OLHARES PARA 2030

Convergência tecnológica e de conhecimentos na agricultura

Convergências técnicas-científicas são crescentes nas instituições de pesquisa, empresas e propriedades rurais. Podem ser entendidas como uma integração sinérgica de conhecimentos e tecnologias já disponíveis que possibilitam gerar inovações na produção de bens e serviços por meio da transformação digital, engenharia genética, bioinformática, mercado digital, entre outros.
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Edson Luis Bolfe

Edson Luis Bolfe

Transformação digital e o futuro sustentável da agricultura

Alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

ODS 2 - Fome zero e agricultura sustentável ODS 9 - Indústria, inovação e infraestrutura ODS 12 - Consumo e produção responsáveis ODS 15 - Vida terrestre

A conjunção das condições do solo, clima, relevo, ciência, tecnologia, políticas públicas e a competência dos agricultores tornaram o Brasil um dos líderes mundiais na produção e exportação agrícola. O setor representa quase 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e 50% das exportações. Significa que a cada R$ 4 que circulam no país, R$ 1 é agrícola. E de cada US$ 2 que alimentam nossa economia pela exportação, US$ 1 tem origem em chácaras, sítios, fazendas e estâncias brasileiras.

Projeções recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) indicam que a produção de grãos poderá passar do atual patamar de 230 para 300 milhões de toneladas nas safras da próxima década. A produtividade continua prevalecendo como o principal fator de crescimento, passando da média atual de 3,8 t/ha para 4,1 t/ha na safra 2026/2027. Os maiores ganhos devem ocorrer em arroz, milho e algodão. Na produção de carnes (frango, suína e bovina), os indicadores apontam um incremento de 7,5 milhões de toneladas, representando em média quase 30% a mais em relação a 2016/2017. Há também uma crescente demanda por frutas. Manga, uva, melão, mamão, banana e maçã ocupam cada vez mais uma posição de destaque no mercado nacional e internacional e têm grande potencial de crescimento nos próximos 10 anos.

A modernização da agricultura brasileira e sua eficiência produtiva foram a base para essa condição. As atuais safras recordes germinaram nas instituições de pesquisa e ensino e são plantadas no solo brasileiro na forma de inovações e tecnologias a cada ano-safra. Só nas duas últimas décadas, aumentamos a produção de grãos em aproximadamente 250% com apenas 50% na expansão da área plantada. Desse modo, produzimos mais alimentos, fibras e bioenergia com menos recursos naturais, fazendo do Brasil também uma potência ambiental com 60% de sua área ainda preservada, e menos de 30% do território do país destinado à agropecuária. Em análise realizada pela Embrapa, a tecnologia foi identificada como o fator mais importante para esse crescimento. Contribuiu com aproximadamente 60% do valor bruto da produção agropecuária, sendo que o somatório dos demais fatores (terra, mão de obra, e recursos financeiros) responderam por 40%.

Por outro lado, o aumento da população mundial, a contínua urbanização, a expectativa de vida e o poder econômico irão elevar ainda mais o consumo de alimentos, fibras e energia nos próximos anos, e o Brasil deverá assumir um papel ainda mais protagonista na produção agrícola e responsabilidade ambiental. Esse ambiente molda agendas de desenvolvimento sustentável em várias escalas. Internacionalmente, a ONU institui a Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. Constitui-se em um plano de ação para as pessoas, para o planeta e para a prosperidade, que também busca fortalecer a paz universal com mais liberdade. Essa agenda envolve 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (da Agenda 2030) com 169 metas associadas. Nesse contexto, a transformação digital na agricultura deverá contribuir significativamente para o alcance desses objetivos, especialmente em:

A agricultura do Brasil já é diferenciada e testemunhou centenas de inovações que geraram soluções para os desafios do solo e do clima tropical, transformando-a em exemplo mundial e que já contribui com objetivos do desenvolvimento sustentável. Diariamente, outras dezenas de ideias inovadoras germinam nos institutos de pesquisa, universidades, empresas e nas propriedades rurais. As tecnologias digitais elevam as possibilidades de ampliar o conhecimento e interação entre todos os elos das cadeias produtivas. Podem ajudar a resolver uma equação complexa e com inúmeras variáveis econômicas, sociais e ambientais, em que temos que produzir mais alimentos, com qualidade e com menor uso de recursos naturais.

Essa “digitalização da agricultura” pode ser entendida como interdisciplinar e transversal, não limitada a culturas agrícolas, regiões ou classe de produtores. Em um mundo cada vez mais dinâmico, a agricultura tem a possibilidade de se utilizar dos avanços como da tecnologia de informação e comunicação (TICs), internet das coisas agrícolas (IoTA), inteligência artificial, agricultura de precisão, automação, robótica e Big Data e Small Data.

O Brasil já possui um papel inovador em agro focado em uma Agricultura 4.0. Novos enfoques são aplicados no planejamento da produção, manejo, colheita, acesso a mercados, comercialização e transporte de grãos, frutas, hortaliças, carnes, leite, ovos, fibras e madeira. Os produtores já podem contar com apoio público, cooperativas, associações, sindicatos ou de serviços privados baseados em imagens de satélites, veículos áreas não tripulados (VANTs) e sensores terrestres, sistemas de posicionamento global por satélite (GPS) e sistemas de informações geográficas (SIG).

Esses instrumentais são determinantes para o planejamento rural, redução de custos e aumento da produtividade e renda dos produtores. Já fazem parte de atividades como do cadastro ambiental rural (CAR), zoneamentos e aptidão agrícola. Também intensificam a aplicação da certificação ambiental de propriedades e processos, ajudam na gestão do bem-estar animal e georrastreabilidade, elevando a qualidade e segurança dos alimentos.

A agricultura digital tem uso amplificado na análise integrada de uso de insumos com a variabilidade do solo e água de sítios, fazendas e estâncias pela agricultura, pecuária e floresta de precisão. Máquinas e equipamentos conectados tem suas atividades gerenciadas por meio de sistemas de telemetria otimizando seu uso. Imagens de satélite e de VANTs, GPS, georreferenciamento e mapas de produtividade são termos cada vez mais frequentes no vocabulário dos produtores rurais. Apoia o planejamento do uso e ocupação da terra por práticas agrícolas mais resilientes, a exemplo da integração lavoura-pecuária-floresta (iLPF) e do plantio direto.

Novos satélites geoestacionários e de constelações de nanossatélites do setor privado de comunicação, monitoramento de recursos naturais e agricultura já orbitam a Terra. Monitoramentos geoespaciais asseguram a conservação, recuperação e uso sustentável de ecossistemas terrestres e aquáticos. Apoiam a implementação da gestão sustentável de florestas plantadas e restauração de florestas e pastagens degradadas. Sistemas de telemetria e GPS colaboram em medidas preventivas e corretivas envolvendo o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas, mantendo a biodiversidade e elevando as oportunidades locais de subsistência sustentável de comunidades tradicionais. Banco de dados com informações de recursos genéticos vegetais e animais (nativos e exóticos), cadastramento de conhecimentos tradicionais, produtos locais e no catálogo de atrações que promovam o turismo rural.

Novos aplicativos, por meio de tablets e smartphones, são um suporte na tomada de decisão sobre inúmeras práticas envolvendo a produção animal e vegetal. Ajudam a compreender as condições meteorológicas, como secas e inundações, colaborando preventivamente na manutenção da qualidade do solo, água e ar. Permitem identificar, monitorar e reduzir nível de incidência de pragas e doenças. São imprescindíveis no gerenciamento de sofisticados sistemas de irrigação, minimizando desperdícios. Minimizam perdas de alimentos ao longo das cadeias de produção e abastecimento, incluindo as perdas pós-colheita. Auxiliam o gerenciamento técnico-financeiro de propriedades e se tornam fundamentais para a sustentabilidade do negócio rural.

Na vanguarda da inovação digital e com grande potencial para a agricultura, entram em campo as startups, com soluções disruptivas a problemas antes cristalizados. A “uberização” de máquinas e serviços já é uma realidade no meio rural, diminuindo custos de produção e aumentando postos de trabalho. Conceitos da economia digital, como fintech (finance & techonology), blockchain e criptomoedas servem de soluções para as áreas financeiras envolvendo o comércio internacional, importações e exportações de insumos e produtos agropecuários.

Essas condições têm impulsionado a demanda por atividades cada vez mais complexas na agricultura. O uso da tecnologia digital no dia a dia das propriedades rurais não é questão de opção, é um caminho obrigatório para tornar a agricultura mais competitiva e com maior agregação de valor. Os novos desafios estão em dar maior dinamismo e integração entre a pesquisa, ensino, indústria, comércio, assistência técnica e extensão rural brasileira. Aproveitar o mundo rural mais conectado e fortalecer o processo de educação à distância (EAD) no campo. Atrair mais jovens, capacitar produtores rurais e profissionais para gerarem soluções cada vez mais interdisciplinares no dia a dia nas propriedades rurais elevando a produtividade e com menor pressão nos recursos naturais. Perfil de inovador, empreendedor e multiplicador são requisitos imprescindíveis a todos que trabalham na buscam a digitalização da agricultura.

Essa transformação possui uma velocidade exponencial, com maior amplitude na economia, governo e pessoas, tendo impactos cada vez mais sistêmicos nos indivíduos e na sociedade. A integração entre o conhecimento rural tradicional e o tecnológico inovador são fundamentais para fortalecer ainda mais o desenvolvimento da agricultura. Diminuir a pobreza, promover a prosperidade e o bem-estar para todos, proteger o meio ambiente e enfrentar as mudanças climáticas devem integrar agendas públicas e privadas nas próximas décadas.

Com a transformação digital na agricultura, o mundo rural é repleto de novas oportunidades para trabalhar, produzir e viver com qualidade. É necessário fortalecer ainda mais a geração de conhecimentos, tecnologias e inovações na agricultura a serviço do desenvolvimento sustentável da sociedade brasileira.

Edson Luis Bolfe

Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)

Engº. Florestal e mestre em Sensoriamento Remoto pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Desde 2001 é Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA). Também atua como professor convidado do Instituto de Geociências (Unicamp) e do Center for Global Change and Earth Observations (Michigan State University/USA).

Tem experiência na área de Geotecnologias, coordenando projetos de Pesquisa & Inovação em monitoramento de uso e cobertura das terras, e na geração de tecnologias da informação e comunicação (TIC) para a agricultura. Já publicou dezenas de artigos técnicos, científicos, capítulos de livros, e em conferências nacionais e internacionais envolvendo análises, diagnósticos, modelagens e cenários da agricultura e de recursos naturais.

Como gestor em unidades da Embrapa desempenhou funções de: Secretário Executivo do Comitê Técnico Interno, Chefia de Comunicação & Negócios, Chefia de Pesquisa & Desenvolvimento e Presidente do Comitê Gestor do Portfólio de Monitoramento da Dinâmica de Uso e Cobertura das Terras no Brasil. Desde 2015 coordena o Sistema de Inteligência Estratégica (Agropensa) e membro do Comitê Gestor das Estratégias da Embrapa. Lidera o Grupo de Pesquisas Geoespaciais em Agricultura e Ambiente (CNPq/Embrapa).

Recebeu prêmios como: Mérito aos Serviços Prestados ao Exercício Profissional (CREA-RS), Melhor Trabalho Científico em Sensoriamento Remoto (Sociedade Brasileira de Engª. Agrícola), Prêmio Nacional do Projeto Zoneamento Agrícola do Brasil (Embrapa), Prêmio Nacional do "Programa Prosa Rural" (ABERJE), Prêmio de "Profissional GIS do Ano" no Brasil (Esri Brazil) e Prêmio Internacional por "Inovação Institucional" (IICA/OEA).