22/03/24 |   Mudanças climáticas

Por que em Mato Grosso do Sul o céu se encobriu de poeira?

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Foto: Carlos Hissao Kurihara/Embrapa

Carlos Hissao Kurihara/Embrapa -

Após a ocorrência de ventos fortes, muita poeira foi observada no céu em várias regiões

Um dia após o início do outono de 2024, Mato Grosso do Sul testemunhou ventos fortes que tiveram rajadas acima de 35 km/h em vários municípios. Uma grande quantidade de poeira se espalhou pelo céu, chamando a atenção das pessoas, com muitos registros de fotos e vídeos.

No período entre as 13h e às 14h do dia 21 de março, a Embrapa Agropecuária Oeste (Dourados, MS) registrou, através do seu sistema de monitoramento meteorológico chamado Guia Clima (https://clima.cpao.embrapa.br/), rajadas de vento de 38,4 km/h em Ivinhema, 45,3 km/h em Rio Brilhante e 55,6 km/h em Dourados. Estas rajadas foram classificadas, segundo a escala de Beaufort, como “Forte” em Ivinhema, “Muito forte” em Rio Brilhante e “Fortíssimo” em Dourados.

Embora tenha chamado atenção a força das rajadas observadas, já houve situações em que os ventos foram ainda mais fortes na região, como em 26/08/2006, quando em Dourados foi registrado pela Embrapa o recorde de 81,4 km/h. Agora, porém, o que mais chamou atenção foi a abundância de poeira dispersa no ar.

 

Por que ventou tanto?

A ocorrência dos ventos fortes tem uma explicação. Durante alguns dias, sob a influência de uma onda de calor, a região esteve submetida a uma massa de ar muito quente e seca, a qual ficou estacionada sobre a mesma. Foi então que uma grande massa de ar frio vinda do Sul chegou, promovendo o encontro de duas massas de ar com características distintas. Na meteorologia isso configura uma condição favorável para turbulências. A massa de ar frio, devido a sua maior pressão comparada a massa de ar quente, quando se desloca pode fazer isso com velocidades elevadas. Além disso, ela é sempre mais pesada e, ao se deslocar, vai empurrando por baixo o ar quente para cima e é por isso que muitas vezes se formam chuvas também, as vezes até com formação de granizo (pedras de gelo).

 

Mas e a poeira?

A poeira observada tem a ver com a erosão, que é um processo de degradação dos solos, influenciado pelos padrões de uso e manejo destes (mais abaixo, você vai entender qual o tipo de erosão causou a poeira). No processo erosivo as partículas de solo, sobretudo aquelas mais superficiais, são transportadas para fora do local de origem. Isso é uma pena, pois esta é a camada mais importante para a agropecuária, já que é a mais viva do solo, em termos biológicos, e também a mais fértil, quimicamente falando.

Em Mato Grosso do Sul, normalmente os eventos de transporte das partículas de solo se dão pela água das chuvas e daí o termo erosão hídrica. A chuva precipita sobre o solo exposto e, como a água é submetida a ação da gravidade, as partículas de solo podem ser carreadas junto a ela, indo parar nos corpos hídricos superficiais, ou seja, rios, córregos e lagos, por exemplo. Por essa razão que percebemos situações de turvamento das águas e assoreamento. Este contexto evidencia a importância de os sistemas de produção agropecuários deverem prezar pelo uso e manejo sustentável do solo.

Porém, no caso deste dia 21 de março, o agente causador do processo erosivo foram os ventos, daí o termo erosão eólica, já que as partículas de solo foram removidas e transportadas pelo ar, algo que não é comum para nós. Tal situação foi de fato bastante peculiar, já que também não é comum termos episódios de ventos fortes na transição do verão para o outono, diferentemente da primavera. Em Dourados, por exemplo, aproximadamente a metade dos eventos com rajadas de ventos acima de 30 km/h ocorrem entre setembro e novembro.

No evento atual, alguns fatores ajudam a explicar a erosão eólica observada. A safra de soja que foi colhida aconteceu sob condições de chuvas irregulares e insuficientes. Assim, as lavouras acabaram por produzir pouca biomassa da parte aérea, ou seja, aquela acima do solo. Além disso, devido a sua relação C/N (carbono por nitrogênio), a biomassa da soja é naturalmente rapidamente degradada, algo que também foi acelerado por conta das altas temperaturas dos últimos dias. A safrinha de outono-inverno já foi em sua maioria plantada após a soja, mas o milho vem contando até agora com pouca chuva e muito calor. Resultado, as plantas de milho, na maioria dos casos, por enquanto produziram pouca biomassa da parte aérea. Desta forma, o que se tem no campo atualmente, na maioria das áreas, é bastante solo exposto e vulnerável ao processo erosivo, seja por chuvas (mais normal) ou pelos ventos (caso atual). Isso denuncia a fragilidade dos sistemas de produção agropecuários vigentes, alicerçados na sucessão soja-milho e pouco capazes de manter o solo coberto e protegido.

Soma-se ao fato novas (mas também velhas) posturas adotadas por alguns produtores e que podem ter contribuído significativamente para levar ao ar algumas toneladas de solo. Em áreas de produção de grãos têm sido realizadas movimentações do solo através de operações de gradagens, sob a prerrogativa de descompactar o solo, controlar plantas infestantes de difícil controle e pragas comuns a cultura da soja e do milho (percevejos). Além disso, algumas áreas de produção de cana-de-açúcar, especificamente aquelas de expansão ou reforma dos canaviais, estão também expostas neste momento. Nos sistemas de produção vigentes atualmente, muitas operações de revolvimento de solo são realizadas nessas áreas, desagregando intensamente o solo e deixando o mesmo exposto por longo período, já que o tempo requerido para o novo canavial cobrir o solo, protegendo-o, pode levar alguns meses.

Todas estas ações são tecnicamente insustentáveis, evidenciando fragilidades significativas nestes sistemas de produção e, ao mesmo tempo, demonstram haver bastante espaço para melhorias através da incorporação de resultados de pesquisas científicas voltadas para o ajuste sustentável dos sistemas de produção agropecuários, tais quais aquelas produzidas a décadas pela Embrapa.

A Embrapa já demonstrou que o processo erosivo, tanto hídrico, quanto eólico, pode ser bastante minimizado em áreas de produção consolidadas dentro dos preceitos do Plantio Direto na Palha, implementado a rigor, incluindo a rotação e diversificação de culturas e o não revolvimento do solo. O uso de plantas de cobertura também é importante para a estruturação do perfil do solo e condicionamento da saúde do mesmo. As braquiárias já demonstraram ser uma poderosa descompactadora do solo, ao mesmo tempo que sua parte aérea e sua palhada protegem o solo do processo erosivo.

Tem-se conhecimentos e tecnologias à disposição. Precisamos incorporá-los cada vez mais no universo produtivo em prol da sustentabilidade na agropecuária.

 

 

Danilton Luiz Flumignan, Cesar José da Silva, Rodrigo Arroyo Garcia, Éder Comunello, Carlos Ricardo Fietz (Pesquisador)
Embrapa Agropecuária Oeste

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