01/11/96 |

Índios recuperam sementes dos antepassados

Informe múltiplos e-mails separados por vírgula.

Sementes retiradas há cerca de 20 anos para conservação em laboratórios da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, estão servindo para que índios possam plantar da mesma forma que seus antepassados. Além de permitir aos indígenas recuperar sementes cultivadas há séculos e que consideravam perdidas, o trabalho da Embrapa vai estimular a diversificação das culturas e dar maior autonomia às decisões.

A entrega foi feita pelo presidente da Embrapa, Alberto Duque Portugal, com a presença do presidente da Funai, Júlio Marcos Gaiger. Os presidentes também assinaram convênio para permitir a identificação e o aproveitamento do material genético existente em comunidades indígenas brasileiras. Esta é a primeira ação concreta no sentido de ordenar a coleta, conservar e caracterizar os recursos genéticos da fauna e da flora em terra indígenas. A solenidade contou ainda com a presença do ministro da Agricultura e do Abastecimento, Arlindo Porto.

Uma das vantagens do convênio é que, além dos pesquisadores poderem utilizar o conhecimento indígena sobre o que for coletado, os índios de qualquer lugar do Brasil terão acesso ao material selecionado e, inclusive, ao já existente no Banco de Germoplasma da Embrapa. Isso vai contribuir para evitar o que ocorre atualmente: tribos perdendo todas ou parte de suas sementes tradicionais e técnicas de cultivo, pela substituição e conseqüente dependência de sementes e insumos comerciais.

O trabalho de preservação que a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia realiza com variedades coletadas em todo o Brasil está sendo comemorado por índios Kraôs, do Tocantins e Xavantes, do Mato Grosso do Sul. No caso dos Kraôs, sementes de milho e amendoim retiradas de suas aldeias e preservadas nos laboratórios da Embrapa agora podem novamente ser cultivadas.

Essas variedades, assim como as de abóbora, inhame, feijão e algodão, desapareceram, substituídas pelos próprios índios por sementes compradas no mercado. Hoje, eles acreditam que erraram ao desprezar as variedades originais, cultivadas pelos antepassados e que eram mais adaptadas às suas necessidades. Na busca das sementes originais, descobriram que elas eram conservadas nos laboratórios de preservação da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Para recuperar estas sementes, os índios entraram em contato com aquela Unidade de Pesquisa, que conservou as sementes e realizou a multiplicação. Como resultado, uma comitiva de líderes indígenas, indigenistas da Funai e técnicos, esteve na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia no dia 17 de outubro para buscar as sementes.

Para receber as sementes, estiveram na Embrapa dois líderes Kraô, Ivo Te Pruk Kraô e José Miguel Kronk Kraô. O indigenista Fernando Eschiavini, da Funai, conta que as sementes irão beneficiar dois mil índios de 12 aldeias. Eles ocupam uma área de aproximadamente 2.300 km² de cerrados.

Os índios aproveitaram a ocasião para conhecer o trabalho dos pesquisadores. Eles visitaram laboratórios e souberam como as sementes são selecionadas, multiplicadas e conservadas. Os líderes indígenas entraram em uma câmara fria, onde a temperatura é de 20ºC negativos para ver onde está armazenado o germoplasma.

Na mesma visita dos índios Kraô, um índio Xavante, também se juntou ao grupo. O pesquisador Antônio Carlos Guedes lembra que, em novembro de 1995, índios Xavantes do Mato Grosso do Sul receberam da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia sementes de milho. Eles também tinham o mesmo problema. As sementes originais desapareceram, substituídas por variedades comerciais.

As sementes que os índios receberam foram multiplicadas na Unidade e a plantação e tratos culturais a serem feitos na área indígena serão acompanhados por técnicos da Funai. A partir desse momento, os próprios índios serão os responsáveis pela multiplicação das sementes.

Os líderes indígenas ficaram satisfeitos com o trabalho da Embrapa e ofereceram sementes de inhame e cipós comestíveis para serem conservados da mesma maneira. De outro lado, a Empresa já está trabalhando para entregar aos índios sementes de abóbora, batata-doce, feijão e algodão, que desapareceram das aldeias.

Milho rústico traz parte da cultura indígena de volta

A recuperação de sementes cultivadas por seus antepassados não significa um retrocesso para a produtividade dos índios. Na realidade aquelas variedades são mais adequadas às necessidades atuais das tribos. As sementes comerciais trouxeram problemas para os índios pela dificuldade que possuem em obter assistência técnica. Os milhos híbridos precisam de tratos culturais diferentes daqueles que estão acostumados. Sem orientação adequada, a produtividade caiu. Também no caso dos híbridos há necessidade de compra de novas variedades com maior freqüência já que as sementes de milho híbrido sempre perdem parte das qualidades originais. Como os híbridos também são selecionados a partir de características adequadas à industrialização, são menos macios do que aqueles que os índios estavam acostumados.

Com a mudança no trato com a terra, parte da cultura indígena se perdeu. Com a recuperação das variedades originais, os índios mais velhos passam aos mais jovens as técnicas agrícolas dos antepassados. Mas não é só o resgate de parte de sua cultura que as novas variedades trouxeram aos índios. Outro problema que pode ser solucionado é o da monocultura. Os Kraôs passaram a plantar apenas arroz, estimulados pelas possibilidades de comercialização do produto. Isto gerou a falta de diversidade de produtos para alimentação das aldeias e mesmo a oferta de alimentos produzidos na aldeia em épocas variadas. Surgiram problemas na safra e, com a fome, muitos comem o arroz antes do ponto de colheita.

Ao recuperar as velhas variedades na Embrapa, pretendem diversificar a produção e ter maiores alternativas de alimentação. O indigenista Fernando Eschiavini lembra ainda a importância de os índios passarem a ter menos dependência do sistema comercial.

Coleta chega a 194 mil amostras em todo o Brasil

As sementes que os índios Kraôs receberam foram coletadas no final da década de 70. Elas fazem parte de um grande programa coordenado pela Embrapa Recursos Genétricos e Biotecnologia que inclui ainda classificação e armazenamento de variedades, não apenas para uso em caso de extinção, mas também para melhoramento genético e pesquisas.

A Unidade possui armazenadas em sua coleção cerca de 194 mil amostras de germoplasma de 166 produtos e 373 espécies. Parte dela, considerada estratégica, fica em Brasília, guardada em câmaras frias a 20 graus abaixo de zero e umidade relativa de 15%, podendo ser mantida no estado original entre 50 e 100 anos. Outra parte está em 115 bancos distribuídos pelo Brasil a 15 graus Celsius. As sementes de amendoim que os índios estão recebendo, por exemplo, foram obtidas junto ao banco do Instituto Agronômico de Campinas, o IAC.

As sementes coletadas em todo Brasil são analisadas, secas para reduzir ao mínimo possível a umidade e embaladas hermeticamente em sacos especiais de papel aluminizado. A partir daí, ficam à disposição de pesquisadores, ou, como no caso dos índios Kraôs, para multiplicação e produção. A preservação é tão importante, que o banco de germoplasma é considerado de "Segurança Nacional". Nos Estados Unidos, por exemplo, é guardado dentro do Forte Collins, no Colorado, sob segurança máxima.

O pesquisador Antônio Carlos Guedes diz que, no caso dos índios Kraôs, é importante que as sementes sejam novamente cultivadas. "Armazenadas, nós conseguimos apenas preservá-las. Ao retornar ao local de origem, elas não apenas provam sua utilidade, como evoluem. Assim, provavelmente daqui a algum tempo teremos variedades com qualidade superior às atuais".

História revela perda de identidade

O Brasil possui hoje uma população indígena de cerca de 250 mil habitantes. Estão distribuídos por mais de 150 povos e mais de 250 aldeias, em todos os Estados brasileiros, e falam mais de 100 diferentes idiomas. O principal idioma é o guarani, falado por cerca de 50 mil brasileiros, em MS, SP, PR, SC e RS. Na verdade, essa língua é falada por quase 5 milhões de pessoas, contando com as populações indígenas e não-indígenas, no Paraguai e no nordeste da Argentina. No Paraguai o guarani é utilizado nas escolas, na imprensa e emissoras de rádio, enquanto que algumas aldeias no Paraná e no Rio Grande do Sul possuem escolas bilíngües (guarani e português). Campo Grande possui uma emissora de rádio que transmite em guarani.

Calcula-se que no ano de 1.500 havia, no território que depois seria o Brasil, entre 2 milhões e 5 milhões de habitantes nativos. A partir de então, com a invasão portuguesa - chamada pela historiografia oficialista de "descobrimento" - o genocídio físico e cultural reduziu essas populações.

É difícil precisar o número exato da população indígena. Algumas comunidades na Amazônia ainda não foram contactadas. Outras aldeias estão muito aculturadas e integradas à sociedade nacional, tornando a classificação "indígena" duvidosa. Há ainda, em todo o País, uma imensa população mestiça, com forte participação e até predominância indígena, inclusive nas grandes cidades, mas que, de modo algum, pode ser classificada de "branca".

As contribuições da civilização e da cultura indígena para a sociedade brasileira são visíveis, nos nomes geográficos e de pessoas, nas artes e na literatura e, principalmente, na culinária. Barreado no Paraná, pato-no-tucupi do Pará, pescados na Amazônia, mandioca, batata, milho, cacau e importantes ervas medicinais, para citar poucos exemplos.

Em Rondônia, índios vão preservar e produzir

O Centro de Pesquisa Agroflorestal de Rondônia da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento, (Embrapa Rondônia, Porto Velho-RO) em conjunto com as secretarias de Planejamento e de Desenvolvimento Ambiental do governo do estado, está desenvolvendo um programa de produção de sementes florestais com a participação de índios e seringueiros. O programa está inserido no Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planaflor) e envolve ainda o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Ibama, Funai e Associação dos Povos Karitiana e Organização dos Seringueiros de Rondônia.

O Programa de Produção de Sementes iniciou na Floresta Nacional do Jamari, onde se encontra o projeto piloto com mais de 400 matrizes porta-sementes, que são árvores selecionadas dentro da floresta e que apresentam características desejáveis para produção de sementes.

O Ibama cedeu a infraestrutura da reserva para a realização de cursos, seminários e treinamentos. Ali já foram realizados três cursos de produção de sementes para técnicos.

Outra ação do Programa é capacitar as populações tradicionais que habitam áreas de preservação para colher e produzir sementes. Foram realizados contatos com a Organização dos Seringueiros de Rondônia e com a comunidade da reserva indígena Karitiana.

Já estão escolhidas duas áreas piloto no trabalho com índios e seringueiros. Uma delas é uma aldeia Karitiana, a 95 quilômetros de Porto Velho. São 190 índios, que vivem numa reserva de 89 mil hectares. Na aldeia são encontradas espécies florestais como cerejeira, cedro, sucupira, ipê e mogno, que são facilmente identificadas pela população local.

Os índios serão capacitados na colheita de sementes e na seleção das matrizes porta-sementes. Com este conhecimento, eles terão uma fonte alternativa de renda através da comercialização das sementes florestais. A procura por sementes florestais no Estado é crescente devido a mudança na legislação, que agora obriga todo madeireiro a reflorestar com espécies nativas.

A outra área piloto fica na Reserva Florestal em Bloco Maracatiara do Projeto Machadinho, região centro-leste do Estado. Os seringueiros da região serão capacitados da mesma forma que os índios Karitianos. As duas áreas piloto servirão como modelo para a multiplicação do Programa em outras áreas indígenas e reservas extrativistas.

Quem são os Karitiana

Os Karitiana pertencem ao tronco linguístico Tupi-Guarani. Eles foram uma tribo nômade, que há cerca de 35 anos migraram para o atual lugar da aldeia em busca de local para a caça e coleta de frutos silvestres. Bastante organizados, fundaram uma associação, denominada Akot Pytim Adnipa, que intermedia os trabalhos de capacitação juntamente com a Funai.

Xavantes aprenderam a aproveitar melhor as frutas

Em 1992, índios Xavantes da Reserva Pimentel Barbosa, no Mato Grosso, foram até o Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento (Embrapa Cerrados, Planaltina-DF) buscar auxílio para práticas de preservação do seu território. Durante uma semana, dois índios receberam treinamento sobre o uso de sensoriamento remoto (utilização de imagens de satélite) para avaliar as condições de seu território e entorno. A análise permitiu a técnicos do Núcleo de Cultura Indígena, mantido em Goiânia (GO) e à Embrapa Cerrados sugerir alternativas para o aproveitamento e recuperação da região.

Apesar dos problemas financeiros que impediram o avanço do projeto, os índios aprenderam o processamento artesanal das espécies frutíferas nativas. Buriti, jatobá, pequi, mangaba e macaúna passaram a ser transformados em pães, farinhas, doces e geléias. As técnicas foram ensinadas na própria tribo, pelos índios que participaram do projeto.

Mais qualidade de vida para os Apurinã

O Centro de Pesquisa Agroflorestal do Acre da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura e do Abastecimento (Embrapa Acre, Rio Branco, AC) desde 1991 está ajudando a melhorar as condições de vida dos índios Apurinã. Os pesquisadores, em parceria com a União das Nações Indígenas e o grupo de pesquisa e extensão em sistema agloflorestal do Acre (Pesacre), estão ajudando os Apurinã a cultivar arroz, milho, feijão e caupi, buscando aumentar a produtividade e garantir a alimentação.

O pesquisador Ivandir Santos explica que também são ministrados treinamentos para produção de mudas e diversificação da produção. O objetivo é melhorar a alimentação e gerar recursos para a manutenção das famílias e da comunidade.

A área dos Apurinã tem 26 mil hectares e está localizada no Amazonas, próxima ao município Boca do Acre. Ali vivem 110 índios distribuídos em 17 famílias. Eles caçam, pescam e confeccionam artesanato.

Também cultivam mandioca, milho, arroz, feijão e frutas, principalmente laranja e tangerina e têm uma pequena criação de gado.  

Tema: A Embrapa\A Instituição 

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/