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Cresce a guerra das farinhas pelo pão nosso de cada dia

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Antes mesmo de virar lei, a proposta de substituir em até 20% a farinha de trigo pela farinha de fécula de mandioca na composição do pão comum começa a ser adotada por panificadores em diversas regiões do país. Depois do Paraná, é a vez da Bahia aderir ao processo.

Na região do Recôncavo Baiano, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, está estimulando as padarias da região a testarem a nova fórmula. Técnicos especializados em transferência de tecnologia da empresa estão usando como principal argumento um viés social importante: tornar mais rico do ponto de vista nutricional um dos alimentos mais populares. Entretanto, o que está fazendo mesmo o sucesso da proposta é aumento da margem de lucro: é possível obter economia de 7% a 8% na produção do pão francês.

"Um quilo de farinha de trigo custa hoje um real no mercado. Já a farinha de fécula está sendo vendida a R$ 0,60", diz Joselito Motta, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas/BA). Ele ressalta que o Brasil gasta hoje cerca de US$ 900 milhões com a importação de farinha de trigo e que o governo brasileiro subsidia 40% deste montante.

Dermânio Tadeu Lima Ferreira, pesquisador da Fundação Científica e Tecnológica da Cidade de Cascavel (Fundetec), revela que várias indústrias brasileiras realizavam a mistura de farinha de raspa de mandioca até o começo da década de 1970, mas foram à falência após o governo federal adotar a concessão de subsídios ao trigo.

As novas pesquisas mostraram que é possível adicionar até 20% de fécula de mandioca no preparo do pão francês e de até 25% na massa de pães para hambúrguer e cachorro-quente. "Teoricamente, o amido de mandioca (fécula) é parecido com o do trigo, com pequenas alterações, como o fato de este último possuir glúten, responsável pela retenção de gases durante a fermentação da massa, o que provoca o crescimento. Os pesquisadores garantem que não ocorre mudança de sabor significativa. E apontam ainda mais uma vantagem em relação ao amido da mandioca: os pães fabricados com parte de mandioca dobram o tempo de armazenamento em prateleira de três para seis horas, em relação à produção com 100% de farinha de trigo.

"A mandioca é um produto nacional e precisamos valorizar isto, ao invés de ficarmos dependendo da importação de trigo", complementa Ferreira. Segundo dados da Embrapa, o país possui hoje cerca de 150 mil toneladas de amido de mandioca em estoques. "As fecularias possuem uma capacidade ociosa de até 50%, o que revela a grande possibilidade de infra-estrutura que o país possui em suportar essa inovação", acrescente Joselito Motta.

Em tempos de instabilidade do dólar americano, a mandioca já tem como certa a vitória de uma primeira batalha na guerra das farinhas na fabricação do pão nosso de cada dia. "A fécula e seus derivados têm competitividade crescente no mercado de produtos amiláceos para a alimentação humana ou como insumos em diversos ramos industriais alimentos embutidos, embalagens, colas, mineração, têxtil e farmacêutica. É nesse mercado que ocorre a maior agregação de valor", explica Carlos Estevão Leite Cardoso, pesquisador em sócio-economia agrícola da Embrapa.

Pelos dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o consumo per capita mundial de mandioca e derivados, em 1998, foi de 16,1 quilos, enquanto que o Brasil apresentou um valor de 40,1 kg/hab/ano. No Brasil a transformação de raízes de mandioca origina três subprodutos: raspas secas ao sol, farinha e fécula. Do total beneficiado, o fabrico de farinha utiliza de 30% a 35% da produção de raízes. A produção de fécula atinge cerca de 25% deste total.

No jargão economista, a farinha de mandioca é considerada um produto "inelástico", o que significa dizer que, à medida que cresce o poder de compra da população, o consumo deste produto não aumenta. O uso da fécula pelas padarias funcionaria, assim, como uma válvula de escape para o agronegócio da mandiocultura nacional.

Para Chigeru Fukuda, pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura e presidente da Sociedade Brasileira de Mandioca, a proposta representa ainda a possibilidade de resgatar uma dívida social com os agricultores que ao longo de décadas estiveram à margem do contexto agro-industrial nacional. "No Nordeste a mandioca sempre foi considerada cultura de pobre, sem se levar em consideração seu importante papel na segurança alimentar das populações de baixa renda", observa Fukuda.

A reviravolta no mundo da panificação brasileira foi deflagrada no último dia 18, quando a Câmara dos Deputados promoveu em Brasília o seminário "A Importância Social e Econômica da Mandioca para o Brasil", pela iniciativa do deputado federal Aldo Rebelo (PcdoB/SP). O evento serviu como fundamentação a um projeto de lei que prevê a introdução de 10% de fécula de mandioca na fabricação de pães.

Jornalista: Dalmo Oliveira Embrapa Mandioca e Fruticultura Fone: (75) 621-2120 E-mail: dalmo@cnpmf.embrapa.br  

Tema: Produtos Agropecuários\Hortaliças\Mandioca 

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