01/04/97 |

O Semi-Árido não é fácil mas difícil também não é

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O semi-árido tem um período seco, sem chuva. Época terrível. Na amplidão das caatingas, gente, bichos e plantas definham, exercitam os limites do essencial para fazer a vida chegar até os dias que os céus despejam água sobre aquelas terras. Aí, então, que fartura! Os riachos voltam a correr, a vegetação explode num verde exuberante, animais deleitam-se com folhas e frutos muito digeríveis...para as gentes, aquele sim, é o melhor lugar do mundo.

Uma imagem da psicanálise traduz um pouco essas transformações da caatinga: as manifestações da psicose maníaco depressiva com seus momentos de profunda depressão alternados com outros de extrema euforia. Nas reminiscências do país, as formas rudes do ambiente exibidos à exaustão em canais de televisão e transcrições de jornais assumem ares do impossível. Acontece que as situações das caatingas não são tão de um jeito ou tão de outro. As caatingas têm suas sutilezas, seus caprichos.

Complicação extrema

O botânico francês, George Andre Fotius, da Orstom, 15 anos de Brasil, diz que um olhar leigo sobre a caatinga fixará nela um mato esparramando-se por igual sobre 70% da área total nordestina. Só mesmo um leigo! Se atentasse aos detalhes, se aperceberia de algo extremamente complicado. Não existem no semi-árido ambientes como as terras roxas de São Paulo ou dos Cerrados que se estendem semelhantes por centenas e centenas de hectares. Nele não se mede 100 metros de terra sem que se tope com, pelo menos, com dois tipos de solos diferentes.

É uma complexidade que exige um conhecimento original. Segundo Fotius, a diversidade de formas que tem a caatinga é tanta que a adequação de tecnologias para empregá-las em suas terras requer quase que análises de situações específicas fazenda por fazenda. As orientações genéricas, próprias dos pacotes tecnológicos imbuídos de modernidade, das políticas agrícolas das décadas de 60, 70 e 80, no semi-árido não vingam.

Propriedades pequenas

O equilíbrio da vida das plantas, animais e gente com a disponibilidade de água é outra questão complicada. A vegetação nativa tem seus mecanismos. O umbu, armazena água nas batatas de suas raízes. O marmeleiro, ao menor sinal de seca, manda embora suas folhas, fica em estado de dormência. A umburana embebe seu tronco de água. Os cactus concentram água nos seus corpos esponjosos. Às vezes, a seca passa de um ano, entra no segundo, descamba pelo terceiro e plantas como o Juazeiro resplandecem suas folhas verde-escuras em meio ao mato seco e esgalhado.

Explorar os recursos dessa caatinga não é fácil. Para o homem, requer acertos até mesmo com a história. As propriedades nordestinas, por partições de herança ao longo do tempo, minguaram para dimensões (50/100 ha) que inviabilizam atividades agropastoris. A criação de boi - muito disseminada na região, pela resistência maior à seca que a agricultura - requer que se tenha entre 20 a 30 ha para acomodar uma cabeça. Mais que isso, como é comum, a degradação é inevitável. E ainda que a capacidade de reconstituição da caatinga seja considerável, mais do que a floresta amazônica - por exemplo, seu uso intensivo acaba por deteriorá-la. Fotius estima que o tamanho mínimo de uma propriedade na região deve ser de 500 ha para que se possa alternar áreas de uso e permitir que a vegetação se recomponha do pastejo dos animais. Sem essa dimensão, assegura, o homem não conseguirá estabelecer mecanismos de sobrevivência à seca sem ter de recorrer ao desmatamento de árvores de madeira nobre para alimentar as serrarias e o fornos de indústrias da região.

Uma coisa já se sabe: em 10 anos, três são bem chovidos, quatro são mais ou menos chovidos e os outros três são de seca impiedosa. A questão é que o período de chuva concentra-se em alguns meses do ano (novembro/março) e grande parte delas esvai-se sem qualquer utilização. Da chuva que cai no Nordeste, 91,8% (642 bilhões e 600 milhões de metros quadrados) se evaporam. 5,1% (36 bilhões de metros quadrados) perdem-se por escoamento superficial para os rios e oceanos; e apenas 3,1% (24 bilhões de metros quadrados) ficam efetivamente disponíveis.

Uma lógica simples proporia a armazenagem dessa água em barragens, açudes etc. É uma solução. Não dura muito, porém, e a água se saliniza. Usa-se dessalinizador. Mas o que fazer com a salmoura, que não é pouca? O semi-árido é uma área complexa. Precisa de um entendimento original sobre seu funcionamento. Não é fácil. Difícil também não é.  

Tema: Ecossistema\Trópico Semi-Árido 

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