06/10/23 |   Segurança alimentar, nutrição e saúde

Incentivo à participação da juventude e preocupação com mudanças climáticas marcam primeiro dia de seminário sobre agrobiodiversidade

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Foto: Paulo Lanzetta

Paulo Lanzetta -

No primeiro dia do 10º Seminário de Agrobiodiversidade e Segurança Alimentar, realizado nesta sexta-feira (6), na AABB de Canguçu (RS), a programação destacou relatos de agricultores familiares sobre a conservação e uso de sementes crioulas e discussões sobre dificuldades e papéis do trabalho dos chamados guardiões. Dos cerca de duzentos participantes, cerca de 70% eram jovens estudantes da Escola Família Agrícola da Região Sul (EFA Sul) e de quatro escolas da rede municipal de ensino, para quem boa parte das discussões e provocações foram voltadas em função da continuidade e do futuro do trabalho. O impacto das mudanças climáticas e alguns gargalos ligados à legislação também foram destacados. 

O painel sobre Conservação da Agrobiodiversidade abriu espaço para relatos de diferentes iniciativas. Primeiramente, a professora Vanessa Holz e três alunas da Escola Municipal Carlos Moreira descreveram um trabalho de iniciação científica das estudantes que, ao pensarem estratégias para restaurar a vegetação do bioma Pampa, se depararam com o conceito das sementes crioulas. 

Além de aprenderem sobre o assunto, coletaram sementes junto às avós da comunidade e, hoje, têm como meta resgatar todas as sementes crioulas possíveis. “Queremos mostrar aos agricultores que é importante cultivar sementes crioulas para a alimentação deles, mas também para preservar a história do município, que é a Capital Nacional da Agricultura Familiar”, explicou uma das guardiãs mirins. 

A discussão também contou com relatos sobre a realidade das etnias. Gildo Gomes, da aldeia indígena Guarani Pará Rokê, de Rio Grande (RS), relatou o vínculo familiar indígena na conservação das sementes. Mas, lamentou a dificuldade crescente de acesso a essas sementes para a alimentação das comunidades. 

O agricultor do Quilombo do Algodão, de Pelotas (RS), Nilo Dias, destacou a importância das sementes no sustento das famílias, já que as hortas representam cerca de 50% da subsistência. Mas, também relatou perda de variedades nos últimos anos em função das adversidades climáticas. Hoje, a comunidade mantém onze variedades de feijão, embora já tenham mantido 21. 

 

Comercialização, logística e legislação

No painel sobre comercialização, a pós-doutoranda em desenvolvimento regional da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Cristiane Feijó abordou novas ferramentas, oportunidades de renda e desafios. Nesse sentido, destacou a importância das redes sociais como possibilidade de baixo custo para fomento à comercialização e para resiliência das cadeias curtas nos territórios. 

Também fez uma provocação aos jovens pela necessidade de sucessão e possibilidade de contribuição junto às famílias em função da maior habilidade digital. “Vocês são responsáveis por ajudar as famílias, amigos e vizinhos para a divulgação desses guardiões”, afirmou. Por fim, deu exemplos regionais do que chamou de mercados sociais - espaços de comercialização digital ligados às identidades das comunidades envolvidas. 

Possibilidades logísticas de comercialização, distribuição e troca também foram debatidas na fala do presidente da Associação da Rede de Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária do RS (RedeCoop-RS), Alcione Piasentin. O objetivo de se instituir uma estrutura de distribuição, inclusive digital, no entanto, ainda esbarra em questões legais. Por isso, o advogado José Renato Barcelos foi convidado a abordar a agrobiodiversidade do ponto de vista jurídico. 

Ele citou instrumentos jurídicos e artigos que comprovam que “semente crioula é legal” e que há proteção constitucional para os saberes tradicionais associados às sementes crioulas, mas reforçou a necessidade de se criar um sistema normativo a parte do vigente para evolução na questão. “Da forma como está estruturado, exclui o conhecimento tradicional, que domina como propagar sementes de forma fácil e barata”, acrescentou.

 

Impactos para o bioma Pampa

Na parte da tarde, o evento focou na relação da conservação da biodiversidade com a conservação do bioma Pampa. A professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Biane de Castro, contextualizou a diversidade desse bioma, que abriga 2,6 mil espécies identificadas - o que representa 9% da biodiversidade brasileira, apesar do bioma ocupar cerca de 2% do território. Mas, para ela, ainda há espécies a serem descobertas. 

Nesse sentido, também destacou a necessidade de políticas públicas para identificação e conservação das espécies e, também, para restauração do bioma; além da necessidade de valorização da cultura das comunidades associadas ao território. “Não dá para pensar o ambiental sem pensar na inserção das famílias”, completou. Por isso, indicou algumas possibilidades de uso das espécies no contexto da pecuária familiar - principal atividade ligada ao território -, mas também em termos medicinais e paisagísticos, reforçando a importância do conhecimento dessas espécies e de suas características pelas pessoas. 

 

Impactos para a saúde

A pesquisadora da Embrapa Clima Temperado Márcia Vizzotto Foster abordou o impacto da diversidade alimentar na saúde. Das cerca de 351 mil espécies de plantas identificadas no mundo, Márcia disse que menos de 200 são cultivadas e que apenas doze compõem a nossa base alimentar. E isso, segundo ela, teria como consequência uma “monotonia alimentar”. “Porque não exploramos nossa diversidade”, explicou.

No caso do Brasil, ela também afirmou que apenas 10% da flora nativa é usada no país, embora nossa biodiversidade represente 20% das espécies do mundo. Nesse sentido, estimulou maior uso da biodiversidade na alimentação, relacionando com aumento na qualidade alimentar e nutricional, melhora na qualidade de vida e menor impacto ao meio ambiente.

O painel também contou com a participação dos professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Althen Teixeira Filho e Rita Heck, que abordaram o impacto do uso de agrotóxicos na saúde e o uso de plantas medicinais, respectivamente. Todas as palestras foram transmitidas ao vivo e as programações da manhã e da tarde podem ser assistidas pelo canal da Embrapa no YouTube.


Fala das entidades organizadoras do evento

O coordenador do evento e pesquisador da Embrapa Clima Temperado, Irajá Antunes, deu as boas vindas, principalmente aos jovens presentes, reforçando a importância da sucessão na conservação das sementes crioulas. “Esse é o nosso futuro”, afirmou. 

A professora Patrícia Martins da Silva, representando a UFPel, celebrou a realização conjunta do Seminário com a Feira de Sementes. Também demonstrou preocupação com o impacto das mudanças climáticas nas sementes crioulas e valorizou o protagonismo de Canguçu em termos de agricultura familiar. “Precisamos cuidar de quem cuida das sementes crioulas”, acrescentou. 

O coordenador do Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (Capa), Roni Bonow, também demonstrou preocupação com as mudanças climáticas e com as perdas em biodiversidade. Ainda fez provocações quanto à contribuição de algumas monoculturas nessas perdas e estimulou a reflexão sobre possibilidades de geração de renda a partir da biodiversidade. “Esse é um espaço de reflexão sobre um futuro muito próximo e desafiador”, disse. 

Os desequilíbrios que têm causado as mudanças climáticas também pautaram a fala do presidente da Cooperativa União de Agricultores Familiares de Canguçu e Região, Cleo Ferreira. “Quando falamos em agrobiodiversidade, precisamos falar no amanhã”, afirmou. Ele também criticou a baixa assistência e remuneração a quem trabalha no campo, destacando a relevância da agricultura familiar para a produção de alimentos. “A agricultura familiar é um modelo para o Brasil”, completou. 

Ao mencionar dados que indicam gastos com saúde três vezes maiores do que com alimentação no Brasil, o gerente regional de Pelotas da Emater/RS-Ascar, Ronaldo Maciel, problematizou a forma como a humanidade está lidando com o planeta, usando como exemplo os fenômenos climáticos que têm impactado a região, como a estiagem, as enchentes e, mais recentemente, o granizo. “Os jovens aqui precisam pensar em novas formas de tratar nosso planeta”, provocou. 

O chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Embrapa Clima Temperado, Gustavo Heiden, relacionou a domesticação das plantas, há 12 mil anos, ao aprendizado e à evolução da humanidade. “Estamos aqui no caminho certo. O trabalho de cada um de vocês não tem importância só para a família, só para a localidade. É um trabalho de importância mundial, porque sem semente não tem futuro e o nosso futuro é a agrobiodiversidade”, disse.

Por fim, o prefeito de Canguçu, Vinícius Pegoraro, valorizou a vinda do evento para Canguçu junto à Feira de Sementes, defendendo o título do município de Capital Nacional da Agricultura Familiar. Também destacou diversas iniciativas municipais de fortalecimento ao setor, principalmente de investimento em educação e ensino, de valorização das sementes crioulas e de estímulo à comercialização em feiras locais. “Temos que seguir caminhando”, finalizou. 

Francisco Lima (13696 DRT/RS)
Embrapa Clima Temperado

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