22/06/17 |   Melhoramento Preventivo

Brasil se prepara para uma das mais temidas doenças do arroz

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Uma doença perigosa surgiu na Ásia há muitos anos. Ela dizima entre 20% e 30% dos grupos atingidos e, não raro, até mais de 50%. A enfermidade se espalhou pelo mundo e hoje já assola as vizinhas Venezuela e Colômbia. A boa notícia é que o Brasil está mais preparado para enfrentá-la. Não se trata de uma ameaça à saúde humana, mas à segurança alimentar da população e à economia agrícola. Trata-se da Xanthomonas oryzae pv. oryzae, bactéria de difícil e dispendioso controle químico, que se tornou um pesadelo para rizicultores asiáticos e sul-americanos.

O patógeno ainda não foi encontrado nas lavouras brasileiras, mas o País está em condições de enfrentá-lo graças ao melhoramento genético preventivo, trabalho que desenvolve plantas resistentes a doenças que nem sequer chegaram ao território nacional. No segundo semestre de 2016, cientistas brasileiros validaram no Panamá as primeiras linhagens de arroz com resistência à bactéria. Se a doença cruzar suas fronteiras, o Brasil já terá material disponível para ser reproduzido e distribuído a produtores antes de o mal impor prejuízos.

O novo arroz é resultado do trabalho do Programa de Melhoramento Genético Preventivo da Embrapa, realizado por dois centros de pesquisa da Empresa (Recursos Genéticos e Biotecnologia e Arroz e Feijão), em parceria com o Instituto de Pesquisa Agropecuária do Panamá (IDIAP). “Trata-se de um trabalho estratégico que poupa o País de perdas enormes que uma doença como essa é capaz de causar”, ressalta o pesquisador da Embrapa Marcio Elias Ferreira, coordenador do projeto e um dos responsáveis pelo arroz recém-desenvolvido.

As perdas a que Márcio Elias se refere alcançam facilmente a casa dos bilhões de dólares. Quando a ferrugem-da-soja chegou ao Brasil em 2001, o País não estava preparado. O cientista lembra que foram gastos mais de 3,5 bilhões de dólares em medidas de controle e uso de fungicidas, somente no primeiro ano de combate à doença. Estima-se que a ferrugem-da-soja já custou 25 bilhões de dólares ao setor agrícola nacional desde que chegou ao País.

Prevenir custa menos, especialmente no que se refere a culturas de grande importância econômica como a soja. No caso do arroz, há também uma questão socioeconômica, pois o cereal faz parte da mais popular dieta nacional, o arroz com feijão. Prevenir-se de um mal como a Xanthomonas significa dizer que os brasileiros não precisarão comprar arroz a preços elevados nos supermercados em um futuro próximo, o que ocorre quando fortes quebras de produção provocam desabastecimento. O meio ambiente também agradece. “As plantas resistentes limitam o impacto ambiental, ao minimizar a aplicação de químicos para combater doenças ou pragas”, lembra Márcio Elias, atualmente lotado no Agricultural Research Center (ARS), em Beltsville, no estado de Maryland, Estados Unidos, por meio do programa Embrapa Labex-USA. 

Sem tempo hábil para remediar
Uma das vantagens de se estudar preventivamente um patógeno quarentenário é conhecê-lo antecipadamente para saber como combatê-lo. Quando uma doença de alto risco entra em um país, o impacto econômico imediato é muito alto. Se o microrganismo não for conhecido, as ações de combate demandarão longo tempo, prolongando o prejuízo. 

“Geralmente, demora-se muito para desenvolver protocolos de avaliação de sintomas, conhecer a biologia do organismo, identificar os genes de resistência das plantas, executar os cruzamentos adequados, selecionar plantas resistentes e desenvolver novas cultivares. São várias etapas, que exigem muito tempo. Trabalhar preventivamente diminui os custos e aumenta a eficiência do processo”, detalha o cientista. Ele ressalta que mesmo a confirmação da identidade do organismo quarentenário pode ser demorada. “Muitas vezes temos de enviar amostras de plantas infectadas com a nova doença para especialistas no assunto no exterior para que tenhamos certeza de que se trata do mesmo organismo encontrado pela primeira vez no Brasil”, explica.

Além de antecipar uma solução menos onerosa para um possível problema futuro da agricultura brasileira, o melhoramento preventivo também possui o importante papel de capacitar os cientistas a trabalhar com a doença ou praga com antecedência. Isso deixa a agricultura nacional muito mais preparada para enfrentar o problema quando ele enfim cruzar as fronteiras.

Sequeiro e irrigado adaptados 


Quando a doença chegar ao Brasil, os agricultores já poderão contar com plantas resistentes tanto de arroz irrigado, plantado majoritariamente no Rio Grande do Sul, quanto de sequeiro, cultivado em vários outros estados brasileiros. As cultivares desenvolvidas são adaptadas às condições de plantio daqui. É justamente a adaptação às condições locais o maior obstáculo para se importar soluções prontas desenvolvidas para outros países.

“Em geral, as variedades desenvolvidas para as condições de plantio estrangeiras não se adaptam às brasileiras e são pouco produtivas aqui”, conta o pesquisador da Embrapa Paulo Hideo Rangel. Por sua vez, ele frisa que as novas cultivares apresentam alta produtividade. Rangel coordena o Banco de Germoplasma de Arroz, da Embrapa Arroz e Feijão, uma arca de Noé moderna que preserva materiais capazes de gerar novas plantas. O acesso a esse imenso arquivo genético é fundamental para os trabalhos de melhoramento que dependem da diversidade para desenvolver materiais com as características almejadas. “O melhoramento preventivo começa no Banco de Germoplasma. Os genes que procuramos estão conservados nas milhares de variedades que guardamos para uso presente e futuro no melhoramento de plantas”, conta Rangel.

O Banco de Germoplasma de Arroz, situado em Goiás, forneceu os materiais de que os cientistas precisavam para obter as novas linhagens resistentes à bactéria, selecionados entre as 27.000 variedades de arroz conservadas em baixa temperatura e umidade. “Selecionamos três genes de resistência de amplo espectro, ou seja, aqueles que promovem resistência simultânea a várias ‘raças’ de Xanthomonas. Os genes foram introduzidos em uma mesma variedade para desenvolver plantas resistentes”, detalha Márcio Elias.

 

Pesquisa internacional

Plantas desenvolvidas para resistir a organismos quarentenários ausentes no Brasil não podem ser testadas, em campo, no País. A opção de teste exige a introdução do organismo quarentenário para testar a resistência das novas plantas em câmaras de contenção de altíssima segurança, o que requer instalações especializadas e envolve custos elevados. Mesmo com todo o controle, o risco de escape está sempre presente. A opção mais racional é testar as novas plantas melhoradas nos países que já possuem a praga ou doença. Por esse motivo, o melhoramento genético preventivo é fortemente atrelado a parcerias internacionais.

“Não há como fazer melhoramento genético preventivo sem colaboração de cientistas de outros países. Organismos quarentenários estão no exterior e os especialistas no assunto também. Por isso, uma das primeiras ações no trabalho de resistência a Xanthomonas foi assinar um acordo de cooperação entre a Embrapa e o IDIAP do Panamá" comenta Márcio Elias Ferreira. “Recentemente, assinamos um acordo específico de colaboração científica em melhoramento preventivo com o Serviço de Pesquisa Agropecuária dos Estados Unidos (ARS-USDA) para a realização de pesquisa similar com outras espécies agrícolas, como feijão, soja e videira”, completa.

Além do instituto panamenho IDIAP e do ARS, a Embrapa mantém colaborações visando ao melhoramento genético preventivo com o Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Chile (Inia-Qilamapu), com Ministério da Ciência e Tecnologia de Angola e com a Corporação Colombiana de Pesquisa Agropecuária (Corpoica). 

 

Próximos passos

Os testes de resistência conduzidos no Panamá foram coordenados pelo melhorista Ismael Camargo e pelo fitopatólogo Felipe González, pesquisadores do IDIAP. Eles usaram isolados da bactéria que são comuns em lavouras de arroz naquele país. Após os resultados positivos obtidos na América Central, a equipe do projeto pretende testar os materiais também na Colômbia por meio de parceria com a Corpoica. “Sabemos que nossas plantas são resistentes às raças da bactéria que estão no Panamá, agora vamos ver se apresentam desempenho semelhante em relação àquelas presentes na Colômbia. Queremos oferecer ao produtor brasileiro um material com grandes chances de resistir a um amplo leque de raças do patógeno, caso a doença seja detectada no País”, almeja o pesquisador.

O desenvolvimento das variedades de arroz resistente à bactéria é feito por meio da técnica de retrocruzamento baseado em análise de DNA. Os cientistas acompanharam os genes transferidos de três fontes de resistência para variedades de arroz adaptadas ao Brasil analisando o DNA das sementes produzidas em várias gerações do programa de melhoramento. As novas linhagens possuem os genes de resistência a Xanthomonas e, ao mesmo tempo, são muito parecidas geneticamente com variedades que já são utilizadas nas lavouras brasileiras. “A análise de DNA facilita e torna mais rápida e eficiente a seleção das características já presentes em variedades de arroz plantadas por nossos agricultores, com o acréscimo dos genes de resistência à bactéria”, relata o cientista.

Márcio Elias Ferreira agora se dedica a desenvolver novas variedades de feijão-preto e feijão-carioca resistentes à bactéria quarentenária Pseudomonas syringae pv. phaseolicola, uma importante doença do feijoeiro em vários países. O trabalho já identificou três genes candidatos ao controle das nove raças conhecidas do patógeno. Essa fase da pesquisa deve durar dois anos e envolve colaboração entre vários pesquisadores brasileiros e estadunidenses. A mesma abordagem está sendo aplicada para desenvolver variedades de soja resistentes ao pulgão Aphis glycines, praga que assola plantações nos Estados Unidos e que ainda não foi detectada no Brasil.

 

O café que driblou a ferrugem

Todas as vezes que você erguer uma xícara de café brasileiro, agradeça a Alcides Carvalho. Graças a ele, a cafeicultura nacional foi melhorada para resistir a um fungo que dizimava cafezais de outros países. 

No início dos anos 1950, a ferrugem do cafeeiro não fazia parte das preocupações dos cafeicultores brasileiros, mas estava na pauta de pesquisa de Carvalho, geneticista do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

Vinte anos antes de a doença chegar ao Brasil, o cientista se preocupou em obter plantas resistentes ao fungo que amarela as folhas do cafeeiro e reduz a produção. Ele cruzou espécies canéfora com arábica com o intuito de associar a resistência da primeira às propriedades sensoriais proporcionadas pela segunda.

Para identificar plantas de café resistentes à ferrugem, Carvalho estabeleceu colaboração internacional com o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro, em Oeiras, Portugal. Ao longo dos anos, várias progênies com diferentes níveis de resistência ao fungo foram identificadas e as plantas selecionadas usadas em cruzamentos no Brasil.

Quando a ferrugem do cafeeiro cruzou as fronteiras brasileiras, a pesquisa já contava com híbridos resistentes e prontos para serem multiplicados. Em uma época em que o café era o principal produto agrícola do Brasil, a visão do cientista poupou o País de prejuízos gigantescos.

Este é um dos mais bem-sucedidos casos de melhoramento preventivo de que se tem conhecimento, e efeitos do trabalho de Alcides Carvalho perduram até os dias de hoje. Estima-se que a maioria dos cafeeiros em produção atualmente no Brasil possua parte de seu material genético oriundo das pesquisas do geneticista.

 

Fabio Reynol
Secretaria de Comunicação da Sem

Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)
www.embrapa.br/fale-conosco/sac/

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