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Dia Nacional da Agricultura Irrigada é debatido em audiência pública na Câmara

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Foto: Breno Lobato

Breno Lobato -

A criação do Dia Nacional da Agricultura Irrigada, proposta pela Embrapa, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e pela Comissão Nacional de Irrigação da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), foi debatida na 35ª reunião extraordinária de audiência pública da Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, na última segunda-feira (23). 

Realizado por videoconferência, o encontro foi requerido pelo deputado Zé Vitor (PL-MG) e contou com apresentações do pesquisador Lineu Rodrigues, chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Cerrados (DF); Gustavo Goretti, coordenador-geral de Agregação de Valor do Departamento de Produção Sustentável e Irrigação, do MAPA; Eduardo Veras, presidente da Comissão Nacional de Irrigação da CNA; e de Cezar Augusto Rizzi, superintendente técnico da empresa CAMPO.

Zé Vitor lembrou que a audiência pública é uma reunião introdutória para a discussão sobre a instituição do Dia Nacional da Agricultura Irrigada. “Tenho certeza de que é um dos temas que tomarão a pauta da Comissão. Este momento de seca tem sido muito duro. Quando isso acontece, nos faz refletir sobre a importância desse tema, tanto para o agricultor familiar como para o de maior porte”, pontuou.

O pesquisador Lineu Rodrigues defendeu a criação do Dia Nacional da Agricultura Irrigada. Entre as motivações estão a preocupação com o meio ambiente e a necessidade de produzir alimentos em qualidade e quantidade suficientes para suprir as demandas; o papel da agricultura irrigada em relação ao meio ambiente e ao alimento, devendo ser criadas medidas que possam viabilizar o seu crescimento de forma sustentável; e a necessidade de uma postura crítica e ativa quanto à importância do seguimento para a sustentabilidade na produção de alimentos e para o desenvolvimento e a segurança alimentar, econômica e ambiental do Brasil.

Segundo Rodrigues, a criação da data vai propiciar oportunidades de debate do tema e conscientizar a sociedade sobre a importância estratégica dessa tecnologia; a discussão de soluções para os principais entraves; e a comemoração de oportunidades, benefícios e avanços na produção sustentável de alimentos com a agricultura irrigada.

Ele explicou que a data proposta – 15 de junho – foi escolhida estrategicamente por ser próxima ao Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), além de estar no início do período seco em grande parte das regiões brasileiras, quando a produção de alimentos é totalmente dependente da irrigação.

 

Importância da água para a produção de alimentos

O pesquisador lembrou que, entre as décadas de 1960 e 2000, o crescimento populacional global levou ao aumento da produção de alimentos e da demanda por insumos, mas também ao maior debate das questões ambientais e climáticas, ao crescimento dos centros urbanos, à globalização e à escassez dos recursos naturais. 

“Já no período de 2010 a 2050, há muitas interrogações, mas uma grande certeza: temos que aumentar em torno de 71% a produção de alimentos. Estudos já estão bem consolidados nesse sentido”, afirmou, acrescentando que a agricultura deixou de ser apenas o modo de produzir alimentos, passando a ser também saúde, meio ambiente e biocombustíveis. “Isso terá que ser resolvido com tecnologia – não só com o desenvolvimento, mas com a apropriação da tecnologia”.

Rodrigues apontou a irrigação como o elo da cadeia que permite a produção suficiente de alimentos para garantir o acesso ao mínimo necessário a toda a população mundial. Ele citou benefícios da irrigação em relação à produção, como aumento da produtividade média; estabilidade, que reduz a variabilidade anual da produção; oportunidade, viabilizando a produção de culturas como as hortaliças; efetividade, permitindo a produção durante todo o ano, inclusive no período seco; mais qualidade ao produto final, aumentando o valor agregado. 

Também apontou benefícios econômicos, sociais e ambientais, como as contribuições para a geração de empregos, o desenvolvimento social e a redução do desmatamento, o que diminui a demanda pela abertura de novas áreas; bem como o aumento do sequestro de carbono.

O pesquisador salientou a necessidade de compreensão dos múltiplos usos da água e do nexo entre a crescente produção de alimentos e o aumento da demanda por energia e água. “O alimento depende da água, que depende da energia, e uma parte da energia depende do alimento e da água. Temos que entender essas interconexões para que possamos atender às diversas demandas”, disse, destacando a água como grande fator de produção da agricultura, podendo ser o principal entrave à produção de alimentos quando há riscos de qualidade, disponibilidade, estabilidade, acessibilidade e custo. 

Segundo estimativas, a área irrigada no Brasil (8,2 milhões ha, de acordo com a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA), nona maior do mundo, pode crescer mais 4,2 milhões ha até 2040. O País tem potencial para irrigar 61 milhões ha, sendo 38 milhões ha com aptidão de solo e relevo alta e média. “Não me preocupa se estamos irrigando muito ou pouco. Neste momento, me preocupam os entraves, que são demorados e duplicados”, apontou o Rodrigues, acrescentando a necessidade da revisitação periódica da legislação ambiental e, com o uso de novas ferramentas de suporte, acelerar os processos e garantir a sustentabilidade.

Ao desfazer o mito de que a irrigação utiliza muita água, o pesquisador explicou que, de toda a água proveniente das chuvas, o solo armazena cerca de 61% (água verde) – a vegetação nativa utiliza 56%, a agricultura de sequeiro 4,5% e a agricultura irrigada menos de 0,6%. Os 39% restantes caem nos rios (água azul) – a agricultura irrigada utiliza 1,4%; 1,3% evapora; 0,1% tem uso pelo meio urbano e pela indústria e cerca de 36% escoa para os oceanos. Ele exemplificou, com um gráfico, que a maior parte da água utilizada numa lavoura de soja plantada durante 31 anos na mesma data (10 de outubro) é proveniente da chuva, sendo a irrigação um complemento em caso de falta d’água.

Também trouxe dados mostrando que a irrigação capta 52% dos 2.083 m³/s da água azul outorgada no Brasil e é responsável por 68,4% dos 1.158 m³/s outorgados consumidos. “Se pegarmos todos os rios brasileiros, temos uma vazão de 280 mil m³/s. Utilizamos 0,9% dessa água. Se não considerarmos os rios da Amazônia, todos os usos utilizam 4,8% e só a irrigação usa 2,6%”, afirmou.

“Usamos pouco da nossa água, mas temos que utilizá-la melhor, criar mais valor econômico e ter melhor gestão desse recurso”, destacou o pesquisador, apontando a necessidade de atendimento aos diversos usos, como urbano, indústria, agricultura e energia.

Ele lembrou que são vários os desafios para a produção de alimento com sustentabilidade, mas que os principais não dependem somente dos irrigantes e não são de natureza tecnológica. O pesquisador apontou como fatores desfavoráveis a crise energética, os conflitos pelo uso da água, a limitação à reservação de água, a legislação ambiental restritiva e os custos crescentes da água, da energia e de outros insumos.

Rodrigues elencou ainda alguns desafios político-institucionais, como a regulamentação da Lei nº 12.787/2013, que dispões sobre a Política Nacional de Irrigação; e técnico-operacionais, relativos aos irrigantes, como a organização e o diálogo, o cumprimento da legislação, o seguimento das recomendações técnicas e a apropriação de tecnologias existentes.

 

Políticas públicas

A atuação do MAPA na área da irrigação foi apresentada por Gustavo Goretti, que contextualizou a necessidade de aumento de 70% na oferta mundial de alimentos até 2050, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), sendo que o uso da água na agricultura poderá ser aumentado no período em até 40%. No mundo, 20% da área agricultável é irrigada, sendo responsável por 44% da produção dos alimentos, o que demonstra a eficiência dos sistemas irrigados. 

Com o uso de tecnologia e ciência, o Brasil deixou de ser importador e se tornou grande exportador de alimentos. “Mas, na questão da irrigação, o País ainda é um player mediano, comparando-se a países como Turquia, Bangladesh e Tailândia, que não são tão relevantes em termos agropecuários”, disse Goretti, apontando que os 8,2 milhões ha da irrigação nacional (3% da área agricultável do País) cobrem o equivalente à área irrigada dos estados norte-americanos do Nebraska e da Califórnia. 

Goretti falou sobre as ações estruturadas pelo MAPA a partir de 2019 para a agricultura irrigada. Entre as metas, está a de dobrar o crescimento anual da área irrigada, visando alcançar, no final deste ano, 550 mil ha/ano, gerando 825 mil empregos, incrementando em 2,5 vezes a produtividade e aumentando a arrecadação para reinvestimento em políticas públicas.

Por outro lado, ele apontou entraves como as formas de concessão da outorga de uso da água e de licenciamento ambiental, bem como para as pequenas barragens. “Queremos desburocratizar. As ferramentas de gestão devem ser para a gestão dos ativos ambientais, e que isso gere informação para a sociedade e o produtor rural”, comentou. 

Goretti citou políticas públicas como o Plano ABC, que passou por transformações recentes, culminando no Plano ABC+, com abordagem integrada da paisagem e focado na adaptação dos sistemas e em tecnologias de resiliência, como a irrigação. Ele antecipou informações do Plano Nacional de Agricultura Irrigada (Irriga Mais Agro), em fase final de elaboração, focado nas áreas de intensificação e expansão da agricultura irrigada, representando 15 milhões ha; e o Programa Nacional de Desenvolvimento Rural e Manejo Sustentável dos Recursos Naturais em Microbacias Hidrográficas (Águas do Agro). Além disso, citou melhorias no Plano Safra 2021/22 quanto à irrigação.

 

Desafios e oportunidades

Eduardo Veras, presidente da Comissão Nacional de Agricultura Irrigada da CNA, apresentou desafios e oportunidades da irrigação no campo. A irrigação é utilizada há pelo menos 6,5 mil anos, desde os tempos dos assírios, caldeus e babilônicos, na Ásia. No Brasil, foi iniciada no Rio Grande do Sul, no final do século XIX, com cultivos de arroz irrigado, mas só se tornou expressiva nas décadas de 1970 e 1980 com incentivos governamentais para o combate à seca.

Ele destacou que a irrigação possibilitou a elevada produtividade e qualidade de culturas agrícolas como trigo no Cerrado, café (mais de 30% da produção nacional), arroz (90% da produção), feijão (que pode ser cultivado em três épocas distintas), cevada, algodão, cana-de-açúcar, hortaliças, frutas (com colheitas em grande quantidade durante quase todo o ano) e da pecuária, com o aumento da capacidade de suporte das pastagens. “A população está cada vez mais exigente no que diz respeito à qualidade dos alimentos. E a irrigação permite termos a qualidade que o consumidor almeja”, disse.

Veras apontou como desafios a tramitação de projetos de lei sobre reservação de água, energia elétrica, reuso de água na agropecuária, licenciamento ambiental, regularização fundiária, bem como o Plano Nacional de Recursos Hídricos e o Plano Nacional de Irrigação. “A questão da irrigação depende muito dos produtores, que têm que estar mais unidos por entidades de classe e participar dos comitês de bacias (hidrográficas) e da nossa política”, finalizou.

 

Exemplo de uso no Cerrado

Cézar Augusto Rizzi apresentou os resultados do Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer), coordenado pela empresa CAMPO nos anos 1970 e 1980. Com US$ 570 milhões de investimentos, os 21 projetos do programa, com base tecnológica da Embrapa, alcançaram 243,2 mil ha de área cultivada (16 mil ha irrigados), além de 94,1 mil ha de reserva ambiental, totalizando mais de 337 mil ha.

Ele mostrou dados apontando as produtividades superiores do sistema irrigado em relação ao de sequeiro em soja e algodão numa mesma fazenda do Oeste da Bahia, região sujeita a fortes veranicos (períodos de estiagem e calor intenso). 

“Isso mostra a importância da irrigação para diversos cultivos. Ela é um dos fatores fundamentais para o aumento de produtividade, de oferta de alimentos, de receita para o agricultor e para a sociedade”, afirmou Rizzi. “Porém, se aplicarmos todas as boas práticas já desenvolvidas e validadas, com foco na conservação do solo e da água e no aumento de carbono no solo, teremos muito mais resultado com a irrigação”, completou, destacando o foco na irrigação de precisão.

Ao final da audiência pública, o deputado Zé Neto informou que a irrigação é um dos assuntos que a Comissão pretende encaminhar ao Ministério do Meio Ambiente para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), que será realizada de 1º a 12 de novembro no Reino Unido. “Há uma possibilidade real e é necessário que apresentemos os resultados do campo e mostrarmos que a irrigação é uma ferramenta que também nos garante a conservação ambiental”, afirmou.

Breno Lobato (MTb 9417-MG)
Embrapa Cerrados

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