01/09/96 |

Cientistas correm para salvar animais em extinção

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Brasil tem oito raças em estado crítico e seis ameaçadas de extinção. Embrapa criou banco genético para preservar animais  

Diversas raças brasileiras de suínos, bovinos, búfalos, ovinos, caprinos e eqüinos estão desaparecendo. Algumas delas não possuem mais do que 100 exemplares. A extinção, entretanto, não é apenas um problema sentimental. Junto com uma raça pode desaparecer uma característica de rusticidade, adaptação ou mesmo de resistência a uma doença. E se o animal sumir, esta característica não pode mais ser transferida para outra raça, comercialmente mais importante. É contra isto e contra o tempo que pesquisadores da Embrapa estão trabalhando. Preocupados em criar uma espécie de Arca de Noé do Século XXI, eles correm atrás do prejuízo, tentando salvar animais que para o criador não têm importância, mas para a ciência podem ser fundamentais.

A relação dos animais em risco de extinção no mundo é editada pela FAO. A última edição traz os animais domésticos ameaçados e em estado crítico. O Brasil participa da lista com oito raças em estado crítico e seis ameaçadas. Em estado crítico são aquelas com menos de 20 machos em idade de reprodução e menos de cem fêmeas. Nestal situação o Brasil têm o búfalo Baio; os bovinos Mocho Nacional, Crioulo Lageano, Curraleiro e Lavinia; o cavalo Lavradeiro e o porco Mundi. Estima-se que em 1996 desapareçam 10% das 448 raças ameaçadas de extinção em todo mundo A perda é equivalente a quase uma raça de animal extinta por semana.

O pesquisador Arthur Mariante, da Embrapa Recursos Genéticos, foi o responsável pelo levantamento dos dados brasileiros do relatório. Ele explica que animais foram desaparecendo mais ou menos da mesma maneira. Eles foram trazidos ao Brasil em geral por portugueses e espanhóis, mas nas últimas décadas os criadores substituíram estas raças, tipicamente brasileiras por outras, naquele momento mais produtivas. Os animais foram, então, condenados ao desaparecimento.

O que os criadores não esperavam, mas os pesquisadores sabiam, é que esses animais têm características, obtidas ao longo dos séculos, que podem ser úteis aos que hoje são criados comercialmente. Por estarem no país há quase cinco séculos, eles sofreram uma seleção natural e só sobreviveram os que desenvolveram características de adaptabilidade que são importantíssimas para a sobrevivência, como resistência a doenças ou ao clima. O Crioulo Lageano, por exemplo, é um animal que adaptou-se bem ao clima frio do planalto catarinense, uma característica que não existia nos animais originais. Já o Cavalo Pantaneiro suporta altas temperaturas e clima muito úmido, típico do Pantanal. Por isso é que cientistas e até mesmo alguns criadores particulares, como Noés modernos, assumiram o desafio de preservá-los. Há um pouco de poesia nisto, mas muito mais de ciência e negócio.

Hoje são animais de 24 raças diferentes cuja preservação é coordenada pela Embrapa. Eles estão espalhados pelo Brasil inteiro, distribuídos em 17 núcleos de conservação ou armazenados em botijões de nitrogênio líquido. Neste segundo caso, o sêmen ou embrião estão a uma temperatura 196 graus abaixo de zero e assim pode ficar por dois mil anos. Atualmente existem 21 mil doses de sêmen e aproximadamente 200 embriões preservados nestas condições.

Estes animais, em botijões ou no campo, são como um «caminhão de DNA», carregados de peculiaridades genéticas de bastante interesse para os pesquisadores. Eles podem ter, por exemplo, resistência a algumas das doenças que afetam outras raças. E os pesquisadores podem, por exemplo, isolar os genes que garantem esta imunidade, e transferi-los para outras raças mais produtivas. Em termos econômicos o resultado pode ser impressionante. O Brasil gasta hoje, por ano, cerca de 2 bilhões de dólares apenas com produtos veterinários.

Entre os exemplos da importância genética desses animais está o cavalo Pantaneiro. São 10 mil, com enorme capacidade de resistir à anemia infecciosa eqüina, causada por um vírus semelhante ao HIV.

Nos bovinos um dos destaques é o gado Curraleiro, conhecido também como Pé-Duro, que além de sobreviver nas condições adversas da caatinga, apresenta também resistência a uma doença transmitida por carrapatos, fatal para a maior parte das raças bovinas e, mesmo assim, só conta com cerca de 300 exemplares entre Nordeste e Centro-Oeste. Além do curraleiro, os pesquisadores têm resgatado outras raças como o Mocho Nacional (cerca de 100 animais apenas), Crioulo Lageano (entre 200 e 300), Pantaneiro (entre mil e dois mil) e Caracu (20 mil).

Outros exemplos são os caprinos nordestinos das raças Mxotó, Marota e Repartida, que apresentam grande capacidade de adaptação ao sertão nordestino, além de alto índice de produção de leite. No Sul, há a ovelha Crioula Lanada, a primeira a povoar o Brasil e restrita hoje a cerca de 300 exemplares. Além de ser resistente a algumas das principais doenças dos ovinos, o macho tem a curiosidade de desenvolver até seis chifres. Sua lã, embora de baixa qualidade, apresenta cores que passam por todos os tons de bege e cinza.

Em alguns casos os animais acabam salvos pela descoberta dos criadores de suas vantagens. O boi Caracu, por exemplo, era ignorado, e até poderia estar ameaçado de extinção se em algumas provas de ganho de peso não chamasse a atenção dos criadores. Passou a haver fila na busca de sêmen. No MS, criadores certos da validade do investimento na preservação, doaram cavalos pantaneiros para que a Embrapa criasse um núcleo destes animais.

Dentro de dois anos, estes animais vão ganhar uma área especial para preservação, estudos e visitação. Será o Parque da Diversidade de Animais Domésticos no Brasil, o primeiro deste tipo no país. Ele está sendo construído na Fazenda Sucupira, da Embrapa, em Brasília, em uma área de 912 hectares. Sua concepção é baseada nos parques-fazendas americanos e ingleses. No parque, pesquisadores, estudantes e o público em geral poderão conhecer animais que são parte de nossa história e que hoje vivem sob ameaça constante da extinção.

O presidente da Embrapa, Alberto Portugal explica que o grande trunfo é pensar no futuro. «Não sabemos como vai ser a produção animal no século XXI, mas certamente a engenharia genética vai ter participação decisiva. Por isso estamos mantendo um banco genético que nos permita estar preparados para os avanços que a ciência trará».  

Tema: Atividades Temáticas\Biotecnologia 

Mais informações sobre o tema
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