve grande enriquecimento de espécies no Cerrado a partir de contribuições dos biomas vizinhos, que tornou rica a biodiversidade biológica do Cerrado. Por exemplo, cerca de 82,6% do número estimado de espécies de aves desse bioma são dependentes, em maior ou menor grau, das áreas florestais da Mata Atlântica e da Amazônia. Essas aves provavelmente invadiram o Cerrado pelas porções sudeste e noroeste. Mais de 50% das espécies de mamíferos terrestres não voadores do Cerrado estão associados às Matas de Galeria e estudo mais recente, incluindo morcegos e formas semi-aquáticas e aquáticas, revelaram que esse número pode ser muito maior, chegando a 82% das espécies de mamíferos que mantêm alguma associação com as Matas de Galeria e que correspondem à parte dos ambientes florestais existentes no Cerrado. Existe um mosaico de formações vegetais que variam desde campos abertos até formações densas de florestas que podem atingir os 30 metros de altura (Figura 2).

Entretanto, a dinâmica savana-floresta também ocasionou a perda de espécies como aconteceu na fauna de mamíferos, que era mais diversificada do que a atual. Várias e magníficas espécies pastavam no Cerrado até bem recentemente. Durante o último período glacial, entre 12 e 20 mil anos atrás, mamíferos como Eremotherium laurillardi (um tipo de preguiça-gigante) ou Haplophorus euphractus (um grande tatu) ou ainda Toxodon platensis (um animal assemelhado ao rinoceronte) (Figura 3), desapareceram no Brasil. Hoje, o maior mamífero encontrado é a anta (Tapirus terrestris) que não é restrita a esse bioma.

Mesmo considerando essa diminuição na diversidade biológica, que provavelmente também afetou outros grupos, a riqueza de espécies no Cerrado ainda é muito expressiva, podendo representar em média 33 % da diversidade biológica do Brasil.

Figura 1. Distribuição do bioma Cerrado no Brasil, representado em cor laranja.
Fonte: IBGE (1993)

 

Figura 2. Formações vegetais no Cerrado. 

Figura 3. Representantes da megafauna, extintos no último período glacial. As espécies apresentadas são: (A) Eremotherium laurillardi, (B) Haplophorus euphractus e (C) Taxodon platensis.
Fonte: Cartele (1994)

 

BIODIVERSIDADE DO BIOMA CERRADO

 

RIQUEZA DE ESPÉCIES

O Cerrado é considerado a mais diversificada savana tropical do mundo. O número de espécies vegetais supera 6.000. A riqueza de espécies de peixes, aves, mamíferos, répteis, anfíbios e invertebrados é igualmente grande, ocorrendo a metade das espécies de aves, 45% dos peixes, 40% dos mamíferos e 38% dos répteis com relação ao Brasil. Estima-se que nada menos do que 320 mil espécies ocorram no Cerrado. Esse valor representa cerca de 30% de tudo o que existe no Brasil, pelo menos, segundo as estimativas realizadas. Portanto, a biodiversidade do Cerrado é elevada, mas geralmente menosprezada.

 

ESTIMATIVA DE RIQUEZA DOS PRINCIPAIS GRUPOS ANIMAIS E VEGETAIS NO BIOMA CERRADO

Grupo

Cerrado

Brasil (%)

Brasil

Mundo

Invertebrados

67.000

20,0

335.000

?

Plantas

6.600

12,0

55.000

280.000

Peixes

1.200

45,0

2.700

24.800

Aves

837

49,9

1.600

9.700

Mamíferos

212

40,5

524

4.600

Répteis

180

38,5

468

6.500

Anfíbios

150

29,0

517

4.200

Dados extraídos de várias fontes.

 

DIVERSIDADE POR GRUPOS

PLANTAS

Apesar da imprecisão dos dados e da divergência entre os autores, acredita-se que existam aproximadamente 7000 espécies de plantas com flores no Cerrado, mas esse número pode chegar a 10.000. O nível de endemismo nesse grupo é alto, chegando a 44 %. O grupo é de longe o mais diversificado entre as plantas porque existe uma diversidade de ecossistemas que compartilham a paisagem do Cerrado. Cerca de 35% das plantas do Cerrado são típicas da formação Cerrado sentido restrito; 30% de Matas de Galeria, 25% de áreas campestres e 10% ainda não estão classificadas (Figura 4).

Figura 4. Distribuição das espécies de plantas em função dos principais ambientes do Cerrado.
Fonte: Mendonça et al. (1998)

 

DIVERSIDADE POR GRUPOS

 

MAMÍFEROS

Entre os mamíferos, a riqueza desse bioma pode chegar a 199 espécies distribuídas nos seguintes grupos:

  • Didelphiomorpha: grupo que abrange os gambás, cuícas e catitas;
  • Xenarthra: grupo representado pelos tamanduás, pelas preguiças e pelos tatus;
  • Chiroptera: grupo que abriga os morcegos em geral;
  • Primates: grupo onde estão classificados os micos e os macacos;
  • Carnívora: grupo que abrange os gatos, as lontras, os quatis, as raposas os cachorros selvagens e os lobos;
  • Cetácea: grupo representado pelas baleias, pelos botos e pelos golfinhos;
  • Perissodactyla: grupo representado pelas antas;
  • Artiodactyla: grupo representado veados, caititus e queixadas;
  • Rodentia: grupo que abrange os roedores em geral como os ratos, os camundongos, as capivaras, as pacas e as cutias;
  • Lagomorpha:grupo dos coelhos.

 

O grupo mais diversificado é o dos morcegos, com 81 espécies registradas até o momento

Diversidade das ordens de mamíferos com ocorrência no Cerrado, número de espécies endêmicas e ameaçadas de extinção

Grupo

Espécies

Endêmicas

Ameaçadas

Didelphiomorpha (marsupiais: gambás)

17

2

 

Xenarthra (tatus, tamanduás e preguiças)

11

 

3

Chiroptera (morcegos)

80

1

3

Primates (macacos, sagüis, micos)

7

   

Carnivora (cães selvagens, lobos, gatos selvagens, lontras, etc.)

22

 

10

Cetacea (baleias e golfinhos)

2

   

Perissodactyla (antas)

1

   

Artiodactyla (porcos selvagens; cervos e veados, etc.)

6

 

1

Rodentia (roedores)

52

16

4

Lagomorpha (lebres e coelhos)

1

   

Total

199

19

21

Dados extraídos de várias fontes.

 

ENDEMISMO

Uma espécie é endêmica quando é nativa de uma única área geográfica. Se essa espécie estiver ameaçada de extinção, o que já ocorre nos grupos Xenarthera, Chiroptera, Carnivora, Artiodactyla e Rodentia, poderá desaparecer completamente do planeta.

Sob o ponto de vista da conservação, na nova lista das espécies de mamíferos ameaçadas de extinção, constam 21 espécies oficialmente reconhecidas. O nível de endemismo dos mamíferos do Cerrado pode ser considerado baixo, pois somente 9,5 % das espécies são exclusivas da região

No caso das aves, a riqueza estimada para o bioma é de 837 espécies, embora descrições de novas formas ainda estejam acontecendo.O nível de endemismo das aves do Cerrado é baixo, chegando a aproximadamente 4% do total de espécies registradas. Apesar desse nível, o número de espécies de aves que pode ser encontrada em diferentes localidades varia grandemente. Para o grupo, 23 espécies são consideradas como ameaçadas de extinção.

A diversidade dos répteis é igualmente expressiva para o Cerrado e o número de espécies endêmicas é bastante elevado, mas varia de um grupo ao outro. A diversidade de répteis pode chegar a 177 espécies, sendo o grupo das serpentes o mais diversificado. Apenas uma espécie está ameaçada de extinção, o lagartinho-do-cipó.

Grupo

Espécies

Endêmicas

% Endemismo

Plantas

7.000

3.080

44

Mamíferos

199

19

9,5

Aves

837

29

3,4

Anfíbios

150

42

28

Peixes

1.200

350

29

Répteis

177

20

17

Dados extraídos de várias fontes