Socioeconomia

Conteúdo migrado na íntegra em: 09/12/2021

Autor

André Yves Cribb - Embrapa Agroindústria de Alimentos

 

Tecnologia de alimentos e agregação de valor a matérias-primas agropecuárias: uma análise de aspectos socioeconômicos e mercadológicos.

 

1. Introdução

Classificada como uma das áreas das Ciências Agrárias, a Tecnologia de Alimentos envolve principalmente conhecimentos técnico-científicos, relativos à industrialização de produtos de origem vegetal e animal. Sua abrangência se estende desde a seleção de matérias-primas até o transporte e comercialização dos produtos. A tecnologia de alimentos fornece importantes recursos que auxiliam na geração de produtos com maior valor agregado em relação às matérias-primas agrícolas in natura. Tais recursos são principalmente relacionados com o processamento e a embalagem de alimentos.

A "agregação de valor" é uma estratégia de produção bastante recomendada para as empresas do setor agroalimentar. Utilizada a favor do aumento da competitividade, ela pressupõe a antecipação de tendências, a distinção de mercados em termos de quantidade e qualidade, a busca de inovações e marcas diferenciadas e a identificação da percepção dos consumidores. Geralmente, procura se evidenciar por meio da redução de custos de produção ou do aumento da propensão de compra do comprador. A redução de custos pode ocorrer em termos financeiros ou em termos de conveniência ou tempo. A propensão de compra pode ser aumentada graças à oferta de produtos com maior qualidade e segurança.

Várias práticas são geralmente adotadas para a agregação de valor a produtos agroalimentares. Elas incluem a modificação dos ingredientes do produto, modificação das funções principais de uso do produto, substituição dos itens acessórios (embalagens, por exemplo), modificação da forma de distribuição, seleção dos locais de oferta do produto.

 

2 . Diferenciação de produtos no setor agroalimentar brasileiro

Apesar de ser tradicionalmente um país exportador de commodities, o Brasil vem agregando cada vez mais valor a seus produtos nos últimos trinta anos. A mudança na sua trajetória surgiu na década de 1970, quando os produtos manufaturados começaram a ganhar maior participação na pauta de exportações. No período de 1997 a 2005, a proporção de agregação de valor nas exportações de semi-manufaturados e manufaturados dos agronegócios é significativa, atingindo em média um nível superior a 50%.

Atualmente, muitas empresas agroindustriais, atuando no Brasil, estão procurando agregar valor às matérias-primas utilizadas. Em busca de maior lucratividade, elas se empenham em assegurar a fidelidade dos consumidores a partir do atendimento de suas necessidades e exigências. Procuram alcançar diversos objetivos tais como atendimento às necessidades vitais do organismo e fornecimento de minerais, carboidratos, vitaminas e proteínas. Outro objetivo bastante destacado é o atendimento aos anseios e valores de saúde e estética. Dessa forma, os produtos com baixo nível de açúcar e gordura constituem exemplos de agregação de valor a produtos ofertados com base na demanda do mercado consumidor.

Além dessas empresas que geralmente são empreendimentos de grande e médio porte, existem também as iniciativas da agricultura familiar. A agregação de valor é uma estratégia que permite ao agricultor familiar enfrentar algumas restrições relacionadas à produção e comercialização de alimentos. Uma das maiores restrições é a presença de intermediários no segmento de distribuição dos produtos in natura. O agricultor familiar dispõe de poucas informações sobre o mercado, e não tem condições suficientes e necessárias para guardar os produtos que normalmente são perecíveis. O uso de técnicas de processamento de alimentos ajuda a agregar valor a esses produtos. Nesse sentido, a agregação de valor se interliga ao processo de formação de preço. Alongando a vida de prateleira dos produtos, o agricultor passa a ter mais margem de negociação e mais autonomia de decisão na valoração destes.

Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento territorial, a agregação de valor a matérias-primas agropecuárias implica na diversificação dos produtos gerados e comercializados, diminuindo assim a dependência de mercadorias exógenas e desacelerando a erosão financeira. A importância da mulher na confecção de produtos é realmente significativa no âmbito da agroindústria familiar.

Uma linha de produção bastante destacada no setor agroalimentar é o aproveitamento de resíduos agropecuários e agroindustriais. Por meio da tecnologia de alimentos, é possível utilizar esses resíduos para obtenção de novos produtos, gerando aumento da receita financeira e contribuindo para a preservação ambiental.

No Brasil, a agregação de valor a matérias-primas agropecuárias vem ganhando, cada vez mais, expressividade, com um número maior de produtos ofertados no comércio local, nacional e internacional. A adoção desta estratégia produtiva por muitas empresas se explica automaticamente pois, no atual ambiente de globalização e competição, elas precisam gerar novos produtos com diferenciais percebidos pelo mercado e capazes de garantir vantagens competitivas em relação aos principais concorrentes. Graças a recursos tecnológicos, oferecidos por organizações de pesquisa que atuam no setor agroalimentar, elas têm a chance de gerar novos produtos competitivos no mercado globalizado, aumentar as exportações e contribuir para um saldo positivo no balanço do comércio exterior.

A agricultura familiar vem também se fortalecendo por meio dessa estratégia, valorizando seus produtos e, portanto, construindo a sustentabilidade do desenvolvimento regional. Para o agricultor familiar, a agregação de valor a matérias-primas agropecuárias constitui uma iniciativa voltada de certo modo para a obtenção de preços capazes de garantir a viabilidade econômica de seus negócios. Nesse sentido, ela contribui para melhorar diversos aspectos socioeconômicos do meio rural, tais como geração de emprego e renda; estabilidade da oferta dos produtos; diversificação do sistema de produção; oferta continua de produtos ao longo do tempo; e, redução de perdas nos produtos. Um fator importante ao sucesso desta estratégia na agricultura familiar é o apoio das entidades governamentais através de políticas públicas favoráveis a ações de associativismo, cooperativismo, consórcios, trocas de experiências, transferências de tecnologias (entre organização de pesquisa e pequena propriedade rural), além do acesso a créditos.

 

Considerações finais

A agregação de valor a matérias-primas agropecuárias é, sem dúvida nenhuma, uma das mais eficientes estratégias produtivas para a sobrevivência e competitividade do agronegócio em geral e da agricultura familiar em particular. No entanto, ela gera, em certos casos, efeitos que não são sempre benéficos. Ela tem sérias limitações que podem dificultar seu uso generalizado.

Há pelo menos dois aspectos a levar em consideração na hora de adotar essa estratégia. O primeiro é que, quando uma empresa decide agregar valor a um produto, passa a enfrentar um padrão de concorrência que pode ser radicalmente distinto daquele usualmente encontrado no mercado de commodities. O segundo aspecto é que maiores margens de comercialização não implicam, necessariamente, em maior rentabilidade à empresa.

Portanto, a adoção da agregação de valor a produtos deve ser orientada pelo mercado. Ela deve ser baseada em estudos socioeconômicos e mercadológicos, voltados principalmente para a análise de factibilidade, viabilidade e impactabilidade do empreendimento.