18/02/20 |   Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação

Artigo - Aumentando a produção de bezerros com a desmama precoce

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Luiz Orcirio Fialho de Oliveira1, Urbano Gomes Pinto Abreu2, Rodrigo da Costa Gomes1, Luana Silva Caramalac3, Tereza Gabriela da Costa3, Thainá Arruda de Carvalho4.

 

1Pesquisadores Embrapa Gado de Corte; 2Pesquisadores Embrapa Pantanal; 3Doutoranda da UFMS; 4Estudante de Zootecnia da UFMS.

 

Não há pecuária sem bezerros. A fase de cria representa aproximadamente 75% do custo energia de um boi acabado e pronto para o abate. A reposição em propriedades de engorda é o fator mais impactante sobre os resultados da atividade. Ciclos de preços baixos e altos são resultantes de desequilíbrios da cadeia e da lei da oferta e procura, que culminam com o abate ou a retenção de matrizes nas propriedades de cria e ciclo completo.

 

Recentemente, acompanhou-se a explosão do valor da arroba no mercado brasileiro, empurrados pelas demandas internacional e nacional aquecidas, o que também provocou o aumento dos preços de animais (bezerros e bezerras) de reposição. O fato é que ao considerarmos o ciclo de produção, é a fase de cria a mais complexa e trabalhosa e pouco responsiva ao input imediato de recursos. Enquanto que na recria e engorda investimentos em alimentação (aumento da suplementação, confinamento) e manejo (divisão de invernadas, adubação de pastagens, etc.) podem representar significativos ganhos; na cria, os ganhos são limitados, mesmo com adoção de novas tecnologias.

 

O fato é que para o criador de bezerros, é importante “colher” (desmamar) maior número de bezerros, e maior peso no momento de sua venda – geralmente na época da desmama. A desmama precoce (DP) é uma ferramenta que quando aplicada adequadamente pode trazer diversos benefícios às propriedades de cria. Sua principal premissa é elevar os índices de prenhes das matrizes sem prejudicar o peso dos bezerros à desmama (principal momento de venda).

 

Qual a idade mínima recomendada para a desmama precoce?

Dependendo da alimentação, o bezerro pode atingir a maturidade de desenvolvimento do rúmen entre oito a doze semanas de vida permitindo assim a retirada do leite da dieta. Ressalta-se que a adoção de estratégias de alimentação de concentrados na fase inicial de vida (ainda em amamentação, como no creep feeding), pela presença de carboidratos solúveis nos mesmos, auxilia o desenvolvimento precoce do rúmen-retículo dos bezerros.

 

O desenvolvimento das papilas e o espessamento da mucosa do rúmen têm seu início quando os bezerros começam a ingerir forragem, sendo, no entanto os ácidos graxos voláteis (AGV), especialmente os resultantes da fermentação de carboidratos solúveis como o amido e açúcares, os maiores responsáveis por essa transformação.

 

Nos estudos conduzidos pela Embrapa, considerando aspectos econômicos, de manejo dos animais, fisiológicos e nutricionais, entre outros, a DP promovida com bezerros entre 3 a 4 meses (90 a 120 dias), com aproximadamente 105 dias de idade em média; foi a mais adequada.

 

Qual é o impacto nutricional da desmama precoce nas vacas?

Por diversos motivos, após o parto as vacas de corte a pasto não conseguem alimentar-se suficientemente para o atendimento de suas exigências, o que afeta tanto a produção de leite quanto seu retorno ao ciclo reprodutivo – fase esta que chamamos de balanço energético negativo. O maior problema é que esse processo ocorre exatamente durante a “estação de monta”, afetando negativamente os índices de prenhes das matrizes.

A desmama precoce (DP) pode alterar o balanço energético das matrizes (Figura 1) neste período, e quando aplicada de forma pontual durante a estação de monta, aumenta os índices de prenhes.

Figura 1. Balanço energético de vaca de corte submetida o desmame convencional (210 dias) ou precoce (90 dias), em dieta de baixa energia (NDT = 50%), consumindo 2,0% do peso vivo em matéria seca conforme NRC (1996).

 

Comparando as curvas da Figura 1, observa-se que a partir do desmame precoce (105 dias), as vacas passam a ter superávit energético suficiente ao retorno das funções reprodutivas. Enquanto que no desmame convencional (DC) (210 dias), as vacas nesta condição de dieta permanecem em balanço negativo até a retirada do bezerro (7 ou 8 meses pós parto).

 

Resultados da desmama precoce

Suplementação de bezerros antes da DP – animais suplementados antes da DP em sistema de creep feeding atingiram peso médio de 114,6 kg, superior (p<0.05) ao dos animais não suplementados que alcançaram 104,3 kg. Os animais suplementados também obtiveram maior (p<0.05) ganho de peso diário no período após a DP até a data padrão de 210 dias de idade com ganhos diários de 0,749 e 0,698 kg para o lote de bezerros suplementados e não suplementados, respectivamente.

 

IATF no momento da DP – a adoção da IATF no momento da DP visa reduzir o número de manejo dos animais no curral, assim como o aproveitamento da redução do efeito inibitório da mamada.  Um lote de vacas paridas foram inseminadas (IATF) aos 70 dias pós parto e desmamadas aos 105 dias, enquanto que em outro lote com o mesmo número de animais, a IATF e a DP ocorreram em uma única data, 105 dias pós parto. Não houve diferenças (p>0.05) entre as propostas de manejo, já que os resultados observados foram de 38,5% e 41,5% para a IATF e de 97,4 e 91,5% de prenhez ao final da EM.

 

Retorno sobre o investimento – resultado econômico da adoção da DP foi estudado em uma propriedade localizada no Pantanal em Mato Grosso do Sul (Fazenda São Bento do Abobral). A propriedade possuía 2.335 vacas, e com a intensificação do sistema a taxa de desmama passou de 54% para 76% no período analisado. O índice de benefício-custo (BCR), após os cálculos dos somatórios dos custos e dos benefícios contabilizado no fluxo de caixa da fazenda, e com a utilização de taxa de desconto padronizada em 10%, foi estimado no valor de 1,70, em cada real investido no sistema intensificado há retorno de 70 centavos de real. A taxa de retorno sobre o investimento (ROI) foi estimada em 1,81 (cada real investido proporcionou retorno de 81 centavos de real), baseado principalmente em função dos custos da suplementação estratégica adotada na desmama dos bezerros. Observou-se que o investimento em suplemento é pago com o incremento de no mínimo 16,85 pontos percentuais de aumento na taxa de desmama.

 

Desempenho de bezerros submetidos a Desmama Precoce Adaptada

Após a DP aos 140 dias de idade, dois grupos de bezerros (Nelore ou Cruzados) denominados de baixa energia (BE ou desmama precoce adaptada), receberam quantidade fixa de ração no período de 160 dias, outros dois grupos (Nelore ou Cruzados) denominados de alta energia (AE) receberam níveis crescentes e ajustados em 1% do peso vivo e finalmente dois outros grupos (controle Nelore ou Cruzados) não foram submetidos à DP e desmamados na forma convencional (DC).

 

O peso médio dos bezerros cruzados, ajustado aos 300 dias de idade (PA300) foram maiores para os animais de AE em relação aos cruzados de BE (p<0.01), sendo de 291,7 e 247,5 kg respectivamente. O mesmo ocorrendo com PA300 dos bezerros da raça Nelore, sendo de 221,9 e 192,3 kg para os grupos AE e BE respectivamente. Animais do grupo Nelore ou Cruzados submetidos à desmama convencional tiveram PA300 semelhantes (p>0.05) aos grupos de mesma genética submetidos do tratamento BE, sendo de 194,5 e de 232,1 kg respectivamente.

 

Desempenho produtivo e reprodutivo, e retorno do investimento em ciclo completo

Os resultados apontam demonstrou-se aumento dos índices de prenhez de lotes de vacas submetidas a DP quando comparadas a DC, sendo na média de 93 e 74%, respectivamente. Outros estudos também mostraram não haver diferenças de peso ajustados dos animais da DP recebendo entre 1,0 e 1,2 kg/animal/dia quando comparados aos seus contemporâneos da DC, nas condições da propriedade.

 

Em outro estudo acompanhou-se os resultados de desempenho dos animais submetidos à DP ou DC, desde o nascimento até o abate. Foram adotadas três estratégias de manejo durante a primeira fase dos animais – desmama precoce (DP), desmama convencional sem oferta de ração em creep feeding (DCS) e desmama convencional com oferta de ração (DCC). Nesse mesmo estudo também avaliou-se as diferenças de prenhez das matrizes dos três tratamentos.

 

Os bezerros que receberam ração em creep feeding (DCC) terminaram a primeira fase mais pesado (p<0.01) que os DCS e DP, com 227,94 kg contra 213,23 e 193,53, respectivamente. Durante a recria os animais do DCS e da DP tiveram ganho de peso superior ao DCC (p<0.01), com resultados de 0,813, 0,798 e 0,710 kg/animal/dia respectivamente, compensando a diferença a menor da primeira etapa em relação aos animais do DCC. A terminação ocorreu em confinamento e ao final os animais foram abatidos com peso semelhante (p>0.05) e média de 610,04 kg, sendo que não houve diferenças para os parâmetros de carcaça avaliados (rendimento e acabamento).

 

Significativos efeitos foram observados sobre a prenhez das matrizes, sendo de 92,65% para o tratamento DP e maior (p>0.05) que os tratamentos DCC e DCS de 79,60 e 71,67%, respectivamente. O estudo da taxa de retorno sobre o investimento (ROI) na DP mostrou que a mesma resultou no valor de 1,95 ou seja para cada real investido na DP retornou o investimento de R$ 1,00 acrescido de mais R$ 0,95.

 

Cuidados a serem observados

 

  1. Pasto – principal alimento dos bovinos.

O pastejo é um ato de aprendizagem que os bezerros precisam passar. Da mesma forma, degradar fibras é um resultado do desenvolvimento do trato digestivo que os bezerros precisam obter. Recomenda-se colocar os bezerros em áreas com boa disponibilidade de massa, no ponto adequado de maturidade e se possível usar forrageiras de melhor valor nutricional.

 

  1. Suplemento concentrado (“ração”).

O déficit nutricional das pastagens (para adequado desenvolvimento), a menor capacidade de digestão da fibra pelos bezerros e a retirada do leite, necessitam ser supridas pela oferta de uma ração de qualidade.

Uma sugestão para o acerto dessa quantidade é considerar como base, o peso médio dos bezerros no dia da DP, definindo a quantidade como sendo 1% do peso vivo, ou seja, se os bezerros estiverem com 120 kg de peso vivo, adotar a quantidade de 1,2 kg/animal/dia.

Muito se pergunta sobre a forma do suplemento – farelada ou peletizada? Trabalhos mostram que ambas formas podem ser administradas, entretanto salienta-se que suplementos peletizados, reduzem a seletividade pelo animal e a segregação do produto, assim como apresentam melhor digestibilidade do amido, devido à sua gelatinização no processo de peletização.

 

  1. Condição corporal das vacas.

A anotação do ECC é uma prática simples, não requer nenhum equipamento e pode ser feita em qualquer momento e local, ou seja, no curral, no campo, durante o parto ou no desmame, etc. Requer, entretanto, observador bem treinado e anotações cuidadosas. Vacas multíparas com ECC ao parto entre 5,0 e 6,0 têm elevada chance de ficarem prenhes na estação de monta seguinte, enquanto que vacas com ECC abaixo de 5,0 no momento do parto, terão poucas chances de ficarem prenhes.

 

  1. Estação de monta e Inseminação Artificial.

Ao eliminar os efeitos da mamada dos bezerros pelo desmame precoce, as vacas podem rapidamente retornarem à sua atividade reprodutiva, aumentando a apresentação de cios e a concepção, a qual poderá ser incrementada por meio da associação com as técnicas de IATF e/ou IA.

Uma consideração a ser feita é que a idade mínima recomendada para a realização da IATF é a partir dos 40-45 dias pós-parto, e a idade recomendada para o DP (vide abaixo) é a partir dos 90-120 dias, neste sentido muitas vezes é interessante lançar mão da realização da IATF no pós-parto precoce, onde conseguiremos um percentual de vacas prenhes no início da EM, e a DP pode ser realizada posteriormente, concomitantemente com o diagnóstico de gestação com ultrassonografia.

 

  1. Idade do desmame e período de suplementação

O desmame de bezerros com idade inferior a 90 dias exige maiores investimentos em alimentação e cuidados gerais, o que pode inviabilizar a técnica em sistemas de corte a pasto. O tempo de suplementação após o desmame também deve ser considerado, já que é necessário suplementar por pelo menos 120 dias e para que não comprometa a continuidade do seu desenvolvimento, é importante sua suplementação durante a seca – período de pastagens fibrosas e com baixos teores de proteína. Desta forma a suplementação dos bezerros deve obedecer a um plano alimentar que leve em consideração os primeiros 365 dias de vida do animal.

 

  1. Cuidados Gerais.

O desmame (independentemente do momento ou idade dos bezerros) é uma medida naturalmente estressante, e toda ação no sentido de minimizar seus efeitos é positiva. Cuidados que devem ser ajustados e/ou acrescidos conforme o manejo e as condições específicas de cada propriedade:

  1. Ajustar lotes de vacas e bezerros com mesma idade;
  2. Preparação prévia dos piquetes dos bezerros. Ambientes secos, sombreados, água fresca, cochos e bebedouros limpos são importantes para o bem estar animal e a redução de incidência de doenças;
  3. Produtos estimulantes (modificadores orgânicos), vermífugos e vacinações contra pneumonia, podem ser feitas desde que orientadas por veterinário;
  4. Nas primeiras 48 horas, manter os bezerros fechados em um curral ou em um piquete pequeno e bem cercado, com água e ração à vontade;
  5. Manter as mães próximas dos bezerros em um pasto vizinho nas primeiras 48 horas, possibilitando a observação visual dos bezerros, poderá minimizar o estresse. O uso de vacas madrinhas também é uma boa alternativa;
  6. Após as 48 horas iniciais transferir os bezerros para o piquete e procurar nos primeiros 15 dias agrupá-los (rodeio) no local de tratamento (cochos) de 2 a 3 vezes ao dia, estimulando o consumo de ração;
  7. Observar possíveis efeitos de dominância e retirar animais mais fracos para serem tratados separadamente;
  8. Manter sempre a rotina de horários de administração da ração, não “atropelar”, não “bater” e evitar gritos com os animais. O zelo e o carinho com os mesmos podem fazer enorme diferença para o sucesso desta tecnologia;
  9. Empresas fornecedoras de ração podem oferecer planos nutricionais distintos e igualmente eficazes. Não se atente apenas ao preço da ração, procure ser atendido por uma empresa idônea, com técnicos preparados e capazes de auxiliar no DP.

 

  1. Oportunidade e benefícios econômicos.

Benefícios diretos e indiretos podem ser obtidos pela técnica do desmame precoce, entretanto é importante lembrar que a adoção desta deve ser resultado de prévia análise sobre riscos, custos e benefícios desejados, como os citados abaixo:

  1. Aumento dos índices de prenhez das matrizes em geral (principal);
  2. Antecipação de vendas das vacas vazias e submetidas à DP;
  3. Redução da taxa de lotação durante o período seco do ano, em virtude da venda antecipada de matrizes vazias;
  4. Melhora do fluxo de caixa da propriedade;
  5. Animais mais mansos em virtude da adoção da suplementação

 

O desmame precoce é capaz de melhorar a eficiência do sistema de produção de gado de corte, porém requer a adoção de diversos cuidados antes da sua implantação, sendo as melhorias na produção e na qualidade das forragens um pré-requisito para seu êxito.

 

Não é recomendável que se adote o desmame precoce aleatoriamente para todas as vacas de cria do rebanho, devendo ser estabelecido um planejamento cuidadosamente elaborado, levando-se em consideração as abordagens descritas neste documento e outras peculiaridades locais.

 

Embrapa Gado de Corte

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